O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu uma
entrevista exclusiva à Christiane Amanpour, da CNN Internacional, nesta quinta-feira (17), e comentou a ameaça do líder
americano Donald Trump de impor 50% de taxas aos produtos brasileiros
Amanpour:
Bom, isso é bom, porque quero começar te perguntando: como é ser atingido por
uma tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos, a maior economia
do mundo?
Lula: Bem, Christiane, para mim foi uma surpresa — não só o valor dessa tarifa, mas também a forma como ela foi anunciada. Acho que está faltando um pouco de multilateralismo na mentalidade do presidente Trump, e ele sabe que um problema desse tipo se resolve à mesa de negociação.
O que
aconteceu foi o seguinte: já estávamos negociando com os EUA há alguns meses.
Meu ministro das Relações Exteriores, o vice-presidente da República, que
também é ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comércio, estavam todos em
tratativas. Desde março, enviamos uma proposta ao governo dos EUA. Depois de
dez reuniões, mandamos uma proposta no dia 7 de maio dizendo o que queríamos e
quais eram os pontos essenciais para chegarmos a um acordo.
Para
nossa surpresa, em vez de uma resposta à carta que enviamos, recebemos a
notícia publicada no site do presidente Trump. Não foi uma resposta oficial por
meios diplomáticos. Acho que foi um erro. Um grande erro, porque a carta do
presidente Trump está cheia de inverdades.
Primeiramente,
o sistema judiciário do Brasil é independente. O presidente da República não
pode interferir no Judiciário. Segundo, o déficit comercial — isso não é
verdade. Nos últimos 15 anos, os Estados Unidos tiveram um superávit de 410
bilhões de dólares em relação ao Brasil.
E
terceiro: se vamos cobrar um imposto alto no Brasil, isso é um problema do
governo brasileiro. Se eles não concordam, podemos estabelecer uma negociação.
É assim que o mundo funciona no multilateralismo. É assim que funciona o
comércio internacional e é assim que o Brasil atua.
O que
não pode acontecer é o presidente Trump esquecer que foi eleito para governar
os Estados Unidos, e não para ser imperador do mundo. Teria sido muito melhor
estabelecer uma negociação antes e, então, chegar a um possível acordo. Somos
dois países que têm relações muito boas há 200 anos. E ele está quebrando qualquer
protocolo, qualquer liturgia que deveria existir entre dois chefes de
Estado.
Foi
muito desagradável. Estamos tentando conversar com o pessoal de lá, mas também
estamos nos preparando para dar uma resposta. O que tenho dito publicamente é
que vamos usar todas as palavras que existem no dicionário para negociar. Mas,
se não conseguirmos chegar a um acordo, posso te assegurar que iremos à
Organização Mundial do Comércio, ou poderemos reunir um grupo de países para
reagir, ou ainda usar a lei de reciprocidade aprovada pelo Congresso Nacional.
É assim que vai funcionar.
Lamento
que dois países com uma relação extraordinária de 201 anos estejam brigando por
vias judiciais porque um presidente não respeita a soberania do outro.
Amanpour: Agora,
presidente, aparentemente o presidente Trump está dizendo que discorda da
investigação e do processo judicial contra seu antecessor, o ex-presidente Bolsonaro. Ele afirmou: "Isso não passa
de um ataque a um opositor político — algo que conheço bem. Já aconteceu comigo
dez vezes." Qual sua resposta a isso?
Lula: Minha
resposta é que o Judiciário no Brasil é independente. O presidente da República
não tem qualquer influência sobre o Supremo Tribunal Federal. Os juízes são
aprovados pelo Senado, tomam posse e atuam com independência para proteger a
nossa Constituição.
Bolsonaro
está sendo julgado não por ser meu opositor político — eu ganhei três eleições
nesse país. É importante lembrar que participei de cinco eleições, perdi três e
venci outras duas. Nunca, antes, alguém neste país havia tentado um golpe como
Bolsonaro tentou.
Ele
não está sendo julgado pessoalmente, e sim pelos atos que cometeu. Tentou
organizar um golpe. Planejou secretamente a morte do vice-presidente, de mim e
do presidente do STF. Só por isso, ele já deveria estar sendo julgado. E o
procurador-geral da República o denunciou. Acredito que ele será
condenado.
Christiane,
quero dizer algo ao povo americano: se Trump fosse brasileiro e fizesse o que
aconteceu no Capitólio, ele também estaria sendo julgado no Brasil e,
possivelmente, preso, pois teria violado a Constituição.
Amanpour: Devo
dizer que o ex-presidente Bolsonaro nega todas essas acusações. Mas, além
disso, seu filho, Eduardo Bolsonaro, que é deputado federal, tem
feito lobby nos Estados Unidos pedindo sanções — inclusive contra ministros do
Supremo. E agora Trump impõe sanções a todo o país, com essa tarifa de 50%. Os
aliados de Bolsonaro querem que você retire as acusações.
Lula: Em
primeiro lugar, não sou eu, presidente Lula, que está acusando Bolsonaro. Quem
está conduzindo isso é o Ministério Público, e quem vai decidir é o Supremo
Tribunal Federal.
É
importante lembrar, Christiane, que fui julgado pelos mesmos tribunais, pelo
mesmo STF. Nunca contestei o sistema. Simplesmente me preparei para a próxima
eleição, se perdesse uma. Ele sabia que ia perder a eleição. Mesmo preso, as
pesquisas mostravam que eu venceria. Agora, ele diz que a eleição foi roubada,
tentou um golpe de Estado e fugiu covardemente para os Estados Unidos. Nem
participou da minha posse.
Esse
é um país que merece respeito. E o presidente Trump precisa respeitar a
soberania do Brasil, do nosso Supremo Tribunal Federal, do Legislativo e do
Executivo, da mesma forma como respeito os EUA.
Essa
supertarifa também criará problemas para o consumidor americano, não apenas
para os brasileiros. Estou tentando resolver o problema por aqui, conversando
com empresários, produtores rurais, pescadores, sindicatos. Vamos encontrar uma
solução. E daremos uma resposta formal, diplomática — com carta oficial do
presidente do Brasil ao presidente Trump — para mostrar que respeito é algo
bom. E gosto de respeitar e ser respeitado.
Amanpour: Como
o senhor sabe, Trump já ameaçou tarifas de 50% sobre a China, depois recuou.
Fez o mesmo com a Colômbia, e eles cederam. Muitos países preferem não provocar
Trump com medo de consequências econômicas ainda piores. Qual é seu plano B
econômico se o senhor não ceder às exigências de Trump? Quem será o seu
mercado? Como o Brasil sobrevive?
Lula:
Christiane, se eu te disser minha estratégia, ela deixa de ser estratégia. Mas
posso te contar uma coisa: em dois anos e meio de mandato, abri 379 novos
mercados para produtos e serviços brasileiros. Viajei muito e estamos prestes a
fechar acordo com a União Europeia, com os países da ASEAN ((Associação das
Nações do Sudeste Asiático), com países da América Latina. Vamos falar com o
México e buscar novos parceiros comerciais.
Mas
continuamos reconhecendo a importância dos EUA para nós. Jamais imaginei brigar
com os EUA. Tive uma relação extraordinária com os presidentes Clinton, Bush,
Obama e Biden. E espero ter com Trump também.
O
importante é respeitar a soberania de cada país. Sobre desmatamento, o Brasil
leva as mudanças climáticas muito a sério. Reduzimos 50% do desmatamento na
Amazônia e meu compromisso é zerar até 2030. Espero que Trump venha à COP30, que será no coração da
Amazônia, para ver isso de perto. O que quero saber é: os líderes do mundo
estão levando a sério os alertas dos cientistas ou acham que é mentira?
Os
países ricos prometeram, em Copenhague, em 2009, criar um fundo de US$ 100
bilhões por ano para ajudar países pobres. Até agora, nada saiu disso. Hoje,
esse valor já deveria estar em US$ 1,3 trilhão.
Christiane,
minha vida política nasceu na negociação. Fui líder sindical, fiz greves,
assembleias, mas sempre resolvi tudo à mesa de negociação. É muito mais barato
negociar do que guerrear. Ninguém morre numa mesa de negociação. O Brasil é um
país de paz.
Amanpour: O
senhor fala como negociador. Trump também se diz um grande negociador. Mas
talvez vocês dois tenham ideologias diferentes demais. O senhor já disse que o
comércio com os EUA representa 1,7% do PIB do Brasil e que “podemos sobreviver
sem os EUA”. Acha que o Brasil e outros países — como os BRICS — vão criar
mercados independentes para se proteger contra sanções unilaterais?
Lula: Christiane,
vou ser direto: eu não sou um presidente progressista. Sou o presidente do
Brasil. Não vejo Trump como um presidente de extrema direita, vejo como o
presidente dos EUA, eleito pelo povo americano.
Não
importa se gosto ou não da ideologia dele. O que importa é que somos os dois
presidentes. O melhor seria nos sentarmos à mesa e conversar. Mas ele mostrou
que não quer, acha que pode fazer o que quiser com tarifas. Ninguém quer se
afastar dos EUA. O que queremos é liberdade comercial, não sermos reféns. Os
Brics não foram criados para brigar com ninguém, mas para discutir nossas
questões de forma igual e pacífica.
Foi
assim que buscamos a paz na Ucrânia, em Gaza, na África — especialmente no
Congo. O Brasil não participa de guerras. Queremos paz e negociação. Os EUA
precisam entender isso.
Amanpour: Por
fim, o que o senhor vai dizer à população brasileira? Isso já está sendo
chamado de pior crise entre EUA e Brasil em mais de uma década.
Lula: Sinceramente,
ainda não vejo como uma crise. Isso é parte da negociação — cada um fala o que
quer, e escuta o que precisa. Mas a relação entre nossos países não pode
continuar assim. Não sou imperador para tomar decisões e publicar em jornal.
Trump publicou uma carta com condições prévias para negociação. Achei que era
fake news — depois vi que era verdade.
O
Brasil vai dar a resposta certa, no momento certo. E no meu pronunciamento,
direi ao povo o que penso de tudo isso. O Brasil não gosta de confusão, gosta
de negociar com paz. É assim que ajo e é assim que todos os presidentes
deveriam agir. O Brasil é aliado histórico dos EUA, valoriza nossa relação
econômica, mas não aceita imposições. Aceitamos negociação, não imposição.
Amanpour: Presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, muito obrigada por estar conosco.
Lula: Obrigado, Christiane. E espero, sinceramente, que o presidente Trump reavalie sua posição.
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