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quarta-feira, 16 de julho de 2025

Guerra na Ucrânia: a quem interessa o conflito?


 Guerra na Ucrânia: a quem interessa o conflito?

Os bastidores da política externa dos EUA e a submissão da Europa
Por Luis Moreira de Oliveira Filho

“A guerra é a continuação da política por outros meios.” – Carl von Clausewitz

Vivemos uma era de guerras encobertas por discursos democráticos e promessas de paz. A guerra na Ucrânia, travada com sangue europeu e armamento norte-americano, talvez seja o maior exemplo daquilo que o analista Brian Berletic chama de “guerra por procuração”. Em entrevista ao jornalista Glenn Greenwald, Berletic desconstrói os discursos oficiais que cercam o conflito e revela os bastidores de uma política externa imperialista, que se traveste de diplomacia, mas age pela força, pela sabotagem e pelo domínio.


A promessa de Trump: o fim das guerras ou sua renovação estratégica?

Donald Trump venceu as eleições 2024 nos Estados Unidos prometendo restaurar a economia e encerrar os conflitos militares no exterior. Sob o lema "America First", a retórica sugeria que os EUA deixariam de agir como “polícia do mundo”. Mas o que se viu, na prática, foi a redefinição de uma agenda de dominação global sob novas bases.

Segundo Berletic, a ideia de "America First" não era uma ruptura com a lógica imperial, era, ao contrário, a tentativa de torná-la mais “sustentável”, exigindo que os aliados pagassem mais por sua própria “segurança”. A Europa, por exemplo, passou a ser pressionada a aumentar seus gastos com defesa e assumir a linha de frente da guerra contra a Rússia, liberando os EUA para focar sua atenção no Irã e na China.

A falsa neutralidade e o "congelamento estratégico"

Ainda durante a campanha, o vice de Trump, J.D. Vance, afirmava que não se deveriam enviar armas à Ucrânia porque elas seriam necessárias para um confronto futuro com a China. E quando questionado sobre a Ucrânia, a resposta foi clara: “Vamos congelar o conflito”. Ou seja, não se tratava de encerrar a guerra, mas de transformá-la num conflito congelado, à semelhança do que ocorreu na Síria, útil geopoliticamente, mas devastador para o povo local.

Divisão de tarefas e a engenharia da guerra

Documentos produzidos por think tanks ligados ao Partido Republicano e ao delineavam uma estratégia chamada “sequenciamento estratégico”. O plano previa a divisão de tarefas entre os aliados da OTAN: a Europa arcaria com os custos da guerra contra a Rússia via Ucrânia, enquanto os EUA poderiam redirecionar esforços para conter o crescimento chinês e enfraquecer o Irã.

Peter Pete Hegseth , então secretário de Defesa, chegou a declarar que os países europeus deveriam investir 5% do PIB em gastos militares. Berletic comenta que, ao aceitar essa imposição, a Europa comete um suicídio político e econômico. A guerra não é de seu interesse, e a Rússia tampouco representa uma ameaça direta.

A Ucrânia como aríete geopolítico

A guerra na Ucrânia não é, como frequentemente se diz, um conflito entre vizinhos ou fruto de um mal-entendido entre Ocidente e Oriente. Ela foi deliberadamente planejada como uma guerra por procuração dos EUA contra a Rússia. Desde 2014, com o golpe que derrubou o governo eleito em Kiev, a CIA passou a controlar setores-chave da Ucrânia, inclusive as agências militar e de inteligência.

O surgimento de grupos como o Batalhão Azov e o SBU, responsáveis por ataques dentro da Rússia, foi fomentado com apoio direto dos EUA, segundo Berletic. Até o New York Times confirmou que generais norte-americanos atuam no topo da cadeia de comando ucraniana.

A Europa capturada: o império dentro do continente

Berletic se mostra perplexo com a submissão europeia. Mesmo sabendo que a guerra devastaria o continente e tornaria a Ucrânia irrelevante, não há oposição política significativa na Europa. A imprensa, os partidos e os governos caminham lado a lado com Washington, mesmo que os próprios americanos comecem a se distanciar da guerra.

Essa captura não é nova. O coronel Lawrence Wilkerson, ex-assessor de Colin Powell, revelou que, no início dos anos 2000, havia quadros brancos na Casa Branca com o nome de todos os políticos europeus, listados conforme sua utilidade para os interesses dos EUA.

Engano estratégico e falsas negociações

Berletic denuncia que todas as negociações com a Rússia, como as discussões sobre neutralidade ucraniana ou concessões territoriais, foram enganações calculadas. O objetivo era apenas ganhar tempo. O mesmo se deu com o Irã: enquanto os EUA fingiam negociar, já preparavam ataques militares. E o mesmo ocorreu com os Acordos de Minsk, que jamais buscaram uma solução real para o conflito no Donbass.

Na Síria, os EUA chegaram a retirar grupos afiliados à Al-Qaeda da lista de organizações terroristas, com o objetivo de utilizá-los como peças no tabuleiro contra o governo de Bashar al-Assad e contra o Irã. Tudo faz parte de uma agenda de longa duração, que atravessa governos democratas e republicanos.

Entre ilusões e hegemonia

A política externa dos EUA, segundo Berletic, opera sob a lógica da hegemonia a qualquer custo. Enquanto isso, a polarização interna entre democratas e republicanos serve para distrair a opinião pública. A verdade é que ambos os partidos seguem a mesma agenda geoestratégica, com variações cosméticas de linguagem e método.

O que está em jogo não é apenas a guerra na Ucrânia, mas o futuro da ordem internacional: a contenção da China, o enfraquecimento do Irã, o cerco à Rússia — e, talvez no futuro-presente, o Brasil na América do Sul.

Conclusão: por trás das promessas, o império

Ao final da conversa, Glenn Greenwald destaca sua surpresa com a facilidade com que os EUA capturaram a Europa e a Ucrânia. A crítica é contundente: os EUA decidem quem governa, o que deve ser feito, quem deve ser derrubado. A promessa de paz é sempre uma cortina de fumaça para preparar a próxima guerra. O discurso muda, mas a agenda permanece. A guerra na Ucrânia é mais uma peça nesse quebra-cabeça de dominação global.


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