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sexta-feira, 11 de julho de 2025

Nacionalismo, Patriotismo e Soberania: o tripé que o bolsonarismo destruiu

1. Introdução: o dilema político e simbólico do Brasil contemporâneo

O Brasil vive um dilema decisivo entre projetos de nação: de um lado, a reconstrução democrática com soberania popular, desenvolvimento e justiça social; de outro, os resquícios de um projeto autoritário, subordinado e farsante que se apropriou de palavras como "pátria", "família" e "Deus" para entregar o país ao capital internacional e à destruição institucional. Para entender esse impasse, é necessário resgatar três conceitos fundamentais — nacionalismo, patriotismo e soberania e compreender como foram manipulados pelo bolsonarismo.

2. Nacionalismo: emancipação ou exclusão

O nacionalismo pode ser lido de dois modos. Em sua forma progressista e libertadora, ele representa a luta dos povos por autonomia, dignidade e desenvolvimento soberano — como no caso das lutas anticoloniais, da Revolução Cubana ou dos movimentos de integração regional na América Latina. Foi esse o nacionalismo defendido por intelectuais como Moniz Bandeira e Samuel Pinheiro Guimarães, articulando soberania nacional e integração Sul-Sul.

Mas há também o nacionalismo excludente e autoritário, como aquele promovido pelo bolsonarismo: baseado em intolerância, xenofobia, armamentismo e culto à força, ele se apropria de símbolos nacionais para combater direitos civis, perseguir minorias e legitimar o entreguismo econômico. Em vez de proteger a pátria, serve para dividi-la internamente e subordiná-la externamente.

3. Patriotismo: lealdade ao povo, não a governos

O patriotismo verdadeiro é o amor à pátria traduzido em lealdade ao povo: seus direitos, sua história, sua cultura e sua dignidade. Não se confunde com governos ou partidos, tampouco com ufanismo militarista. Patriotismo é lutar por saúde pública, por educação de qualidade, por soberania alimentar e energética. É proteger o bioma brasileiro, os saberes tradicionais, o emprego nacional e a autonomia científica.

O bolsonarismo, ao contrário, praticou o patriotismo de fachada. Transformou a bandeira nacional em farda de agressão, transformou a camisa da seleção em instrumento de fanatismo e golpe. Como disse Pierre Bourdieu, o poder simbólico atua ao impor significados e valores. No caso brasileiro, o bolsonarismo sequestrou os símbolos da pátria para legitimar sua submissão aos Estados Unidos, seu ódio à democracia e sua aliança com o capital financeiro internacional.

4. Soberania: a palavra que o bolsonarismo não diz

Talvez o elemento mais revelador de todo esse processo seja o silêncio estratégico em torno da palavra "soberania". O bolsonarismo gritava "Brasil acima de tudo", mas nunca falava em soberania energética, soberania alimentar, soberania científica, tecnológica ou territorial.

Por quê?

Porque defender a soberania exige compromisso com o povo e com os bens do país. Implica:

Proteger o pré-sal da entrega às multinacionais;

Investir na Embraer, na Base de Alcântara, na Amazônia;

Apoiar as universidades e a ciência nacional;

Romper com a dependência do dólar e dos bancos estrangeiros;

Articular um projeto de desenvolvimento independente e solidário.

Silenciar sobre soberania foi a maneira do bolsonarismo ocultar seu verdadeiro projeto: a conversão do Brasil em colônia do capital estrangeiro e da extrema-direita internacional. Como bem disse o empresário Pih, ao comentar o tarifaço de Trump articulado por Jair e Eduardo Bolsonaro:

“Eles praticaram alta traição à pátria.”

5. Reconstruir o tripé: por um novo projeto de país

O desafio histórico que temos à frente é reconstruir esse tripé — nacionalismo, patriotismo e soberania a partir do povo e para o povo. Isso significa:

Um nacionalismo popular, anticolonial, democrático e latino-americano;

Um patriotismo inclusivo, cultural, plural e comprometido com os direitos sociais;

E uma soberania plena: econômica, política, tecnológica, energética, alimentar e cultural.

Esse é o caminho de um Brasil altivo, justo e protagonista no cenário internacional. Esse é o caminho de um novo pacto histórico entre o povo e a nação.

6. Patriotismo: amor à comunidade e ao bem comum

O patriotismo é, em essência, o apego afetivo, ético e político à pátria, ao povo, à cultura e aos valores compartilhados por uma comunidade nacional. É o compromisso com a defesa do bem comum, da soberania, da dignidade social, da democracia e dos direitos coletivos.

Características do patriotismo:

Está ligado à lealdade ao povo, mais do que ao Estado ou a governos específicos.

Reconhece a pluralidade interna do país: raças, culturas, religiões, classes sociais.

É inclusivo, solidário e normalmente compatível com valores democráticos.

Valoriza a soberania sem negar o diálogo internacional.

Pode ser progressista: associa-se ao desenvolvimento social e econômico com justiça.

Exemplo: Lutar por um sistema público de saúde, educação de qualidade e soberania alimentar pode ser um ato profundamente patriótico.

7. Nacionalismo: ideologia de exclusão ou dominação

O nacionalismo, por sua vez, é uma doutrina política e ideológica que afirma a primazia absoluta da nação, ou de um determinado grupo dentro dela — em relação a qualquer outro. Pode se manifestar de forma benigna (nacionalismo emancipador ou anticolonial), mas frequentemente assume formas excludentes, autoritárias e agressivas, sobretudo quando ligadas a projetos de poder conservador ou expansionista.

Características do nacionalismo:

Pode ser etnocêntrico e intolerante: define quem é “de dentro” e quem é “de fora”.

Assume a defesa da nação como superior a valores universais (direitos humanos, democracia, etc).

Usa símbolos nacionais para legitimar exclusão, racismo, militarismo ou perseguições ideológicas.

Costuma ser instrumentalizado por governos autoritários para justificar repressão interna ou conflitos externos.

Pode se confundir com chauvinismo (nacionalismo extremo e fanático) e xenofobia.

Exemplo: No bolsonarismo, o uso da bandeira brasileira para atacar instituições democráticas é um tipo de nacionalismo autoritário, disfarçado de patriotismo.

8.  Patriotismo x Nacionalismo: o dilema brasileiro

No caso do Brasil atual (e do artigo que estamos desenvolvendo), o bolsonarismo promoveu um nacionalismo falso e tóxico, que se esconde sob um discurso patriótico:

Discurso: “Brasil acima de tudo” → Prática: submissão aos EUA de Trump.

Discurso: “Defesa da pátria” → Prática: entrega do pré-sal, privatizações e destruição da indústria nacional.

Discurso: “Deus acima de todos” → Prática: uso da religião para justificar ódio, armas e negacionismo.

O verdadeiro patriotismo brasileiro:

Respeita a diversidade cultural, religiosa e social do país.

Defende a soberania energética, alimentar, científica e ambiental.

Luta por um Brasil autônomo, democrático e justo no cenário internacional.

Resumo esquemático

Dimensão

Patriotismo

Nacionalismo

Base emocional

Amor à pátria e ao povo

Orgulho (frequentemente exagerado) da nação

Inclusão

Integrador e plural

Excludente e homogêneo

Política

Compromisso democrático e social

Instrumento de autoritarismo e supremacia

Relação com o outro

Cooperação com soberania

Conflito, rivalidade e xenofobia

Uso de símbolos

Enraizado no povo e na história

Manipulado por elites e grupos autoritários

Ideologia

Pode ser progressista

Frequentemente reacionário e conservador

 6. Conclusão: bandeira na mão, povo no centro

Chegou a hora de dizer com clareza: não entregaremos mais a bandeira do Brasil à mentira, à violência simbólica e ao golpismo. A bandeira é nossa. O hino é nosso. A pátria é o povo.

E um povo só é livre quando é soberano, consciente de sua história e dono do seu destino.

Referências

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Formação do Império Americano. Civilização Brasileira, 2005.

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Quinhentos Anos de Periferia. L&PM, 1999.

DARCY RIBEIRO. O Povo Brasileiro. Companhia das Letras, 1995.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Bertrand Brasil, 1989.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo. Cortez, 2006.

 


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