Por Luis Moreira
Blog Olhos do Sertão – Julho de 2025
O Brasil está diante de uma escolha política e moral: para compensar a perda
de arrecadação com o fim do IOF, quem deve pagar a conta?
Os supersalários de uma elite privilegiada ou o salário mínimo que sustenta
milhões de brasileiros? A matéria publicada pelo UOL em 30/06 expõe uma
contradição cada vez mais latente entre o governo federal e o mercado
financeiro – e, mais profundamente, entre o capital e o trabalho. Além disso,
precisamos discutir a regressividade do sistema tributário que penalize os
trabalhadores e as trabalhadoras e amacia para os bilionários.
Um cenário clássico de luta de classes, como já diagnosticava Karl Marx no
século XIX.
O que
está em jogo com o fim do IOF
O IOF (Imposto sobre Operações Financeiras)
deixará de existir a partir de 2028, por exigência de acordos internacionais.
Com isso, haverá uma perda de bilhões na arrecadação federal.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
sinalizou que pretende compensar a perda cortando privilégios,
como:
·
Supersalários no funcionalismo (especialmente
nos altos cargos do Judiciário e Ministério Público);
·
Benefícios previdenciários desproporcionais
(como no caso dos militares, cujo déficit médio é de R$ 159 mil por
beneficiário/ano);
·
E isenções fiscais concedidas a setores
empresariais, que somam cerca de R$ 800 bilhões por ano.
·
A tributação injusta que favorece a concentração
de riquezas e desigualdade social.
Por outro lado, o mercado financeiro e setores conservadores propõem uma
alternativa: congelar o salário mínimo e cortar
políticas de redistribuição de renda. Para esses atores, o problema do Brasil
não são os privilégios — são os direitos da maioria.
A
contradição marxista: capital versus trabalho
Karl Marx afirmou que o motor da história é a
luta entre classes sociais com interesses opostos. No caso brasileiro, a
contradição é evidente:
·
A classe dominante,
representada por setores do mercado e da elite do funcionalismo, resiste à
ideia de pagar parte do ajuste. Propõe que o povo pague.
·
A classe trabalhadora,
sustentada por sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda, exige que
os cortes ocorram no topo da pirâmide.
A disputa não é apenas contábil: é política, simbólica e profundamente moral. Defender o
salário mínimo é defender o mínimo de dignidade. Cortá-lo, em nome de uma
“responsabilidade fiscal”, é transferir a conta para quem já paga com a vida,
com o corpo e com o trabalho precarizado.
Rumo a
2026: a disputa que se aproxima
Esta contradição também antecipa o tom da
campanha presidencial de 2026:
·
De um lado, Lula
e as esquerdas defendem políticas de valorização do trabalho, do salário mínimo
e da inclusão social.
·
Do outro, a
direita liberal e a extrema direita defendem o mercado, os rentistas e os donos
dos grandes capitais — sacrificando o povo em nome da “estabilidade”.
Congelar o salário mínimo, como propõe o
economista Armínio Fraga, significaria abrir mão do crescimento real da renda
básica da população por até seis anos. Isso atingiria aposentadorias, pensões,
abonos salariais e o seguro-desemprego — todos vinculados ao mínimo.
E as
grandes fortunas? A pergunta que o mercado evita
Enquanto o mercado financeiro pressiona por
corte de salários e benefícios sociais, nada se fala sobre a taxação de
grandes fortunas, uma das medidas mais justas e eficientes do
ponto de vista distributivo.
A Constituição de 1988 prevê, no artigo 153,
inciso VII, a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas
(IGF). Contudo, nunca foi regulamentado.
E por quê? Porque a elite econômica e política resiste à ideia de ser
tributada.
Dados
alarmantes:
·
1% dos brasileiros mais ricos
concentra quase 50% da riqueza nacional (Relatório Oxfam,
2023);
·
O Brasil arrecada apenas 0,2% do PIB com impostos sobre patrimônio, contra
uma média de 2,2% nos países da OCDE;
·
Um imposto de 1% sobre fortunas acima de R$ 50 milhões arrecadaria mais
de R$ 50 bilhões por ano — sem afetar a
classe média nem os pequenos empresários.
Enquanto isso, o trabalhador que ganha um
salário mínimo paga impostos indiretos que consomem até 20% da sua renda mensal. É a perversidade tributária: os pobres sustentam o Estado; os ricos acumulam isenções.
Comparando caminhos possíveis
|
Medida |
Impacto
estimado |
Quem é
afetado |
|
Corte de
supersalários e benefícios do topo |
R$ 9–15
bilhões/ano |
Elite do
funcionalismo e Judiciário |
|
Revisão
de isenções fiscais |
R$
80–100 bilhões/ano |
Grandes
empresas e grupos privilegiados |
|
Taxação
de grandes fortunas (1%) |
R$ 50
bilhões/ano |
0,01% da
população (ultrarricos) |
|
Congelamento
do salário mínimo |
Até R$
190 bilhões em 6 anos |
Milhões
de trabalhadores, aposentados e beneficiários |
Conclusão: justiça fiscal é justiça social
Esse é o debate que o Brasil precisa fazer
urgentemente. A crise fiscal é uma escolha política, e não uma inevitabilidade
técnica. O governo precisa politizar a questão orçamentária,
nomear os verdadeiros privilegiados do sistema tributário e romper com o dogma
de que “todos devem contribuir igualmente”.
Não há justiça social sem justiça
fiscal. E não há democracia sólida enquanto os ultrarricos estiverem blindados
por um sistema que penaliza os mais pobres.
A disputa que se desenha para 2026 é, acima de
tudo, uma disputa pelo futuro do Brasil. De
que lado estaremos?
·
Do lado dos bancos ou do lado dos trabalhadores?
·
Do lado dos bilionários ou do lado de quem vive
com um salário mínimo?
·
Do lado da austeridade regressiva ou da
dignidade redistributiva?
O povo brasileiro merece saber que existem
caminhos alternativos. Mas, para isso, é preciso coragem para tocar nas
estruturas de poder. E essa coragem precisa ser coletiva.
Luis Moreira
Professor, ambientalista e cidadão nordestino em luta por justiça social
Blog Olhos do Sertão
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