A seguir está uma análise de um
artigo escrito por Dmitri Trenin, um pensador russo que entrevistei neste canal
há 3 anos. Naquela época, Trenin avaliava que a guerra na Ucrânia era o início
de uma nova Guerra Fria. Desde então, ele revisou suas opiniões, argumentando
hoje que já estamos dentro da Terceira Guerra Mundial, embora nem todos os
teatros de guerra tenham se transformado em conflitos armados ainda. Mas,
segundo ele, a direção é bastante clara. Artigo de Trenin: https://profile.ru/politics/epoha-voj... Minha entrevista com Dmitri Trenin e Anatol Lieven há 3 anos: • It's an Existential Threat! | Dmitri Treni...
Para Trenin, o mundo já está em guerra, não uma guerra convencional, mas uma guerra estrutural, global e ideológica entre dois modelos de civilização:
ü O Ocidente, representado pelos EUA, UE, OTAN e seus
aliados, que ele acusa de querer destruir a Rússia e impedir a ascensão da
China.
ü O Oriente, representado por Rússia, China, Irã, Coreia do
Norte e aliados táticos, que segundo ele lutam por soberania, pluralismo
civilizacional e uma nova ordem mundial multipolar.
Principais características desta “guerra”:
Não é uma guerra tradicional: não começou com uma invasão formal ou
declaração, mas com um conjunto de ações encadeadas de desestabilização
econômica, guerra de narrativas, sabotagens, sanções, e conflitos por
procuração (proxy wars), como na Ucrânia.
Alvos estratégicos incluem a moral, economia e coesão social dos países
rivais, e não apenas posições militares ou territórios.
A Ucrânia é retratada como “apenas um peão” num xadrez maior, um teatro
de confronto direto entre Rússia e Europa Ocidental (com apoio da OTAN).
A guerra informacional e simbólica é central: Trenin denuncia o “controle da informação” no Ocidente e convoca a Rússia a “romper o escudo informacional ocidental”.
Proposta ideológica de Trenin:
ü Trenin parte de um diagnóstico (a guerra já começou e é
inevitável) para propor uma estratégia nacional russa:
ü Fortalecimento interno: mobilização econômica, tecnológica
e patriótica; combate ao declínio demográfico; justiça social.
ü Consolidação de alianças: reafirma Bielorrússia, Coreia do
Norte e busca por um parceiro no sul global (talvez o Brasil, Índia, África do
Sul?).
ü Dissuasão ativa, inclusive nuclear, caso necessário: “Se a
escalada for inevitável, devemos considerar ações preventivas, inclusive com
armas nucleares”.
ü Atuação política internacional ativa, inclusive
influenciando políticas internas de países rivais (algo que historicamente a
Rússia era mais cautelosa em fazer).
Significado global e implicações
Essa visão é claramente alinhada com o Kremlin e se insere numa lógica
de revanchismo histórico e geopolítico, com tons nacionalistas e
civilizacionais. Ela visa preparar a opinião pública russa e os aliados para
uma era de conflito estrutural prolongado com o Ocidente, similar ao
"Choque de Civilizações" de Huntington, mas sob uma ótica russa.
Riscos e alertas
Racionalização da violência extrema: assassinatos, ataques a civis,
sabotagens e uso potencial de armas nucleares são descritos como instrumentos
válidos nesta guerra difusa.
Escalada real: caso essa doutrina ganhe força entre setores decisórios
russos, há risco concreto de confrontos diretos entre potências nucleares,
principalmente se houver envolvimento mais direto da OTAN.
Fim do multilateralismo: a visão é a de um mundo polarizado, sem espaço
para mediação ou diplomacia real, apenas força, alianças estratégicas e
rupturas.
E o Brasil nisso tudo?
Trenin menciona Lula indiretamente (atribuindo a Biden uma fala sobre
“destruir a Rússia” dita a ele), o que reforça que o Sul Global pode ser uma
peça-chave nessa disputa. Países como o Brasil, com sua posição geoestratégica,
capacidade diplomática e recursos naturais, podem ser cortejados ou
pressionados por ambos os lados.
A resposta brasileira terá que:
ü Manter sua soberania e não se alinhar automaticamente a nenhum
bloco.
ü Defender a diplomacia multilateral, o direito internacional
e a paz.
ü Proteger sua própria infraestrutura crítica, soberania
digital, e independência energética, áreas vulneráveis num conflito global
híbrido.
A neutralidade brasileira está sob ataque direto e não é teoria da
conspiração
Líderes ocidentais já sugeriram represálias contra países
"neutros", caso não adotem uma postura alinhada à OTAN.
Em abril de 2024, o então secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg,
afirmou que:
“Países que comercializam com regimes autoritários, como Rússia, China
ou Irã, não podem esperar continuar se beneficiando das cadeias globais de
segurança e prosperidade sem consequências.”
Tradução geopolítica: "ou você está conosco, ou está contra
nós". Esse tipo de chantagem estratégica já foi praticado durante a Guerra
Fria e está voltando à mesa.
O Brasil depende fortemente do comércio com os dois lados do conflito
Dados do comércio exterior brasileiro em 2024 (Itamaraty / MDIC):
China: maior parceiro comercial do Brasil (US$ 104 bilhões).
União Europeia: segundo maior parceiro comercial.
EUA: terceiro maior.
Se o conflito escalar e as cadeias de fornecimento forem rompidas (como
já ocorre com chips, fertilizantes e energia), o Brasil será forçado a escolher ou
sofrerá retaliações comerciais e tecnológicas de ambos os lados.
O Brasil historicamente tentou a neutralidade, mas ela tem
limites
Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil resistiu à entrada no conflito até
que navios brasileiros foram afundados por submarinos nazistas, e pressões dos
EUA aumentaram. Resultado: enviamos a FEB à Itália em 1944.
A história mostra que a neutralidade é viável apenas até certo ponto.
Esta nova guerra não é apenas militar, mas comercial, digital,
informacional e energética
O Brasil pode ser forçado a aderir a sanções contra China ou Rússia
(algo que até agora tem resistido).
Plataformas tecnológicas e financeiras como SWIFT, Google, Meta, Amazon
Web Services, Microsoft, redes 5G podem ser vetores de pressão.
O agronegócio brasileiro, altamente dependente da China (soja, carne,
milho) e dos insumos russos (fertilizantes), pode ser paralisado ou manipulado
como arma geoeconômica.
O que fazer, então?
O Brasil precisa urgentemente:
✅ a) Reafirmar sua soberania com
clareza e firmeza
Como faz a Índia, por exemplo, mantendo sua política externa autônoma,
mesmo sob pressão dos EUA e da OTAN.
✅ b) Reforçar sua defesa
estratégica, tecnológica e energética, ciberdefesa, soberania energética e
alimentar. E manter relações bilaterais com o Sul Global (África, América do
Sul, ASEAN)
✅ c) Ampliar sua liderança
diplomática como mediador global:
Propor fóruns de paz e articulação Sul-Sul.
Reativar os BRICS como plataforma de contenção à guerra e
multipolaridade.
A China teria a obrigação (e a necessidade) de vetar qualquer coisa
contra o Brasil na ONU" – por quê?
✅ 1. Porque o Brasil é peça-chave
na geopolítica do Sul Global
O Brasil é o maior país da América Latina, com enorme peso geográfico,
político, populacional e econômico.
É membro dos BRICS, do G20 e uma ponte entre continentes e civilizações.
Neutralizar ou desestabilizar o Brasil enfraqueceria não só a América do
Sul, mas toda a arquitetura emergente de multipolaridade.
O Brasil é um potencial parceiro estratégico da China em energia,
alimentos, minérios, infraestrutura, tecnologia e política internacional.
Portanto, permitir sanções ou agressões contra o Brasil seria, para
Pequim, enfraquecer sua própria retaguarda no hemisfério ocidental.
Porque a China precisa romper o cerco ocidental e não pode perder
aliados
Os EUA e a OTAN estão construindo uma rede de contenção da China
(Indo-Pacífico).
O Brasil, assim como o Irã, a África do Sul e a Indonésia, representa um
bloco de apoio essencial fora da Ásia.
Se o Brasil sofrer sanções e a China não vetar, isso geraria
desconfiança entre os parceiros do Sul Global, enfraquecendo o bloco
alternativo.
Para manter a credibilidade de potência solidária, a China precisa
proteger seus aliados centrais, sobretudo no Conselho de Segurança da ONU.
Estou absolutamente certo em destacar a crise de legitimidade da ONU, e
esse é um dos grandes dramas geopolíticos contemporâneos. A contradição entre
os princípios da Carta da ONU e as ações unilaterais de potências como os EUA e
Israel corroeu profundamente a credibilidade das Nações Unidas como órgão
garantidor da paz e do direito internacional.
Vamos à análise.
A ONU está enfraquecida e não é de hoje
Desde os anos 1990, com a queda da URSS, os EUA passaram a atuar quase
como polícia global, usando a ONU quando lhes convinha e ignorando ou sabotando
quando era conveniente:
Iraque (2003): invasão baseada em mentiras (armas de destruição em
massa), feita sem autorização do Conselho de Segurança.
Líbia (2011): intervenção da OTAN que extrapolou o mandato da ONU e
levou ao caos total.
Síria: apoio a grupos armados, inclusive extremistas, à revelia do
governo soberano, com vetos a investigações independentes.
Venezuela, Cuba, Irã: sanções econômicas unilaterais, à margem da ONU,
violando o direito internacional.
Israel e Palestina: dezenas de resoluções da ONU condenando Israel
vetadas pelos EUA, enquanto genocídios e ocupações seguem impunes.
Resultado: a ONU virou um fórum impotente diante das armas e do veto dos
poderosos.
Israel é um caso extremo de impunidade
Desde 1948, Israel desrespeita sucessivamente resoluções da ONU (como as
242, 338, 2334), mantém ocupação ilegal de territórios e pratica apartheid
segundo a Anistia Internacional, Human Rights Watch e o próprio relator da ONU.
A guerra em Gaza desde outubro de 2023 mostrou o fracasso absoluto da
ONU em impedir ou mesmo moderar crimes de guerra, com mais de 40 mil mortos e
destruição completa da infraestrutura civil.
Os EUA, com apoio da Grã-Bretanha, vetaram todas as tentativas de
cessar-fogo, inclusive as apoiadas por Brasil, China, Rússia, África do Sul e
França.
O "direito internacional" virou um instrumento seletivo de
dominação
Quando serve ao Ocidente, é invocado contra Rússia, China, Irã,
Venezuela, Coreia do Norte, etc.
Quando não serve, é ignorado ou manipulado com eufemismos como
“intervenção humanitária”, “responsabilidade de proteger”, “ataques
cirúrgicos”.
Isso gerou uma percepção global de hipocrisia, especialmente entre os
países do Sul Global.
E agora? O que resta?
A ONU ainda é necessária como arena, mas sua autoridade moral está
colapsada. Isso exige:
✅ a) Criar novos fóruns
multilaterais com legitimidade
BRICS+ como alternativa econômica e política
CELAC, União Africana, ASEAN, G77 com mais autonomia
✅ b) Lutar por uma reforma do
Conselho de Segurança
Inclusão de países como Brasil, Índia, África do Sul
Fim do monopólio de veto dos 5 permanentes ou, ao menos, limitação do
veto em genocídios e agressões ilegais
✅ c) Articular um novo Direito
Internacional Popular
Baseado em soberania real, solidariedade entre povos, justiça climática,
autonomia civilizacional.
E o Brasil nesse cenário?
O Brasil deve:
Defender a legalidade internacional, mas denunciar sua
instrumentalização.
Se alinhar com países que respeitam a soberania mútua, como Rússia,
China, África do Sul, Bolívia, Irã.
Liderar a criação de uma nova ordem ética, multipolar e solidária,
baseada em direitos dos povos e não nos interesses dos impérios
Conclusão
A neutralidade brasileira será desafiada, e talvez impossível de manter.
E se constata isso na área geopolítica baseada em ameaças reais,
posicionamentos públicos e dependências estruturais.
O Brasil pode tentar manter uma postura de "não-alinhamento
ativo" (como proposto por Celso Amorim), mas terá que fazer escolhas
pragmáticas, corajosas e rápidas diante de um mundo que está se polarizando em
ritmo acelerado.
Por fim, tento desenvolver uma postura nacionalista, soberanista e
confrontativa, que ecoa sentimentos cada vez mais presentes em setores da
sociedade brasileira, principalmente diante do que muitos percebem como uma
hipocrisia ocidental, onde países do Norte global defendem a “ordem baseada em
regras” apenas quando lhes convém, enquanto usam sanções, chantagens e ameaças
para manter sua hegemonia.
Desta forma, é importante refletir e analisar este artigo do pesquisador
russo com seriedade e sob três dimensões: ética, estratégica e
jurídica.
Do ponto de vista estratégico, penso que o país precisa desenvolver
bomba nuclear: uma proposta arriscada e proibida, tendo em vista que Brasil é
signatário do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear) e do Tratado de
Tlatelolco, que proíbe armas nucleares na América Latina e Caribe, mas que o
Brasil assinou em momento de governo cliente dos EUA, vassalagem e sob é égide
do neoliberalismo
Então, o Brasil de Lula, o Brasil do povo brasileiro soberano precisa
romper com esses tratados e não pode entender como violação de compromissos
internacionais assumidos pelo país, quando os EUA e seus aliados estão
ameaçando a nossa soberania com sanções e guerras.
Além disso, o Brasil já tem tecnologia de enriquecimento de urânio e
domínio do ciclo do combustível nuclear. Isso o coloca como um país do
"limiar nuclear", sem precisar testar uma bomba para ser respeitado
como potência dissuasiva regional. O segredo é a ambiguidade estratégica, não a
ruptura declarada.
Apoiar Rússia e China? Sim, mas com inteligência diplomática, não como
satélite
Estou certo ao afirmar que nem Rússia nem China ameaçaram a soberania
brasileira. Pelo contrário:
A China investe maciçamente no Brasil (infraestrutura, energia,
tecnologia);
A Rússia forneceu fertilizantes em meio a sanções ocidentais;
Ambos apoiam o fortalecimento dos BRICS como alternativa ao G7/OTAN.
O Brasil deve se posicionar como pólo autônomo de um Sul Global
insurgente.
Preparar-se para o conflito? Sim, mas em múltiplos níveis, não só
militar
Preparar-se para um conflito sistêmico global não significa apenas
armamento, mas:
Soberania tecnológica e digital
Independência energética e alimentar
Resiliência cibernética
Alinhamento sul-sul em defesa mútua
Controle de seus recursos naturais estratégicos (como lítio, nióbio,
água, terras raras)
A bomba nuclear não resolve nenhum desses pontos, mas impõe respeito ao
mundo.
E a estratégia de longo prazo?
O Brasil deve buscar:
Multipolaridade real, não subordinada;
Reforma da ONU, do FMI e da governança global;
Integração latino-americana soberana, com ALBA, CELAC e UNASUL
repensadas;
Diplomacia da paz com garra, como a Índia faz, equilibrando interesses e
evitando submissão
O Brasil deve sim romper com o colonialismo do século XXI, mas com
sabedoria estratégica, não impulsividade bélica
Minha indignação diante desta desumanidade dos EUA e seus satélites é
justa e legítima. A elite globalista ocidental usa métodos coercitivos contra
países que tentam manter soberania.
Mas a resposta não pode ser imitar o comportamento imperial com a mesma
lógica bélica. A verdadeira revolução brasileira será construir um modelo de
potência soberana, pacífica, com capacidade de dissuasão e diplomacia ativa.
A ONU, como está, serve aos tanques, não aos tratados
O fracasso da ONU diante das guerras dos EUA e de Israel mostra que as
instituições criadas em 1945 não dão mais conta do mundo de hoje. Elas precisam
ser reformadas ou substituídas. E se os povos do Sul não se unirem, continuarão
sendo vítimas — não protagonistas — da história.
Estamos em guerra?
Trenin afirma que sim, já estamos, e que a guerra é total, psicológica,
política, militar, econômica e informacional.
Concordar ou não com isso exige cautela. Mas o que é inegável é que o
sistema internacional vive uma fase de transição acelerada, com riscos
crescentes de rupturas violentas, escaladas regionais e choques de valores.
O maior desafio será evitar que previsões como a de Trenin se tornem profecias autorrealizáveis. No entanto, diante destes país, o Brasil deve se preparar com estratégia e inteligência.
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