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sexta-feira, 18 de julho de 2025

A Guerra Fragmentada do Império (EUA): resistência multipolar e a lógica da primazia global

 A Guerra Fragmentada do Império (EUA): resistência multipolar e a lógica da primazia global

Subtítulo: a disputa entre potências oculta um projeto global de dominação unipolar.  EUA, OTAN e seus satélites operam uma guerra estratégica contra a China, Rússia e Irã, não por democracia, mas por hegemonia.

Introdução

Estamos vivendo uma guerra mundial em câmera lenta. Diferente dos grandes conflitos do século XX, o que se desenha no início do século XXI é uma guerra fragmentada, indireta, travada em diversas frentes e através de múltiplos instrumentos: sanções econômicas, golpes de Estado, sabotagem midiática, lawfare, cercos tecnológicos e operações militares por procuração. No centro desse conflito está a tentativa dos Estados Unidos de manter sua primazia global frente à emergência de um mundo multipolar.

A lógica da dominação imperial

A política externa dos EUA, desde o fim da Guerra Fria, jamais aceitou plenamente a ideia de um mundo multipolar. Como apontou Zbigniew Brzezinski em The Grand Chessboard (1997), o controle da Eurásia é vital para a hegemonia global norte-americana. É neste contexto que se inscrevem os conflitos com Rússia, China e Irã — três potências que desafiam, cada uma à sua maneira, a lógica do império.

A Rússia, cercada pela OTAN e desgastada pela guerra de atrito na Ucrânia, atua como linha de frente no flanco europeu. A China, por sua vez, representa uma ameaça mais profunda: não apenas desafia o domínio econômico dos EUA, mas apresenta um modelo alternativo de desenvolvimento e cooperação internacional (como a Iniciativa do Cinturão e Rota). Já o Irã, há décadas alvo de sanções, sabotagens e tentativas de isolamento, demonstra surpreendente capacidade de resiliência e avanço tecnológico, principalmente com o apoio direto da China e da Rússia.

Cercos e coalizões: coesão negativa vs. coesão positiva

O Ocidente liderado pelos EUA opera com uma coesão negativa, baseada na exclusão, na imposição de sanções, no bloqueio tecnológico e no uso da força. Já a China, em aliança com países do Sul Global, promove uma coesão positiva, por meio de investimentos, acordos de infraestrutura, cooperação energética e defesa compartilhada.

Um exemplo emblemático é a recente capacidade do Irã de sustentar uma guerra de doze dias sem recorrer a apoio externo imediato, um feito impensável anos atrás. Isso se deve, em parte, à autonomia tecnológica e ao suporte estratégico de Pequim e Moscou. Além disso, a Rússia já declarou apoio ao desenvolvimento do programa nuclear iraniano para fins pacíficos, o que intensifica a tensão com Israel e seus aliados ocidentais.

Sequenciamento estratégico e a divisão imperial do mundo

Diante das limitações internas e externas, os EUA adotam uma estratégia de sequenciamento de guerras e divisão de tarefas entre seus aliados. A Europa e a OTAN ficam encarregadas de conter a Rússia. Israel e países do Golfo enfrentam o Irã. E os EUA se concentram no principal eixo de contenção: a China.

Essa fragmentação das frentes de batalha permite a manutenção do foco imperial sem o esgotamento logístico de guerras simultâneas. Como lembra o professor John Mearsheimer (Universidade de Chicago), o império norte-americano está em um dilema estrutural: precisa conter os rivais, mas não pode guerrear com todos ao mesmo tempo.

O real objetivo: mudança de regime e subordinação total

Não se trata do programa nuclear do Irã, da “ameaça russa” ou da “agressividade chinesa”. Trata-se de mudança de regime. O objetivo dos EUA é desestabilizar governos soberanos e instalar administrações servis, países clientes, como eram as antigas províncias do Império Romano. Esta estratégia também é aplicada ao Brasil e outras nações do Sul Global que tentam afirmar alguma soberania econômica, energética ou ambiental.

Por isso, os EUA não querem apenas conter Rússia, China e Irã. Querem subordiná-los, controlá-los e, se possível, capturá-los politicamente.

Escalada e rearmamento global

Os sinais de escalada estão por toda parte: a OTAN avança na Ucrânia; os EUA sinalizam a possibilidade de ataques às instalações nucleares do Irã; Taiwan vira epicentro das tensões sino-americanas. E todos os grandes atores estão se rearmando.

A China reabastece o Irã com mísseis e sistemas de defesa aérea. A Rússia acelera sua produção de armamentos. O Irã desenvolve tecnologias próprias. Os EUA tentam reativar sua capacidade industrial-militar, hoje aquém da necessária para três frentes de guerra simultâneas.

Conclusão: resistir ou submeter-se

O que estamos assistindo não são conflitos isolados. São partes de um tabuleiro global articulado, com um único objetivo: manter a primazia dos EUA e impedir o surgimento de um sistema multipolar mais justo e equilibrado.

Diante disso, é essencial que analistas, governos e povos abandonem as narrativas simplistas e percebam o que está em jogo. A integração estratégica entre China, Rússia e Irã não é um mero “eixo do mal”. É uma resposta racional e soberana à ofensiva imperial. E quem ignorar essa realidade, corre o risco de ser engolido pela lógica dos vassalos modernos, onde independência e soberania são apenas palavras vazias, ditas em cerimônias formais, mas decididas em Washington

Referências

BRZEZINSKI, Zbigniew. O grande tabuleiro mundial: a supremacia americana e seus imperativos geoestratégicos. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

CHOMSKY, Noam; PRASHAD, Vijay. A retirada: Iraque, Líbia, Afeganistão e a fragilidade do poder dos EUA. São Paulo: Expressão Popular, 2023.

KHANNA, Parag. O futuro é asiático: o que o novo mapa da civilização global revela sobre o próximo século. São Paulo: Intrínseca, 2021.

KISSINGER, Henry. Ordem mundial. São Paulo: Objetiva, 2016.

MEARSHEIMER, John J. A tragédia da política das grandes potências. São Paulo: Martins Fontes, 2022.

WANG, Wen. The Logic of China's Global Strategy. Beijing: New World Press, 202

 

 


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