1. Introdução: o dilema político e simbólico do Brasil contemporâneo
O
Brasil vive um dilema decisivo entre projetos de nação: de um lado, a
reconstrução democrática com soberania popular, desenvolvimento e justiça
social; de outro, os resquícios de um projeto autoritário, subordinado e
farsante que se apropriou de palavras como "pátria",
"família" e "Deus" para entregar o país ao capital
internacional e à destruição institucional. Para entender esse impasse, é
necessário resgatar três conceitos fundamentais — nacionalismo, patriotismo e
soberania e compreender como foram manipulados pelo bolsonarismo.
2. Nacionalismo: emancipação ou
exclusão
O nacionalismo
pode ser lido de dois modos. Em sua forma progressista e libertadora, ele
representa a luta dos povos por autonomia, dignidade e desenvolvimento soberano
— como no caso das lutas anticoloniais, da Revolução Cubana ou dos movimentos
de integração regional na América Latina. Foi esse o nacionalismo defendido por
intelectuais como Moniz Bandeira e Samuel Pinheiro Guimarães, articulando
soberania nacional e integração Sul-Sul.
Mas há também o nacionalismo excludente e autoritário, como aquele promovido pelo bolsonarismo: baseado em intolerância, xenofobia, armamentismo e culto à força, ele se apropria de símbolos nacionais para combater direitos civis, perseguir minorias e legitimar o entreguismo econômico. Em vez de proteger a pátria, serve para dividi-la internamente e subordiná-la externamente.
3. Patriotismo: lealdade ao povo, não
a governos
O patriotismo
verdadeiro é o amor à pátria traduzido em lealdade ao povo: seus direitos, sua
história, sua cultura e sua dignidade. Não se confunde com governos ou
partidos, tampouco com ufanismo militarista. Patriotismo é lutar por saúde
pública, por educação de qualidade, por soberania alimentar e energética. É
proteger o bioma brasileiro, os saberes tradicionais, o emprego nacional e a
autonomia científica.
O
bolsonarismo, ao contrário, praticou o patriotismo de fachada. Transformou a
bandeira nacional em farda de agressão, transformou a camisa da seleção em
instrumento de fanatismo e golpe. Como disse Pierre Bourdieu, o poder simbólico
atua ao impor significados e valores. No caso brasileiro, o bolsonarismo
sequestrou os símbolos da pátria para legitimar sua submissão aos Estados
Unidos, seu ódio à democracia e sua aliança com o capital financeiro
internacional.
4. Soberania: a palavra que o
bolsonarismo não diz
Talvez
o elemento mais revelador de todo esse processo seja o silêncio estratégico em
torno da palavra "soberania". O bolsonarismo gritava "Brasil
acima de tudo", mas nunca falava em soberania energética, soberania
alimentar, soberania científica, tecnológica ou territorial.
Por
quê?
Porque
defender a soberania exige compromisso com o povo e com os bens do país.
Implica:
Proteger
o pré-sal da entrega às multinacionais;
Investir
na Embraer, na Base de Alcântara, na Amazônia;
Apoiar
as universidades e a ciência nacional;
Romper
com a dependência do dólar e dos bancos estrangeiros;
Articular
um projeto de desenvolvimento independente e solidário.
Silenciar
sobre soberania foi a maneira do bolsonarismo ocultar seu verdadeiro projeto: a
conversão do Brasil em colônia do capital estrangeiro e da extrema-direita
internacional. Como bem disse o empresário Pih, ao comentar o tarifaço de Trump
articulado por Jair e Eduardo Bolsonaro:
“Eles
praticaram alta traição à pátria.”
5. Reconstruir o tripé: por um novo
projeto de país
O
desafio histórico que temos à frente é reconstruir esse tripé — nacionalismo,
patriotismo e soberania a partir do povo e para o povo. Isso significa:
Um nacionalismo
popular, anticolonial, democrático e latino-americano;
Um patriotismo
inclusivo, cultural, plural e comprometido com os direitos sociais;
E uma
soberania plena: econômica, política, tecnológica, energética, alimentar e
cultural.
Esse
é o caminho de um Brasil altivo, justo e protagonista no cenário internacional.
Esse é o caminho de um novo pacto histórico entre o povo e a nação.
6. Patriotismo: amor à
comunidade e ao bem comum
O patriotismo
é, em essência, o apego afetivo, ético e político à pátria, ao povo, à cultura
e aos valores compartilhados por uma comunidade nacional. É o compromisso com a
defesa do bem comum, da soberania, da dignidade social, da democracia e dos
direitos coletivos.
Características
do patriotismo:
Está
ligado à lealdade ao povo, mais do que ao Estado ou a governos específicos.
Reconhece
a pluralidade interna do país: raças, culturas, religiões, classes sociais.
É inclusivo,
solidário e normalmente compatível com valores democráticos.
Valoriza
a soberania sem negar o diálogo internacional.
Pode
ser progressista: associa-se ao desenvolvimento social e econômico com justiça.
Exemplo:
Lutar por um sistema público de saúde, educação de qualidade e soberania
alimentar pode ser um ato profundamente patriótico.
7. Nacionalismo: ideologia de
exclusão ou dominação
O nacionalismo,
por sua vez, é uma doutrina política e ideológica que afirma a primazia
absoluta da nação, ou de um determinado grupo dentro dela — em relação a
qualquer outro. Pode se manifestar de forma benigna (nacionalismo emancipador
ou anticolonial), mas frequentemente assume formas excludentes, autoritárias e
agressivas, sobretudo quando ligadas a projetos de poder conservador ou
expansionista.
Características
do nacionalismo:
Pode
ser etnocêntrico e intolerante: define quem é “de dentro” e quem é “de fora”.
Assume
a defesa da nação como superior a valores universais (direitos humanos,
democracia, etc).
Usa
símbolos nacionais para legitimar exclusão, racismo, militarismo ou
perseguições ideológicas.
Costuma
ser instrumentalizado por governos autoritários para justificar repressão
interna ou conflitos externos.
Pode
se confundir com chauvinismo (nacionalismo extremo e fanático) e xenofobia.
Exemplo:
No bolsonarismo, o uso da bandeira brasileira para atacar instituições
democráticas é um tipo de nacionalismo autoritário, disfarçado de patriotismo.
8. Patriotismo x Nacionalismo: o dilema
brasileiro
No
caso do Brasil atual (e do artigo que estamos desenvolvendo), o bolsonarismo
promoveu um nacionalismo falso e tóxico, que se esconde sob um discurso
patriótico:
Discurso:
“Brasil acima de tudo” → Prática: submissão aos EUA de Trump.
Discurso:
“Defesa da pátria” → Prática: entrega do pré-sal, privatizações e destruição da
indústria nacional.
Discurso:
“Deus acima de todos” → Prática: uso da religião para justificar ódio, armas e
negacionismo.
O
verdadeiro patriotismo brasileiro:
Respeita
a diversidade cultural, religiosa e social do país.
Defende
a soberania energética, alimentar, científica e ambiental.
Luta
por um Brasil autônomo, democrático e justo no cenário internacional.
✅ Resumo esquemático
|
Dimensão |
Patriotismo |
Nacionalismo |
|
Base
emocional |
Amor à
pátria e ao povo |
Orgulho
(frequentemente exagerado) da nação |
|
Inclusão |
Integrador
e plural |
Excludente
e homogêneo |
|
Política |
Compromisso
democrático e social |
Instrumento
de autoritarismo e supremacia |
|
Relação
com o outro |
Cooperação
com soberania |
Conflito,
rivalidade e xenofobia |
|
Uso de
símbolos |
Enraizado
no povo e na história |
Manipulado
por elites e grupos autoritários |
|
Ideologia |
Pode ser
progressista |
Frequentemente
reacionário e conservador |
Chegou
a hora de dizer com clareza: não entregaremos mais a bandeira do Brasil à
mentira, à violência simbólica e ao golpismo. A bandeira é nossa. O hino é
nosso. A pátria é o povo.
E um
povo só é livre quando é soberano, consciente de sua história e dono do seu
destino.
Referências
BANDEIRA,
Luiz Alberto Moniz. Formação do Império Americano. Civilização Brasileira,
2005.
GUIMARÃES,
Samuel Pinheiro. Quinhentos Anos de Periferia. L&PM, 1999.
DARCY
RIBEIRO. O Povo Brasileiro. Companhia das Letras, 1995.
BOURDIEU,
Pierre. O Poder Simbólico. Bertrand Brasil, 1989.
SANTOS,
Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo. Cortez, 2006.
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