A discussão do papel do Estado na sociedade tem atravessado décadas. A discussão parece velha entre um Estado forte, regulador da sociedade ou um Estado mínimo em suas funções e regidos pelas leis liberais, mas a crise financeira trouxe à tona novamente esta discussão, principalmente as idéias neoliberais de Friedman em contraponto com as idéias de Keynes para salvar as economias em tempos de crises.
Antes de entrar no mérito da questão proposta é preciso entender o que é o Estado, sua origem, o seu papel. Estado, é o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços públicos) e sua administração pelos membros da Cidade CHAUI, p.480. Diz ainda a pensadora, o Estado é poder separado da sociedade, encarregado de dirigi-la, comandá-la, arbitrar os conflitos e usar a força, quando necessária, poder de coerção social. De acordo com BORBA, homem, em um momento inicial, vive em estado de natureza, sem normas e regras de regulação da vida social, onde os conflitos são constantes. Desta situação conflituosa, surge o pensamento contratualista, momento em que os homens passam do estado de natureza para a construção do Estado, regulador da vida social e proteção ao homem.
A despeito das idéias de pensadores (contratualistas) como Hobbes, Locke, Rousseau, citados por BORBA, no sentido de buscar melhor a formar de organizar a política, entendendo eles que a origem do Estado está na vontade dos homens, é imperioso perguntar quem são os homens e para quem é o Estado. A resposta está na defesa de Hobbes nas monarquias absolutas. Porquanto, o Estado, historicamente tem sido utilizado para defesa dos interesses de uma minoria, principalmente para a coerção social.
Segundo CHAUÍ, p. 520, o Estado existe a partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes lhe atribui, mas sua principal finalidade é garantir o direito natural de propriedade, no entanto a burguesia em ascensão queria muito mais. Queria um Estado que respeitasse a liberdade econômica dos proprietários privados, deixando que façam as regras e as normas nas atividades econômicas ou do mercado.
Para CHAUI, o Estado tem a função de arbitrar, por meio das leis e da força, os conflitos da sociedade civil, respeitar a liberdade de pensamento de todos os governados e competência para legislar. O pensamento liberal ganha o mundo, torna-se hegemônico, principalmente com a Revolução Francesa e a Revolução Americana através de pensadores como Montesquieu, John Stuart Mil e principalmente Adam Smith.
Neste sentido, entre os séculos XVIII e século XIX, constrói-se o pensamento liberal, a construção de um Estado com funções específicas e limitado. Este surgiu como representação política e moral da época, sendo o liberalismo o motor da prosperidade dos grandes burgueses. Segundo, CHAUÍ, p. 519, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse legitimidade, tão maior do que o sangue hereditário dava à realeza e à nobreza, que agora se reconhece como superior aos pobres.
Nessa linha de pensamento, a propriedade privada existe como condição para a liberdade individual, mesmo porque a propriedade tem como existência uma lei natural. No entanto, é preciso refletir que o Estado liberal existe para garantir a propriedade privada contra os pobres, como se natureza divina tivesse dado tudo a eles e aos pobres o sofrimento e apenas sua força de trabalho.
Adam Smith foi um dos precursores e um dos maiores representantes deste pensamento, da criação do Estado mínimo, onde o mercado deveria atuar livremente -Laissez-faire – que significa não interfira e deixa acontecer - tendo na expressão máxima da mão invisível do mercado, posto que este, governando a si mesmo, resolveria todos os problemas do bem-estar da sociedade. Neste prisma, a economia de mercado, fundamentada na livre concorrência, conduziria à satisfação das necessidades humanas.
Com a crise, conhecida como a Grande Depressão dos anos trinta, e a quebra da bolsa de Nova York, falência de grandes bancos e indústrias surgiu um novo pensamento – Keynesianismo – ruptura com a mão invisível formulada por Adam Smith. Isso porque, tal como a crise do sistema capitalista atual, não há alternativa, se não, a intervenção forte do Estado para salvar a economia. Aliás, com a falência do sistema financeiro americano e europeu, emergiu o Keynesianismo em contra-ponto à mão invisível, ou como queiram, a uma economia desregulamentada.
Como diz o nosso presidente Lula, quando o mercado tem uma desarranjo intestinal, chama o Estado para resolver e suas palavras são mais fortes no fórum social mundial quando diz: a crise nasceu porque durante os anos 80 e 90, ao estabelecerem a lógica do consenso de Washington, eles venderam a lógica de que o Estado não prestava pra nada e que o ‘deus mercado’ ia desenvolver o país e fazer justiça social. Esse deus mercado quebrou por falta de controle, por causa da especulação. (...)
As palavras keinesianas do presidente Lula em seu pronunciamento no final do ano de 2008, explicando que se o povo não compra, o comércio não vende, a indústria não produz e no final o desemprego acontece são bem didáticas e deixam implícitas as intervenções do Estado para que isso não venha acontecer, aumentando assim, o crédito, reduzindo impostos e elevando gastos em obras e projetos sociais.
Por estas questão, os liberais, a contra-gosto, são todos agora keinesiano, ou até, a dor de barriga passar como aconteceu após os anos trinta. Tal qual, como na crise de vinte e nove, aumentam-se os gastos na economia, investimento na infra-estrutura, o Estado passa ter um papel mais presente na economia na geração de empregos, principalmente como regulador, de tal forma que possa fazer a roda da economia funcionar (gastar com investimentos pesados na infra-estrutura, cortar impostos, como os países em crises estão fazendo neste momento, inclusive o Brasil).
Enfim, é importante dizer que as idéias de Keynes ou o remédio, com queiram, após tirar o mundo da crise e jogá-lo na prosperidade por um bom tempo, já não serviriam para nada. Como também cita BORBA, p. 55, apud FILGUEIRAS, 2000, p. 45, as críticas voltaram contra o intervencionista Keynesiano, posto que o mercado livre é a garantia da liberdade econômica e política, ameaçada pela intervenção do Estado.
Passado este momento de grande prosperidade no sistema capitalista, chegou-se à crise do petróleo nos 70 e no final desta década a vitória do conservadorismo na Inglaterra com Tacher e Ronald Reagan nos EUA. Assim as idéias neoliberais tomaram corpo e discussão no que veio a ser conhecido como Consenso de Washington, tendo a América Latina com laboratório experimental deste pensamento econômico, tais como: controle de emissão monetária, elevação da taxa de juros, repressão aos sindicatos, legislação anti-sindical, corte de gastos sociais e privatização.
Nesse contexto, o Estado deve ser reduzido a uma atuação mínima na economia, apenas na manutenção da lei e da ordem. O que tivemos foi o desmantelamento dos Estados latinos americanos, com o aprofundamento das desigualdades sociais, o aumento da pobreza, o aumento da dívida pública e do endividamento externo, além de políticas públicas ineficazes na educação e saúde.
Hoje há um consenso entre as nações liberais e capitalistas de que o mercado sozinho não tem como resolver a crise e salvar o sistema capitalista. A conta passa dos trilhões de dólares e não há perspectiva de curto prazo para resolvê-la. Como reprisando a história, é o Estado que é chamado para pagar a conta e regular toda a economia, inclusive com estatização do sistema financeiro, da mídia, e de grandes corporações através da compra de ações pelo Estado. Desta forma, mais uma vez as idéias, ou o remédio de John Maynard Keynes, estão de volta, a despeito da vontade dos liberais que estão com suas organizações desorganizados e a espera do Estado.
Pergunto: onde está o mercado? Respondo: recebendo a extrema-unção do Estado e seus idealizadores e defensores se revirando nas covas, tendo como marcante uma afirmação do Sr. Roberto Campos vendo a obra neoliberal de FHC em aprofundamento no Brasil. Disse ele: agora já posso morrer e foi na certeza de visto algo de impressionante no Brasil.
Por fim, o que é importante dizer que o Estado precisa regular as “disfunções” da mão invisível, isto porque existem os cartéis, os monopólios, o capital transnacional especulativo que entra e sai, como passe de mágico, ganhando dinheiro com as taxas de juros que os países emergentes oferecem, segundo o receituário neoliberal. As idéias neoliberais com o advento da crise financeira internacional se desmoronaram, tal qual um castelo de areia, mas deixaram um rastro de miséria muito grande na América Latina, principalmente nos anos 90 do século passado.
Por algum tempo da década passa houve um grande debate entre as idéias liberais capitaneada pelo grande economista, representante deste pensamento, chamado Friedman, radicalmente contra as interferências do Estado. Quis Deus que ele não testemunhasse os fracassos de suas idéias, idéias que lhe deram o prêmio Nobel de Economia, mas que agora se mostraram um verdadeiro engodo. Por outro lado, a crise ressuscitou o Keynesianismo, que era muito criticado por Friedman.
As idéias de Keynes voltaram para salvar os liberais nos países desenvolvidos, inclusive aqui no Brasil, com investimentos pesados em infra-estrutura, modernização de setores estratégicos e também em projetos sociais, como construção de casas, redução de impostos e tudo mais. É a mão forte do Estado tentando diminuir os efeitos da crise, principalmente para diminuir ou evitar desemprego. Desta forma, para manter a economia em equilíbrio dinâmico é preciso realizar grandes investimentos e disponibilizar linhas de crédito para a iniciativa privada.
Por fim, é interessante observar que a discussão é interessante e oportuna no momento, entre o pensamento liberalista acentuado pelo neoliberalismo, e o pensamento Keynesianismo de intervenção no Estado, acreditando que o mercado não tem a capacidade de se auto-regular e atingir um nível de equilíbrio. Por isso, sem citar nomes, as idéias de Keynes são novamente postas em prática e o bom e velho neoliberalismo jogado na lata de lixo.
Por fim, não sendo objeto deste texto, não poderia deixar citar a América do Sul, onde existe uma atmosfera de experiências de Estados Socialistas – Bolívia, Equador, Venezuela, Paraguai e em menor escala o Brasil - experimentando a sensação de que um novo mundo pode-se construir. Hoje lendo pela Internet, vi que alguns gurus do pensamento conservador americano aconselham o Obama a ter cuidado com os socialistas, por que estes lutam contra o poder americano.
REFERÊNCIASBORBA, Julian. Ciência Politica. SeaD/UFSC. 2006
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo. 2000.
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant .
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