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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O ENSINO EM MIGALHAS DE PÃO

Revirando meus arquivos encontrei este texto dos anos 90 e resolvi publicá-lo. Tirem as suas conclusões.


Nesses últimos anos tenho refletido muito boa sobre a educação do Ceará. Acompanhei e vivenciei um pouco das idéias que eram disseminadas nos finais dos anos 80 e colocadas em práticas durante os anos 90 na educação básica de nosso estado. O lema era "Todos pela Qualidade da Educação para Todos". Hoje o lema é "Escola Melhor, Vida Melhor". Crescer com qualidade agora é a questão.


O primeiro jogava a responsabilidade do fracasso da escola pública para todos e de outro lado, criava-se a idéia de um "grande mutirão" na busca da qualidade da escola pública. Todos eram “responsáveis” pela qualidade da escola pública e acabaram sendo responsabilizados pelo fracasso das políticas públicas NEOLIBERAIS para a educação.

Ninguém é chamado para discutir, nós professores éramos apenas operadores dentro deste sistema. Não éramos pagos para pensar, mas apenas para executar estas políticas públicas que foram engendradas, formalizadas dentro de um momento em que o Ceará se colocava como executor e pioneiro das experiências laboratoriais do “Consenso de Washington" no Brasil no governo dos DEMOS-TUCANOS, encabeçados por Tasso.

Consultando algumas literaturas daquele momento temos em SAVIANI, 1997 a leitura... esta “qualidade” visa mais o atendimento às demandas da nova economia. Hoje, governo e empresários brasileiros fazem coro com organismos internacionais, apregoando “educação para todos”, o que sempre tem sido a reivindicação dos trabalhadores. Porém, a julgar pelos recursos destinados, e pela forma como o Estado vai submetendo a escola pública à lógica do mercado e da iniciativa privada, a repetição de tal palavra-de-ordem não passa de preleção demagógica (SAVIANI, 1997).

Sem nostalgia alguma, lembro-me de que naquele período sobravam recursos para os banqueiros corruptos e fraudulentos, mas faltavam recursos para a educação emancipadora proposta por Paulo Freire.

Para SAVIANI, 1997 a ordem era a redução de custos: diminuição de gastos globais referentes aos docentes (salário, formação), aumento do número de alunos por classe, instituição de turnos múltiplos; utilização mais racional dos prédios escolares.

Aqui no Ceará isso foi posto de forma mais criativo, de uma “canetada” só eles universalizaram o Telensino em todo o estado. Foi uma época dos chamados Orientadores de Aprendizagem e que tinham vários apelidos, entre eles os mais conhecidos (Otário Alegre e Polibruto) porque estes tinham que dar de conta de todas as disciplinas. Isso foi uma verdadeira aventura que comprometeu o futuro de milhares de nossos jovens e diminuíram os anos de vida de muitos colegas professores. De repente um professor, sem nenhuma formação em matemática tinha que orientar os seus alunos no aprendizado de álgebra e geometria. Um professor só para todas as disciplinas até que ponto isto foi econômico para o estado do Ceará? Que foi muito “criativo”, isso foi.

Foram situações muito difíceis. Nos cursos de formação de O. A. diziam o seguinte: você agora não é mais professor, agora você é orientador de aprendizagem. O professor agora é o aparelho de TV. O que é pior é que muitos colegas acreditaram nesta conversa fiada e por isso eram chamados pelos outros colegas de “Otários Alegres”. Foi terrível, o sinal da emissão das Teleaulas não chegava, os módulos de ensino não chegavam a tempo. Quando tinha emissão era de péssima qualidade. Os módulos de estudo feitos de papel tipo jornal eram também de péssima qualidade e sem nenhum atrativo para os alunos

Se algum colega do Ceará se dispuser a falar desta experiência do Telensino por favor escreva porque hoje ele é um defunto insepulto no sistema de ensino do Ceará. Ele já morreu, mas nenhum dirigente da educação do Ceará tem coragem de enterrá-lo. Olha que sou um professor que estuda ,trabalha e acredita em Educação a Distância.

Sobre essa questão, Gadotti ressaltava naquele momento a ideologia educacional da escola burguesa e sua ambigüidade: a concepção burguesa da educação, seja na sua forma autoritária, seja na sua forma liberal (que ressurge neste momento no Brasil), necessita da ambigüidade. Aliás, a ambigüidade faz parte essencial da sua estratégia político-pedagógica, já que, para iludir a população, estabelece objetivos, metas e programas que, de antemão, sabe que não serão cumpridos. Não foi, por acaso, a própria burguesia que defendeu a tese da “escola para todos”, mas que criou todos os empecilhos, para que as classes populares não tivessem condições de permanecer nela (GADOTTI ,1995, p. 160)?

É imperativo ainda dissertar que neste ambiente democrático o qual nos comunicamos, dialogamos e que ainda busca caminhos mais caminhantes, alguns colegas acham que não deveríamos discutir a crise política de nosso país como se a política não tivesse nada com educação e escola. No entanto, há um consenso entre alguns educadores: a escola caminha, caminhou e caminhava sintonizada cada vez mais com o discurso oficial neoliberal daquelas idéias colocadas pelo professor Marcondes Rosa ( idéias que, no início de 1997, invadiam-nos os cearenses) – penso que foram bem antes – Idéias que tinham como pano de fundo desvincular o ato de “ensinar” com as “questões sociais”, sendo necessário indagarmos: como pode haver neutralidade da escola na luta contra as injustiças sociais? Então qual o papel social da escola hoje na no inicio deste século? Qual o paradigma educacional que queremos hoje para nossos alunos? Qual o sentido maior da educação ambiental em nossas escolas? Qual o sentido de inserirmos as novas tecnologias em nossas escolas? Qual o nosso papel de educador hoje?

Naquele momento Gadotti escrevia muito bem e que nos faz lembrar do “Governo das Mudanças” no Ceará - Se aos liberais interessava ideologicamente a preservação da estrutura de classe, hoje, os neoliberais desejam uma “mudança” ( a ideologia da mudança) controlada e gradual, sob o domínio e a hegemonia burguesas. Mudar sim, mas desde que a estrutura de classes fique intacta e a exploração do trabalho não seja posta em questão (GADOTTI , 1995, p. 160).

Na realidade, fez-se muitas mudanças na escola para deixá-la continuar sempre a mesma. Até o ano de l992 o discurso oficial falava: “Democratização com qualidade de ensino”. Em 1997 a verborragia era: “Todos pela Educação de Qualidade para Todos”, já que não se conseguiu democratizar o acesso a todas crianças na escola. No momento é “Escola Melhor e Vida Melhor” em que reza seu projeto político o foco na aprendizagem do aluno para que a escola cresça com qualidade.

E o que é um ensino de boa qualidade na perspectiva nas palavras de Saviani? ... é aquele que propicia a formação de homens capazes não somente de trabalhar com eficiência e com desenvoltura para enfrentar situações novas, mas também – e principalmente – de entender o sentido da atividade humana materializada no trabalho, dominando seus fundamentos históricos e teóricos: tanto no que diz respeito a aspectos técnicos dos processos produtivos, como no que concerne às relações sociais que eles encerram (SAVIANI, 1997).

Nos anos 80 os dirigentes falavam em “Educação para Adultos” Depois passaram a falar em “Educação de Jovens e Adultos”. Isso tudo nos leva a crer a falta de compromissos destes quando não estipulam prioridades Isso nós comprovamos quando naquela época analisamos dados estatísticos: mas de 80% das escolas brasileiras de ensino fundamental com mais de cem alunos não tinham bibliotecas. Esse e outros dados surpreendentes constam do Censo Educacional de 1997 - realizado pelo MEC – que aponta várias deficiências de ensino públicos e privados no país. Vejam os dados das escolas pesquisadas segundo a revista Educação (1998, nº 34):

· 46,7% não têm telefone;

· 80,4% não têm biblioteca;

· 93,5% não têm laboratório de informática;

· 36,8% não têm energia elétrica;

· 46% não têm filtro de água.

Esse contexto era parte desse projeto do lema “Todos pela Educação de Qualidade para Todos”. A escola básica do Ceará era parte deste projeto político de expressão dessa ideologia. Isso significava: a ciência do governo para uns e a catequese e a servidão para outros como escreve tão bem Gadotti. Aqui no Ceará essa política de ensino era claro. Para o povo (sobrou) e sobravam apenas o ensino em migalhas de pão. A escola pública que tínhamos e temos existia existe para legitimar o sucesso das crianças e jovens das escolas particulares mais aquinhoadas.

Isso é ainda agravante quando analisamos a obsolescência do ensino nas escolas públicas do Ceará, ensino que é oferecido em forma de “migalhas de aula” e se tem no realismo na “pobre educação pobre” segundo SAVIANI, 1997: “índices elevados de repetência, evasão, baixa qualidade de aprendizagem, crianças fora da faixa etária, baixo nível de instrução na população”. E o discurso oficial, sob o pretexto de que faz e fez muito pela educação, libera migalhas para a classe popular, migalhas de uma escola distante das casas das crianças onde não há vida com professores insatisfeitos e classes superlotadas de crianças, migalhas que para o educador do bom senso o incomodam muito:

O trabalho em migalhas”, diz um autor...

Só há migalhas na nossa vida de educadores. Nem sequer conseguimos reuni-las, o que aliás seria inútil, pois migalhas de pão espremidas e enroladas nunca são mais do que bolinhas, boas apenas para servir de projéteis nos refeitórios.

Migalhas de leitura, caídas de uma obra que ignoramos e que têm gosto de pão que ficou ressecando nas gavetas e nos sacos.

Migalhas de história, umas bolorentas, outras mal cozidas, e cuja amálgama é um problema insolúvel.

Migalhas de matemática e migalhas de ciências, como peças de máquinas, sinais e números que uma explosão tivesse dispersado e que nos esforçamos por montar, como um quebra-cabeça.

Migalhas de moral, como gavetas que mudamos de lugar, no complexo de um vida de infinitas combinações.

Migalhas de arte...

Migalhas de aula, migalhas de horas de trabalho, migalhas de pátio de recreio...

Migalhas de homens...

Perigos de uma Escola que alinha, compara, agrupa e reagrupa, ausculta e avalia essas migalhas.

Urgência de uma educação que evita a explosão irreparável e faz circular um sangue novo na função viva e construtiva da pedagogia do trabalho ( FREINET, 1991, p.37).

FERREIRO (1996, p. 9) coloca uma questão para que todos os educadores latino-americanos possam refletir: “por que os bancos internacionais se interessam tanto pela educação básica”?

SAVIANI, 1997) pressupõe, o que pode ser ao nosso ver, uma resposta da questão colocada por FERREIRO. ...que dos anos 80 para cá, as diretrizes são de estabilização econômica, ao lado da preocupação com a pobreza dos países do “terceiro mundo”. A educação é pensada como meio de aliviar a pobreza (através de medidas compensatórias) e de conter o aumento populacional, que gera pressões sociais. Daí, a ênfase no ensino primário, visto como o mais apropriado para assegurar às massas um ensino mínimo e de baixo custo.

Segundo Libâneo: ... Os governos dos países periféricos vão perdendo sua autonomia enquanto vão reduzindo suas responsabilidades sociais em relação às políticas públicas para a educação, saúde, previdência (LIBÂNEO, 1998, p.161).

Portanto colegas, uma das primeiras coisas que aprendemos é que, não é a escola que irá mudar o mundo (Paulo Freire), já que seu papel básico é justamente reproduzi-lo continuamente. Mas a reflexão e a crítica dessas determinações é que possibilitam a desmistificação de “neutralidade” escolar e do esclarecimento do tipo de freio e obstáculo ao desenvolvimento de novas formas de organização material, política e social da população que ela representa. Acreditamos por isso, que a transformação social que queremos passa pela educação das crianças, dos jovens e na reeducação dos adultos.

Nesse sentido:... a escola pública, aos poucos, pode ir se tornando cada vez mais uma estrutura possibilitadora de atribuição de significados da informação, propiciando aos alunos os meios de buscá-la, analisá-la, para dar a ela significado pessoal (LIBÂNEO, 1998, p. 65). Não queremos uma escola de migalhas de ensino, mas uma que forme o verdadeiro cidadão que este país precisa.

E por último deixo a seguinte questão: será que a escola no contexto histórico não tem contribuindo para aumentar a distância entre ricos e pobres? Mais do que nunca, urge uma escola que suscite na criança a consciência de cidadania, de solidariedade para resgatar a essência da humanidade e acabar o ensino em migalhas de pão.

Referências

GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1997.

FERREIRO, Emília. Com Todas as Letras. Trad. de Maria Zilda Cunha Lopes. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 1996.

FREINET, Celestina. Pedagogia do Bom Senso. Trad. De J. Baptista, 3ª ed. São Paulo: Fontes, 1991.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 7ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus Professor, Adeus Professora?: novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 1998.

SAVIANI, Nereide. Educação brasileira em tempos neoliberais. Texto apresentado no Congresso Pedagogia/97, em Havana/Cuba.

SAVIANI, Dermeval. O Trabalho como Princípio Educativo Frente às Novas Tecnologias in FERRETT, Also: novas tecnologias, trabalho e educação: um debate interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.

Luís Moreira

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