🎙️ Pessoal do Ceará: a voz poética do sertão no coração da MPB
Em meados da década de 1970, o Brasil vivia sob o peso da ditadura, mas também testemunhava uma ebulição cultural nas bordas do país. Em pleno Ceará, nasciam canções carregadas de poesia, identidade e resistência. Foi ali, entre as secas do sertão e os ventos do litoral, que surgiu o movimento musical conhecido como Pessoal do Ceará — um grupo de artistas que traduziu em música as dores e as delícias de ser nordestino em um país em transformação.
Não era exatamente um movimento formal, como a Tropicália ou a Bossa Nova. Era antes um encontro afetivo, poético e político, formado por jovens compositores e intérpretes que despontavam com vozes potentes, letras refinadas e um profundo compromisso com a cultura popular. Belchior, Fagner, Ednardo, Amelinha, Rodger Rogério, Teti, Petrúcio Maia — e, sim, Fausto Nilo, o grande letrista e poeta urbano que deu alma a muitas das canções que marcaram gerações.
Se Fagner dava voz à beleza melódica de Mucuripe, Belchior explodia as contradições de uma juventude em conflito com a caretice da época. Ednardo vinha com Pavão Mysteriozo e outras pérolas que misturavam psicodelia e regionalismo. Amelinha cantava a força feminina nordestina. E por trás de muitos desses versos estava Fausto Nilo, o arquiteto da palavra, o cronista dos sentimentos, o poeta que construiu com sua escrita pontes entre o sertão e a cidade.
Letras como “Jardins da Babilônia”, “Zanzibar” e tantas outras eternizadas na voz de grandes intérpretes mostram como o Pessoal do Ceará foi, acima de tudo, um grito coletivo. Um grito por identidade, por liberdade e por beleza — uma beleza bruta, como pedra talhada pelo tempo.
O disco Pessoal do Ceará, lançado em 1973, é um marco. Mas a influência do grupo vai muito além de um álbum. Eles abriram portas para uma nova percepção do Nordeste na música brasileira, desfazendo estereótipos e afirmando uma estética própria, poética, engajada e profundamente humana.
Hoje, quando revisitamos as canções dessa turma, encontramos nelas ecos de uma juventude que ousou cantar o mundo com sotaque, com coragem e com ternura. O Pessoal do Ceará não foi só um movimento musical. Foi, e ainda é, um modo de ver e sentir o Brasil a partir do Nordeste.
Nenhum comentário:
Postar um comentário