Guerra na Ucrânia: a quem interessa o conflito?
Os bastidores da política externa dos EUA e a submissão da Europa
Por Luis Moreira de Oliveira Filho
“A guerra é a continuação da política por outros meios.” –
Carl von Clausewitz
Vivemos uma era de guerras encobertas por discursos
democráticos e promessas de paz. A guerra na Ucrânia, travada com sangue
europeu e armamento norte-americano, talvez seja o maior exemplo daquilo que o
analista Brian Berletic chama de “guerra por procuração”. Em entrevista ao
jornalista Glenn Greenwald, Berletic desconstrói os discursos oficiais que
cercam o conflito e revela os bastidores de uma política externa imperialista,
que se traveste de diplomacia, mas age pela força, pela sabotagem e pelo domínio.
A promessa de Trump: o fim das guerras ou sua renovação
estratégica?
Donald Trump venceu as eleições 2024 nos Estados Unidos
prometendo restaurar a economia e encerrar os conflitos militares no exterior.
Sob o lema "America First", a retórica sugeria que os EUA deixariam
de agir como “polícia do mundo”. Mas o que se viu, na prática, foi a
redefinição de uma agenda de dominação global sob novas bases.
Segundo Berletic, a ideia de "America First" não
era uma ruptura com a lógica imperial, era, ao contrário, a tentativa de
torná-la mais “sustentável”, exigindo que os aliados pagassem mais por sua
própria “segurança”. A Europa, por exemplo, passou a ser pressionada a aumentar
seus gastos com defesa e assumir a linha de frente da guerra contra a Rússia,
liberando os EUA para focar sua atenção no Irã e na China.
A falsa neutralidade e o "congelamento estratégico"
Ainda durante a campanha, o vice de Trump, J.D. Vance,
afirmava que não se deveriam enviar armas à Ucrânia porque elas seriam
necessárias para um confronto futuro com a China. E quando questionado sobre a
Ucrânia, a resposta foi clara: “Vamos congelar o conflito”. Ou seja, não se
tratava de encerrar a guerra, mas de transformá-la num conflito congelado, à
semelhança do que ocorreu na Síria, útil geopoliticamente, mas devastador para
o povo local.
Divisão de tarefas e a engenharia da guerra
Documentos produzidos por think tanks ligados ao Partido
Republicano e ao delineavam uma estratégia chamada “sequenciamento estratégico”.
O plano previa a divisão de tarefas entre os aliados da OTAN: a Europa arcaria
com os custos da guerra contra a Rússia via Ucrânia, enquanto os EUA poderiam
redirecionar esforços para conter o crescimento chinês e enfraquecer o Irã.
Peter Pete Hegseth , então secretário de Defesa, chegou
a declarar que os países europeus deveriam investir 5% do PIB em gastos
militares. Berletic comenta que, ao aceitar essa imposição, a Europa comete um
suicídio político e econômico. A guerra não é de seu interesse, e a Rússia
tampouco representa uma ameaça direta.
A Ucrânia como aríete geopolítico
A guerra na Ucrânia não é, como frequentemente se diz, um
conflito entre vizinhos ou fruto de um mal-entendido entre Ocidente e Oriente.
Ela foi deliberadamente planejada como uma guerra por procuração dos EUA contra
a Rússia. Desde 2014, com o golpe que derrubou o governo eleito em Kiev, a CIA
passou a controlar setores-chave da Ucrânia, inclusive as agências militar e de
inteligência.
O surgimento de grupos como o Batalhão Azov e o SBU,
responsáveis por ataques dentro da Rússia, foi fomentado com apoio direto dos
EUA, segundo Berletic. Até o New York Times confirmou que generais
norte-americanos atuam no topo da cadeia de comando ucraniana.
A Europa capturada: o império dentro do continente
Berletic se mostra perplexo com a submissão europeia. Mesmo
sabendo que a guerra devastaria o continente e tornaria a Ucrânia irrelevante, não
há oposição política significativa na Europa. A imprensa, os partidos e os
governos caminham lado a lado com Washington, mesmo que os próprios americanos
comecem a se distanciar da guerra.
Essa captura não é nova. O coronel Lawrence Wilkerson,
ex-assessor de Colin Powell, revelou que, no início dos anos 2000, havia
quadros brancos na Casa Branca com o nome de todos os políticos europeus,
listados conforme sua utilidade para os interesses dos EUA.
Engano estratégico e falsas negociações
Berletic denuncia que todas as negociações com a Rússia, como
as discussões sobre neutralidade ucraniana ou concessões territoriais, foram
enganações calculadas. O objetivo era apenas ganhar tempo. O mesmo se deu com o
Irã: enquanto os EUA fingiam negociar, já preparavam ataques militares. E o
mesmo ocorreu com os Acordos de Minsk, que jamais buscaram uma solução real
para o conflito no Donbass.
Na Síria, os EUA chegaram a retirar grupos afiliados à
Al-Qaeda da lista de organizações terroristas, com o objetivo de utilizá-los
como peças no tabuleiro contra o governo de Bashar al-Assad e contra o Irã.
Tudo faz parte de uma agenda de longa duração, que atravessa governos
democratas e republicanos.
Entre ilusões e hegemonia
A política externa dos EUA, segundo Berletic, opera sob a
lógica da hegemonia a qualquer custo. Enquanto isso, a polarização interna
entre democratas e republicanos serve para distrair a opinião pública. A
verdade é que ambos os partidos seguem a mesma agenda geoestratégica, com
variações cosméticas de linguagem e método.
O que está em jogo não é apenas a guerra na Ucrânia, mas o
futuro da ordem internacional: a contenção da China, o enfraquecimento do Irã,
o cerco à Rússia — e, talvez no futuro-presente, o Brasil na América do Sul.
Conclusão: por trás das promessas, o império
Ao final da conversa, Glenn Greenwald destaca sua surpresa
com a facilidade com que os EUA capturaram a Europa e a Ucrânia. A crítica é
contundente: os EUA decidem quem governa, o que deve ser feito, quem deve ser
derrubado. A promessa de paz é sempre uma cortina de fumaça para preparar a
próxima guerra. O discurso muda, mas a agenda permanece. A guerra na Ucrânia é mais
uma peça nesse quebra-cabeça de dominação global.
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