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quinta-feira, 17 de julho de 2025

🌍 Ponto central do pesquisador russo Trenin: a Terceira Guerra Mundial já começou

A seguir está uma análise de um artigo escrito por Dmitri Trenin, um pensador russo que entrevistei neste canal há 3 anos. Naquela época, Trenin avaliava que a guerra na Ucrânia era o início de uma nova Guerra Fria. Desde então, ele revisou suas opiniões, argumentando hoje que já estamos dentro da Terceira Guerra Mundial, embora nem todos os teatros de guerra tenham se transformado em conflitos armados ainda. Mas, segundo ele, a direção é bastante clara. Artigo de Trenin: https://profile.ru/politics/epoha-voj... Minha entrevista com Dmitri Trenin e Anatol Lieven há 3 anos:   https://www.gstatic.com/youtube/img/watch/yt_favicon_ringo2.png • It's an Existential Threat! | Dmitri Treni...  

Para Trenin, o mundo já está em guerra, não uma guerra convencional, mas uma guerra estrutural, global e ideológica entre dois modelos de civilização:

ü  O Ocidente, representado pelos EUA, UE, OTAN e seus aliados, que ele acusa de querer destruir a Rússia e impedir a ascensão da China.

ü  O Oriente, representado por Rússia, China, Irã, Coreia do Norte e aliados táticos, que segundo ele lutam por soberania, pluralismo civilizacional e uma nova ordem mundial multipolar.

Principais características desta “guerra”:

Não é uma guerra tradicional: não começou com uma invasão formal ou declaração, mas com um conjunto de ações encadeadas de desestabilização econômica, guerra de narrativas, sabotagens, sanções, e conflitos por procuração (proxy wars), como na Ucrânia.

Alvos estratégicos incluem a moral, economia e coesão social dos países rivais, e não apenas posições militares ou territórios.

A Ucrânia é retratada como “apenas um peão” num xadrez maior, um teatro de confronto direto entre Rússia e Europa Ocidental (com apoio da OTAN).

A guerra informacional e simbólica é central: Trenin denuncia o “controle da informação” no Ocidente e convoca a Rússia a “romper o escudo informacional ocidental”.

Proposta ideológica de Trenin:

ü  Trenin parte de um diagnóstico (a guerra já começou e é inevitável) para propor uma estratégia nacional russa:

ü  Fortalecimento interno: mobilização econômica, tecnológica e patriótica; combate ao declínio demográfico; justiça social.

ü  Consolidação de alianças: reafirma Bielorrússia, Coreia do Norte e busca por um parceiro no sul global (talvez o Brasil, Índia, África do Sul?).

ü  Dissuasão ativa, inclusive nuclear, caso necessário: “Se a escalada for inevitável, devemos considerar ações preventivas, inclusive com armas nucleares”.

ü  Atuação política internacional ativa, inclusive influenciando políticas internas de países rivais (algo que historicamente a Rússia era mais cautelosa em fazer).

Significado global e implicações

Essa visão é claramente alinhada com o Kremlin e se insere numa lógica de revanchismo histórico e geopolítico, com tons nacionalistas e civilizacionais. Ela visa preparar a opinião pública russa e os aliados para uma era de conflito estrutural prolongado com o Ocidente, similar ao "Choque de Civilizações" de Huntington, mas sob uma ótica russa.

Riscos e alertas

Racionalização da violência extrema: assassinatos, ataques a civis, sabotagens e uso potencial de armas nucleares são descritos como instrumentos válidos nesta guerra difusa.

Escalada real: caso essa doutrina ganhe força entre setores decisórios russos, há risco concreto de confrontos diretos entre potências nucleares, principalmente se houver envolvimento mais direto da OTAN.

Fim do multilateralismo: a visão é a de um mundo polarizado, sem espaço para mediação ou diplomacia real, apenas força, alianças estratégicas e rupturas.

E o Brasil nisso tudo?

Trenin menciona Lula indiretamente (atribuindo a Biden uma fala sobre “destruir a Rússia” dita a ele), o que reforça que o Sul Global pode ser uma peça-chave nessa disputa. Países como o Brasil, com sua posição geoestratégica, capacidade diplomática e recursos naturais, podem ser cortejados ou pressionados por ambos os lados.

A resposta brasileira terá que:

ü  Manter sua soberania e não se alinhar automaticamente a nenhum bloco.

ü  Defender a diplomacia multilateral, o direito internacional e a paz.

ü  Proteger sua própria infraestrutura crítica, soberania digital, e independência energética, áreas vulneráveis num conflito global híbrido.

A neutralidade brasileira está sob ataque direto e não é teoria da conspiração

Líderes ocidentais já sugeriram represálias contra países "neutros", caso não adotem uma postura alinhada à OTAN.

Em abril de 2024, o então secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, afirmou que:

“Países que comercializam com regimes autoritários, como Rússia, China ou Irã, não podem esperar continuar se beneficiando das cadeias globais de segurança e prosperidade sem consequências.”

Tradução geopolítica: "ou você está conosco, ou está contra nós". Esse tipo de chantagem estratégica já foi praticado durante a Guerra Fria e está voltando à mesa.

O Brasil depende fortemente do comércio com os dois lados do conflito

Dados do comércio exterior brasileiro em 2024 (Itamaraty / MDIC):

China: maior parceiro comercial do Brasil (US$ 104 bilhões).

União Europeia: segundo maior parceiro comercial.

EUA: terceiro maior.

Se o conflito escalar e as cadeias de fornecimento forem rompidas (como já ocorre com chips, fertilizantes e energia), o Brasil será forçado a escolher  ou sofrerá retaliações comerciais e tecnológicas de ambos os lados.

O Brasil historicamente tentou a neutralidade,  mas ela tem limites

Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil resistiu à entrada no conflito até que navios brasileiros foram afundados por submarinos nazistas, e pressões dos EUA aumentaram. Resultado: enviamos a FEB à Itália em 1944.

A história mostra que a neutralidade é viável apenas até certo ponto.

Esta nova guerra não é apenas militar, mas comercial, digital, informacional e energética

O Brasil pode ser forçado a aderir a sanções contra China ou Rússia (algo que até agora tem resistido).

Plataformas tecnológicas e financeiras como SWIFT, Google, Meta, Amazon Web Services, Microsoft, redes 5G podem ser vetores de pressão.

O agronegócio brasileiro, altamente dependente da China (soja, carne, milho) e dos insumos russos (fertilizantes), pode ser paralisado ou manipulado como arma geoeconômica.

O que fazer, então?

O Brasil precisa urgentemente:

 a) Reafirmar sua soberania com clareza e firmeza

Como faz a Índia, por exemplo, mantendo sua política externa autônoma, mesmo sob pressão dos EUA e da OTAN.

 b) Reforçar sua defesa estratégica, tecnológica e energética, ciberdefesa, soberania energética e alimentar. E manter relações bilaterais com o Sul Global (África, América do Sul, ASEAN)

 c) Ampliar sua liderança diplomática como mediador global:

Propor fóruns de paz e articulação Sul-Sul.

Reativar os BRICS como plataforma de contenção à guerra e multipolaridade.

A China teria a obrigação (e a necessidade) de vetar qualquer coisa contra o Brasil na ONU" – por quê?

 1. Porque o Brasil é peça-chave na geopolítica do Sul Global

O Brasil é o maior país da América Latina, com enorme peso geográfico, político, populacional e econômico.

É membro dos BRICS, do G20 e uma ponte entre continentes e civilizações.

Neutralizar ou desestabilizar o Brasil enfraqueceria não só a América do Sul, mas toda a arquitetura emergente de multipolaridade.

O Brasil é um potencial parceiro estratégico da China em energia, alimentos, minérios, infraestrutura, tecnologia e política internacional.

Portanto, permitir sanções ou agressões contra o Brasil seria, para Pequim, enfraquecer sua própria retaguarda no hemisfério ocidental.

Porque a China precisa romper o cerco ocidental e não pode perder aliados

Os EUA e a OTAN estão construindo uma rede de contenção da China (Indo-Pacífico).

O Brasil, assim como o Irã, a África do Sul e a Indonésia, representa um bloco de apoio essencial fora da Ásia.

Se o Brasil sofrer sanções e a China não vetar, isso geraria desconfiança entre os parceiros do Sul Global, enfraquecendo o bloco alternativo.

Para manter a credibilidade de potência solidária, a China precisa proteger seus aliados centrais, sobretudo no Conselho de Segurança da ONU.

Estou absolutamente certo em destacar a crise de legitimidade da ONU, e esse é um dos grandes dramas geopolíticos contemporâneos. A contradição entre os princípios da Carta da ONU e as ações unilaterais de potências como os EUA e Israel corroeu profundamente a credibilidade das Nações Unidas como órgão garantidor da paz e do direito internacional.

Vamos à análise.

A ONU está enfraquecida e não é de hoje

Desde os anos 1990, com a queda da URSS, os EUA passaram a atuar quase como polícia global, usando a ONU quando lhes convinha e ignorando ou sabotando quando era conveniente:

Iraque (2003): invasão baseada em mentiras (armas de destruição em massa), feita sem autorização do Conselho de Segurança.

Líbia (2011): intervenção da OTAN que extrapolou o mandato da ONU e levou ao caos total.

Síria: apoio a grupos armados, inclusive extremistas, à revelia do governo soberano, com vetos a investigações independentes.

Venezuela, Cuba, Irã: sanções econômicas unilaterais, à margem da ONU, violando o direito internacional.

Israel e Palestina: dezenas de resoluções da ONU condenando Israel vetadas pelos EUA, enquanto genocídios e ocupações seguem impunes.

Resultado: a ONU virou um fórum impotente diante das armas e do veto dos poderosos.

Israel é um caso extremo de impunidade

Desde 1948, Israel desrespeita sucessivamente resoluções da ONU (como as 242, 338, 2334), mantém ocupação ilegal de territórios e pratica apartheid segundo a Anistia Internacional, Human Rights Watch e o próprio relator da ONU.

A guerra em Gaza desde outubro de 2023 mostrou o fracasso absoluto da ONU em impedir ou mesmo moderar crimes de guerra, com mais de 40 mil mortos e destruição completa da infraestrutura civil.

Os EUA, com apoio da Grã-Bretanha, vetaram todas as tentativas de cessar-fogo, inclusive as apoiadas por Brasil, China, Rússia, África do Sul e França.

O "direito internacional" virou um instrumento seletivo de dominação

Quando serve ao Ocidente, é invocado contra Rússia, China, Irã, Venezuela, Coreia do Norte, etc.

Quando não serve, é ignorado ou manipulado com eufemismos como “intervenção humanitária”, “responsabilidade de proteger”, “ataques cirúrgicos”.

Isso gerou uma percepção global de hipocrisia, especialmente entre os países do Sul Global.

E agora? O que resta?

A ONU ainda é necessária como arena, mas sua autoridade moral está colapsada. Isso exige:

 a) Criar novos fóruns multilaterais com legitimidade

BRICS+ como alternativa econômica e política

CELAC, União Africana, ASEAN, G77 com mais autonomia

 b) Lutar por uma reforma do Conselho de Segurança

Inclusão de países como Brasil, Índia, África do Sul

Fim do monopólio de veto dos 5 permanentes ou, ao menos, limitação do veto em genocídios e agressões ilegais

 c) Articular um novo Direito Internacional Popular

Baseado em soberania real, solidariedade entre povos, justiça climática, autonomia civilizacional.

E o Brasil nesse cenário?

O Brasil deve:

Defender a legalidade internacional, mas denunciar sua instrumentalização.

Se alinhar com países que respeitam a soberania mútua, como Rússia, China, África do Sul, Bolívia, Irã.

Liderar a criação de uma nova ordem ética, multipolar e solidária, baseada em direitos dos povos e não nos interesses dos impérios

Conclusão

A neutralidade brasileira será desafiada, e talvez impossível de manter. E se constata isso na área geopolítica baseada em ameaças reais, posicionamentos públicos e dependências estruturais.

O Brasil pode tentar manter uma postura de "não-alinhamento ativo" (como proposto por Celso Amorim), mas terá que fazer escolhas pragmáticas, corajosas e rápidas diante de um mundo que está se polarizando em ritmo acelerado.

Por fim, tento desenvolver uma postura nacionalista, soberanista e confrontativa, que ecoa sentimentos cada vez mais presentes em setores da sociedade brasileira, principalmente diante do que muitos percebem como uma hipocrisia ocidental, onde países do Norte global defendem a “ordem baseada em regras” apenas quando lhes convém, enquanto usam sanções, chantagens e ameaças para manter sua hegemonia.

Desta forma, é importante refletir e analisar este artigo do pesquisador russo  com seriedade e sob três dimensões: ética, estratégica e jurídica.

Do ponto de vista estratégico, penso que o país precisa desenvolver bomba nuclear: uma proposta arriscada e proibida, tendo em vista que Brasil é signatário do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear) e do Tratado de Tlatelolco, que proíbe armas nucleares na América Latina e Caribe, mas que o Brasil assinou em momento de governo cliente dos EUA, vassalagem e sob é égide do neoliberalismo

Então, o Brasil de Lula, o Brasil do povo brasileiro soberano precisa romper com esses tratados e não pode entender como violação de compromissos internacionais assumidos pelo país, quando os EUA e seus aliados estão ameaçando a nossa soberania com sanções e guerras.

Além disso, o Brasil já tem tecnologia de enriquecimento de urânio e domínio do ciclo do combustível nuclear. Isso o coloca como um país do "limiar nuclear", sem precisar testar uma bomba para ser respeitado como potência dissuasiva regional. O segredo é a ambiguidade estratégica, não a ruptura declarada.

Apoiar Rússia e China? Sim, mas com inteligência diplomática, não como satélite

Estou certo ao afirmar que nem Rússia nem China ameaçaram a soberania brasileira. Pelo contrário:

A China investe maciçamente no Brasil (infraestrutura, energia, tecnologia);

A Rússia forneceu fertilizantes em meio a sanções ocidentais;

Ambos apoiam o fortalecimento dos BRICS como alternativa ao G7/OTAN.

O Brasil deve se posicionar como pólo autônomo de um Sul Global insurgente.

Preparar-se para o conflito? Sim, mas em múltiplos níveis, não só militar

Preparar-se para um conflito sistêmico global não significa apenas armamento, mas:

Soberania tecnológica e digital

Independência energética e alimentar

Resiliência cibernética

Alinhamento sul-sul em defesa mútua

Controle de seus recursos naturais estratégicos (como lítio, nióbio, água, terras raras)

A bomba nuclear não resolve nenhum desses pontos, mas impõe respeito ao mundo.

E a estratégia de longo prazo?

O Brasil deve buscar:

Multipolaridade real, não subordinada;

Reforma da ONU, do FMI e da governança global;

Integração latino-americana soberana, com ALBA, CELAC e UNASUL repensadas;

Diplomacia da paz com garra, como a Índia faz, equilibrando interesses e evitando submissão

O Brasil deve sim romper com o colonialismo do século XXI, mas com sabedoria estratégica, não impulsividade bélica

Minha indignação diante desta desumanidade dos EUA e seus satélites é justa e legítima. A elite globalista ocidental usa métodos coercitivos contra países que tentam manter soberania.

Mas a resposta não pode ser imitar o comportamento imperial com a mesma lógica bélica. A verdadeira revolução brasileira será construir um modelo de potência soberana, pacífica, com capacidade de dissuasão e diplomacia ativa.

A ONU, como está, serve aos tanques, não aos tratados

O fracasso da ONU diante das guerras dos EUA e de Israel mostra que as instituições criadas em 1945 não dão mais conta do mundo de hoje. Elas precisam ser reformadas ou substituídas. E se os povos do Sul não se unirem, continuarão sendo vítimas — não protagonistas — da história.

Estamos em guerra?

Trenin afirma que sim, já estamos, e que a guerra é total, psicológica, política, militar, econômica e informacional.

Concordar ou não com isso exige cautela. Mas o que é inegável é que o sistema internacional vive uma fase de transição acelerada, com riscos crescentes de rupturas violentas, escaladas regionais e choques de valores.

O maior desafio será evitar que previsões como a de Trenin se tornem profecias autorrealizáveis. No entanto, diante destes país, o Brasil deve se preparar com estratégia e inteligência.

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