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domingo, 1 de fevereiro de 2009

“A CASA – A ESCOLA"

Trechos do texto “A CASA – A ESCOLA”,
extraído do livro: Por uma educação romântica de Rubem Alves.


Uma professora me escreveu pedindo que eu lhe desse algumas dicas sobre como despertar o interesse dos seus alunos sobre sua matéria. Sua pergunta brotava do seu sofrimento. Preparava suas aulas como havia aprendido nas aulas de didática – mas suas aulas não eram capazes de seduzir a imaginação dos seus alunos. Numa situação como essa o mais fácil e o mais comum é culpar os alunos: eles são indisciplinados, não querem aprender, são psicologicamente incapazes de concentrar a atenção. Essa professora não culpava os alunos. Culpava a si mesma. Devia haver algo de errado em suas aulas para que os alunos não prestassem atenção.

Uma aula é como comida. O professor é o cozinheiro. O aluno é quem vai comer. Se a criança se recusa a comer pode haver duas explicações. Primeira: a criança está doente. A doença lhe tira a fome. Quando se obriga a criança a comer quando ela está sem fome, há sempre o perigo de que ela vomite o que comeu e acabe por odiar o ato de comer. É assim que muitas crianças acabam por odiar as escolas. O Vômito está para o ato de comer assim como o esquecimento está para o ato de aprender. Esquecimento é uma recusa inteligente da inteligência. Segunda: a comida não é a comida que a criança deseja comer: nabo ralado, jiló cozido salada de espinafre... O corpo é um sábio. O corpo não é um porco que come tudo o que jogam para ele, como se tudo fosse igual. Ele opera com um delicado senso de discriminação. Algumas coisas ele deseja. Prova. Se são gostosas, ele come com prazer e quer repetir. Outras não lhe agradam, e ele recusa. Aí eu pergunto: “O que se deve fazer para que as crianças tenham vontade de tomar sorvete?”. Pergunta boba. Nunca vi criança que não estivesse com vontade de tomar sorvete. Mas eu não conheço nenhuma mágica que seja capaz de fazer com que uma criança seja motivada a comer salada de jiló com nabo. Nabo e jiló não provocam sua fome.
As crianças têm, naturalmente, um interesse enorme pelo mundo. Os olhinhos deles ficam deslumbrados com tudo o que vêem. Devoram tudo.
... Quando eu era jovem e não sabia que os olhos das crianças eram diferentes dos olhos dos adultos eu ficava bravo com meus filhos quando a gente viajava. Eu olhava para fora do carro e ficava deslumbrado com cenários que via: montanhas, lagos, florestas. Queria que eles gozassem aquela beleza. Mostrava para eles e era como se ela não existisse. Eles nem ligavam. E eu ficava como raiva. “Como podem ser insensíveis a tanta beleza?”.
Eu não sabia que os olhos das crianças não têm fome de coisas que estão longe. Os olhos das crianças têm fome das coisas que estão perto. As crianças querem pegar aquilo que vêem. Cenários não podem ser pegos com a mão.
... Todos os objetos que podem ser pegos com a mão são brinquedos para as crianças. E por isso elas gostam deles. Estão naturalmente motivadas por eles. Querem come-los. Querem conhece-los.
... Para mim, esse é um princípio fundamental da aprendizagem: a fome de aprender acontece na fronteira entre o corpo e o ambiente. As crianças não se interessam por montanhas, lagos e florestas porque estão longe dos seus braços. Mas tem prazer em subir em árvores, apanhar frutas, descobrir ninhos, brincar nos remansos, pescar. As crianças se interessam por objetos com os quais os seus corpos podem estar em contato, que podem ser manipulados. Elas não têm um interesse natural por operações matemáticas abstratas. Mas se estão vendendo pipas na feira, elas se interessam logo por somar e diminuir para contabilizar preços e trocos. E que dizer da forma que elas aprendem a falar? Coisa mais assombrosa não existe! Elas não aprendem a falar abstratamente. Aprendem o nome dos objetos e pessoas ao seu redor, os verbos indicam as atividades que fazem. Quando a criança diz “mamãe” ela está chamando para si um objeto querido. A princípio toda palavra é uma invocação.
Aí elas vão para a escola. Aí a aprendizagem sai da vida e passa para os programas. Programas são séries de conhecimentos organizados abstratamente numa ordem lógica. Mas a ordem dos programas, por terem sido preparados abstratamente, não segue a ordem da vida. Aparece então o descompasso. O que elas têm de aprender não é aquilo que o corpo delas quer aprender, pela simples razão de que a vida não segue programas. Aí surge a pergunta: como motivá-las a comer nabo e jiló? Vocês podem imaginar como é que se ensinaria uma criança a falar, seguindo-se um programa? Ela não aprenderia nunca.
Não gosto de laboratórios nas escolas. Sua função não é ensinar ciência. Sua função é seduzir os pais. Os pais querem sempre o melhor para os seus filhos e o que é moderno deve ser melhor. Uma escola que tem laboratórios com aparelhinhos deve ser uma boa escola. Mas os laboratórios, antes que os estudantes entrem nele, já ensinaram uma coisa fatal para a inteligência científica: que a ciência é algo que acontece dentro daquele espaço. A ciência não começa com aparelhos. Ela começa com olhos, curiosidade e inteligência.
Sonho com uma escola que tenha a casa de morada da criança com seu laboratório. A casa é o seu espaço imediato. Ela está cheia de objetos e ações interessantes. Pensar a casa é pensar o mundo onde a vida de todo dia está acontecendo.Numa casa não poderia haver um currículo pronto porque a vida é imprevisível: não segue uma ordem lógica. Os saberes prontos ficariam guardados num lugar, como as ferramentas ficam guardadas numa caixa. As ferramentas são tiradas da caixa quando elas são necessárias para resolver problemas. Assiim são sôo saberes: ferramentas. Ninguém aprende ferramenta para aprender ferramenta. O sentido da ferramenta é o seu uso na prática. Se não pode ser usado não tem sentido. Deve ser jogado fora.

Comentário: a criança certamente tem curiosidades de aprender e descobrir o mundo. Uma questão da natureza humana, brotar da barriga de uma mulher para aprender e ganhar o mundo. No entanto, os pais e a própria escola, como tão coloca a psicologia piagetiana, são obstáculos que dificultam o desenvolvimento das crianças. A escola, com a metodologia de ensino e outras questões perturbadores, não acompanhou as mudanças do mundo e nem tão pouco as novas formas de ensinar e aprender.

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