Nasci na Pitombeira, comunidade fincada no coração da Ilha do Poró, em Jaguaruana, sertão do Ceará. Quando a parteira chegou, eu já tinha vindo ao mundo, apressado, como quem sabe que a vida no sertão não espera. Era o ano de 1965
Em 1969, o mundo inteiro falava de um homem que
ia pisar na Lua.
Lá em casa, meu pai falava disso com olhos brilhando. Ele tinha até uma maquete da espaçonave Apolo, feita com todo o cuidado.
Era como se, mesmo ali, entre carnaubeiras e oiticicas, a gente também pudesse
tocar o céu.
Eu tinha só cinco
anos, mas a memória é teimosa quando a emoção é funda.
Lembro dos pingos de chuva na calçada e do chão
de terra ficando escuro e cheiroso, aquele cheiro
do sertão molhado que nenhum perfume do mundo imita.
Lembro das minhas caminhadas
pelo palheiro, entre as plantações de milho e feijão, e da casa de produção de pó de carnaúba, onde os adultos
ralavam trabalho e esperança, extraindo do sertão o brilho verde da
sobrevivência.
Ganhei um pequeno
brinquedo, daqueles simples, mas que acendem o mundo todo
dentro da gente. E lembro também do silêncio quebrado por um medo: meu pai ferido depois que o farol explodiu, jogando querosene em chamas sobre ele. As queimaduras foram graves, mas ele resistiu, como só um
homem do sertão sabe resistir.
Enquanto ele se recuperava, eu brincava no pé da porta, vigiado por olhos atentos e pelo som dos
estouros. À noite, as bombas que ele soltava
serviam para espantar os bichos reais ou imaginados, que rondavam nossas
noites escuras.
O mundo, naquele ano, alcançou a Lua.
Mas eu, menino da Pitombeira,
descobria outro universo:
o universo dos cheiros, das dores, das chuvas e da cera verde da carnaúba.
O universo onde se nasce antes da parteira chegar,
e onde se aprende, desde cedo, que a vida é dura, mas também mágica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário