A Guerra Fragmentada do Império (EUA): resistência multipolar e a lógica da primazia global
Subtítulo:
a disputa entre potências oculta um projeto global de dominação unipolar. EUA, OTAN e seus satélites operam uma guerra
estratégica contra a China, Rússia e Irã, não por democracia, mas por
hegemonia.
Introdução
Estamos
vivendo uma guerra mundial em câmera lenta. Diferente dos grandes conflitos do
século XX, o que se desenha no início do século XXI é uma guerra fragmentada,
indireta, travada em diversas frentes e através de múltiplos instrumentos:
sanções econômicas, golpes de Estado, sabotagem midiática, lawfare, cercos
tecnológicos e operações militares por procuração. No centro desse conflito
está a tentativa dos Estados Unidos de manter sua primazia global frente à emergência
de um mundo multipolar.
A lógica da dominação imperial
A política externa dos EUA, desde o fim da Guerra Fria, jamais aceitou plenamente a ideia de um mundo multipolar. Como apontou Zbigniew Brzezinski em The Grand Chessboard (1997), o controle da Eurásia é vital para a hegemonia global norte-americana. É neste contexto que se inscrevem os conflitos com Rússia, China e Irã — três potências que desafiam, cada uma à sua maneira, a lógica do império.
A
Rússia, cercada pela OTAN e desgastada pela guerra de atrito na Ucrânia, atua
como linha de frente no flanco europeu. A China, por sua vez, representa uma
ameaça mais profunda: não apenas desafia o domínio econômico dos EUA, mas
apresenta um modelo alternativo de desenvolvimento e cooperação internacional
(como a Iniciativa do Cinturão e Rota). Já o Irã, há décadas alvo de sanções,
sabotagens e tentativas de isolamento, demonstra surpreendente capacidade de
resiliência e avanço tecnológico, principalmente com o apoio direto da China e
da Rússia.
Cercos e coalizões: coesão negativa
vs. coesão positiva
O
Ocidente liderado pelos EUA opera com uma coesão negativa, baseada na exclusão,
na imposição de sanções, no bloqueio tecnológico e no uso da força. Já a China,
em aliança com países do Sul Global, promove uma coesão positiva, por meio de
investimentos, acordos de infraestrutura, cooperação energética e defesa compartilhada.
Um
exemplo emblemático é a recente capacidade do Irã de sustentar uma guerra de
doze dias sem recorrer a apoio externo imediato, um feito impensável anos
atrás. Isso se deve, em parte, à autonomia tecnológica e ao suporte estratégico
de Pequim e Moscou. Além disso, a Rússia já declarou apoio ao desenvolvimento
do programa nuclear iraniano para fins pacíficos, o que intensifica a tensão
com Israel e seus aliados ocidentais.
Sequenciamento estratégico e a divisão
imperial do mundo
Diante
das limitações internas e externas, os EUA adotam uma estratégia de sequenciamento
de guerras e divisão de tarefas entre seus aliados. A Europa e a OTAN ficam
encarregadas de conter a Rússia. Israel e países do Golfo enfrentam o Irã. E os
EUA se concentram no principal eixo de contenção: a China.
Essa
fragmentação das frentes de batalha permite a manutenção do foco imperial sem o
esgotamento logístico de guerras simultâneas. Como lembra o professor John
Mearsheimer (Universidade de Chicago), o império norte-americano está em um
dilema estrutural: precisa conter os rivais, mas não pode guerrear com todos ao
mesmo tempo.
O real objetivo: mudança de regime e
subordinação total
Não
se trata do programa nuclear do Irã, da “ameaça russa” ou da “agressividade
chinesa”. Trata-se de mudança de regime. O objetivo dos EUA é desestabilizar
governos soberanos e instalar administrações servis, países clientes, como eram
as antigas províncias do Império Romano. Esta estratégia também é aplicada ao
Brasil e outras nações do Sul Global que tentam afirmar alguma soberania
econômica, energética ou ambiental.
Por
isso, os EUA não querem apenas conter Rússia, China e Irã. Querem subordiná-los,
controlá-los e, se possível, capturá-los politicamente.
Escalada e rearmamento global
Os
sinais de escalada estão por toda parte: a OTAN avança na Ucrânia; os EUA
sinalizam a possibilidade de ataques às instalações nucleares do Irã; Taiwan
vira epicentro das tensões sino-americanas. E todos os grandes atores estão se
rearmando.
A
China reabastece o Irã com mísseis e sistemas de defesa aérea. A Rússia acelera
sua produção de armamentos. O Irã desenvolve tecnologias próprias. Os EUA
tentam reativar sua capacidade industrial-militar, hoje aquém da necessária
para três frentes de guerra simultâneas.
Conclusão: resistir ou submeter-se
O que
estamos assistindo não são conflitos isolados. São partes de um tabuleiro
global articulado, com um único objetivo: manter a primazia dos EUA e impedir o
surgimento de um sistema multipolar mais justo e equilibrado.
Diante
disso, é essencial que analistas, governos e povos abandonem as narrativas
simplistas e percebam o que está em jogo. A integração estratégica entre China,
Rússia e Irã não é um mero “eixo do mal”. É uma resposta racional e soberana à
ofensiva imperial. E quem ignorar essa realidade, corre o risco de ser engolido
pela lógica dos vassalos modernos, onde independência e soberania são apenas
palavras vazias, ditas em cerimônias formais, mas decididas em Washington
Referências
BRZEZINSKI, Zbigniew. O grande tabuleiro mundial:
a supremacia americana e seus imperativos geoestratégicos. Rio de Janeiro:
Campus, 1998.
CHOMSKY, Noam; PRASHAD, Vijay. A retirada: Iraque,
Líbia, Afeganistão e a fragilidade do poder dos EUA. São Paulo: Expressão
Popular, 2023.
KHANNA, Parag. O futuro é asiático: o que o novo
mapa da civilização global revela sobre o próximo século. São Paulo:
Intrínseca, 2021.
KISSINGER, Henry. Ordem mundial. São Paulo:
Objetiva, 2016.
MEARSHEIMER, John J. A tragédia da política das
grandes potências. São Paulo: Martins Fontes, 2022.
WANG, Wen. The Logic of China's Global Strategy.
Beijing: New World Press, 202
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