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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Rio Jaguaribe

Foto: Liduina - Sertão - Russas - CE

O poema de Demócrito Rocha sintetiza a Morte e Vida Severina no sertão nordestino. Não só o Rio Jaguaribe, mas o Ceará foi sempre uma artéria sangrando, esvaiando-se em sangue. Esqueléticas vidas sobreviveram às durezas da vida no sertão. Quando o pôr do sol chega, chega o descanso de corpos, que ardendo em brasas pelo sol causticante, consolando-se nos braços das amadas, mulheres fortes do sertão.

Demócrito Rocha
Rio Jaguaribe
O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta
por onde escorre
e se perde
o sangue do Ceará.
O mar não se tinge de vermelho
porque o sangue do Ceará
é azul ...
Todo plasma
toda essa hemoglobina
na sístole dos invernos
vai perder-se no mar.
Há milênios... desde que se rompeu a túnica
das rochas na explosão dos cataclismos
ou na erosão secular do calcário
do gnaisse do quartzo da sílica natural ...
E a ruptura dos aneurismas dos açudes...
Quanto tempo perdido!
E o pobre doente — o Ceará — anemiado,
esquelético, pedinte e desnutrido —
a vasta rede capilar a queimar-se na soalheira —
é o gigante com a artéria aberta
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
morrendo e resistindo...
(Foi a espada de um Deus que te feriu
a carótida
a ti — Fênix do Brasil.)
E o teu cérebro ainda pensa
e o teu coração ainda pulsa
e o teu pulmão ainda respira
e o teu braço ainda constrói
e o teu pé ainda emigra
e ainda povoa.
As células mirradas do Ceará
quando o céu lhe dá a injeção de soro
dos aguaceiros —
as células mirradas do Ceará
intumescem o protoplasma
(como os seus capulhos de algodão)
e nucleiam-se de verde
— é a cromatina dos roçados no sertão...
(Ah, se ele alcançasse um coágulo de rocha!)
E o sangue a correr pela artéria do rio Jaguaribe... o sangue a correr
mal que é chegado aos ventrículos das nascentes ... o sangue a correr e ninguém o estanca...
Homens da pátria — ouvi:
— Salvai o Ceará!
Quem é o presidente da República?
Depressa
uma pinça hemostática em Orós!
Homens —
o Ceará está morrendo, está
esvaindo-se em sangue ...
Ninguém o escuta, ninguém o escuta
e o gigante dobra a cabeça sobre o peito
enorme,
e o gigante curva os joelhos no pó
da terra calcinada,
e
— nos últimos arrancos — vai
morrendo e resistindo
morrendo e resistindo
morrendo e resistindo ________________________________________
Demócrito Rocha - Jornalista e Poeta Cearense
Fundador do Jornal O Povo - Ceará - Brasil

Um comentário:

Anônimo disse...

Belíssima paisagem encantando a poesia de Demócrito Rocha. Parabéns Professor!