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quarta-feira, 2 de julho de 2025

🌕 1969: A Lua, a Chuva e o Sertão da Pitombeira

Nasci na Pitombeira, comunidade fincada no coração da Ilha do Poró, em Jaguaruana, sertão do Ceará. Quando a parteira chegou, eu já tinha vindo ao mundo, apressado, como quem sabe que a vida no sertão não espera. Era o ano de 1965

Em 1969, o mundo inteiro falava de um homem que ia pisar na Lua.
Lá em casa, meu pai falava disso com olhos brilhando. Ele tinha até uma maquete da espaçonave Apolo, feita com todo o cuidado. Era como se, mesmo ali, entre carnaubeiras e oiticicas, a gente também pudesse tocar o céu.

Eu tinha só cinco anos, mas a memória é teimosa quando a emoção é funda.
Lembro dos pingos de chuva na calçada e do chão de terra ficando escuro e cheiroso, aquele cheiro do sertão molhado que nenhum perfume do mundo imita.

Lembro das minhas caminhadas pelo palheiro, entre as plantações de milho e feijão, e da casa de produção de pó de carnaúba, onde os adultos ralavam trabalho e esperança, extraindo do sertão o brilho verde da sobrevivência.

Ganhei um pequeno brinquedo, daqueles simples, mas que acendem o mundo todo dentro da gente. E lembro também do silêncio quebrado por um medo: meu pai ferido depois que o farol explodiu, jogando querosene em chamas sobre ele. As queimaduras foram graves, mas ele resistiu, como só um homem do sertão sabe resistir.

Enquanto ele se recuperava, eu brincava no pé da porta, vigiado por olhos atentos e pelo som dos estouros. À noite, as bombas que ele soltava serviam para espantar os bichos reais ou imaginados,  que rondavam nossas noites escuras.

O mundo, naquele ano, alcançou a Lua.
Mas eu, menino da Pitombeira,
descobria outro universo:
o universo dos cheiros, das dores, das chuvas e da cera verde da carnaúba.
O universo onde se nasce antes da parteira chegar,
e onde se aprende, desde cedo, que a vida é dura, mas também mágica.

 

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