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terça-feira, 1 de julho de 2025

Quem paga a conta? O fim do IOF, o ajuste fiscal e a luta de classes no Brasil de 2025

Por Luis Moreira

Blog Olhos do Sertão – Julho de 2025

O Brasil está diante de uma escolha política e moral: para compensar a perda de arrecadação com o fim do IOF, quem deve pagar a conta? Os supersalários de uma elite privilegiada ou o salário mínimo que sustenta milhões de brasileiros? A matéria publicada pelo UOL em 30/06 expõe uma contradição cada vez mais latente entre o governo federal e o mercado financeiro – e, mais profundamente, entre o capital e o trabalho. Além disso, precisamos discutir a regressividade do sistema tributário que penalize os trabalhadores e as trabalhadoras e amacia para os bilionários.

Um cenário clássico de luta de classes, como já diagnosticava Karl Marx no século XIX.

O que está em jogo com o fim do IOF

O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) deixará de existir a partir de 2028, por exigência de acordos internacionais. Com isso, haverá uma perda de bilhões na arrecadação federal.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sinalizou que pretende compensar a perda cortando privilégios, como:

·        Supersalários no funcionalismo (especialmente nos altos cargos do Judiciário e Ministério Público);

·        Benefícios previdenciários desproporcionais (como no caso dos militares, cujo déficit médio é de R$ 159 mil por beneficiário/ano);

·        E isenções fiscais concedidas a setores empresariais, que somam cerca de R$ 800 bilhões por ano.

·        A tributação injusta que favorece a concentração de riquezas e desigualdade social.

Por outro lado, o mercado financeiro e setores conservadores propõem uma alternativa: congelar o salário mínimo e cortar políticas de redistribuição de renda. Para esses atores, o problema do Brasil não são os privilégios — são os direitos da maioria.


A contradição marxista: capital versus trabalho

Karl Marx afirmou que o motor da história é a luta entre classes sociais com interesses opostos. No caso brasileiro, a contradição é evidente:

·        A classe dominante, representada por setores do mercado e da elite do funcionalismo, resiste à ideia de pagar parte do ajuste. Propõe que o povo pague.

·        A classe trabalhadora, sustentada por sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda, exige que os cortes ocorram no topo da pirâmide.

A disputa não é apenas contábil: é política, simbólica e profundamente moral. Defender o salário mínimo é defender o mínimo de dignidade. Cortá-lo, em nome de uma “responsabilidade fiscal”, é transferir a conta para quem já paga com a vida, com o corpo e com o trabalho precarizado.

Rumo a 2026: a disputa que se aproxima

Esta contradição também antecipa o tom da campanha presidencial de 2026:

·        De um lado, Lula e as esquerdas defendem políticas de valorização do trabalho, do salário mínimo e da inclusão social.

·        Do outro, a direita liberal e a extrema direita defendem o mercado, os rentistas e os donos dos grandes capitais — sacrificando o povo em nome da “estabilidade”.

Congelar o salário mínimo, como propõe o economista Armínio Fraga, significaria abrir mão do crescimento real da renda básica da população por até seis anos. Isso atingiria aposentadorias, pensões, abonos salariais e o seguro-desemprego — todos vinculados ao mínimo.

E as grandes fortunas? A pergunta que o mercado evita

Enquanto o mercado financeiro pressiona por corte de salários e benefícios sociais, nada se fala sobre a taxação de grandes fortunas, uma das medidas mais justas e eficientes do ponto de vista distributivo.

A Constituição de 1988 prevê, no artigo 153, inciso VII, a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Contudo, nunca foi regulamentado. E por quê? Porque a elite econômica e política resiste à ideia de ser tributada.

Dados alarmantes:

·        1% dos brasileiros mais ricos concentra quase 50% da riqueza nacional (Relatório Oxfam, 2023);

·        O Brasil arrecada apenas 0,2% do PIB com impostos sobre patrimônio, contra uma média de 2,2% nos países da OCDE;

·        Um imposto de 1% sobre fortunas acima de R$ 50 milhões arrecadaria mais de R$ 50 bilhões por ano — sem afetar a classe média nem os pequenos empresários.

Enquanto isso, o trabalhador que ganha um salário mínimo paga impostos indiretos que consomem até 20% da sua renda mensal. É a perversidade tributária: os pobres sustentam o Estado; os ricos acumulam isenções.

 Comparando caminhos possíveis

Medida

Impacto estimado

Quem é afetado

Corte de supersalários e benefícios do topo

R$ 9–15 bilhões/ano

Elite do funcionalismo e Judiciário

Revisão de isenções fiscais

R$ 80–100 bilhões/ano

Grandes empresas e grupos privilegiados

Taxação de grandes fortunas (1%)

R$ 50 bilhões/ano

0,01% da população (ultrarricos)

Congelamento do salário mínimo

Até R$ 190 bilhões em 6 anos

Milhões de trabalhadores, aposentados e beneficiários


Conclusão: justiça fiscal é justiça social

Esse é o debate que o Brasil precisa fazer urgentemente. A crise fiscal é uma escolha política, e não uma inevitabilidade técnica. O governo precisa politizar a questão orçamentária, nomear os verdadeiros privilegiados do sistema tributário e romper com o dogma de que “todos devem contribuir igualmente”.

Não há justiça social sem justiça fiscal. E não há democracia sólida enquanto os ultrarricos estiverem blindados por um sistema que penaliza os mais pobres.

A disputa que se desenha para 2026 é, acima de tudo, uma disputa pelo futuro do Brasil. De que lado estaremos?

·        Do lado dos bancos ou do lado dos trabalhadores?

·        Do lado dos bilionários ou do lado de quem vive com um salário mínimo?

·        Do lado da austeridade regressiva ou da dignidade redistributiva?

O povo brasileiro merece saber que existem caminhos alternativos. Mas, para isso, é preciso coragem para tocar nas estruturas de poder. E essa coragem precisa ser coletiva.

Luis Moreira
Professor, ambientalista e cidadão nordestino em luta por justiça social
Blog Olhos do Sertão

 

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