Luiz Fux, a vaidade engoliu o esperto
Luis Nassif
Quando, no decorrer do julgamento do "mensalão", começaram a
circular as primeiras versões sobre o périplo de Luiz Fux em Brasília,
para conseguir a indicação para o STF (Supremo Tribunal Federal),
confesso que fiquei com um pé atrás e me recusei a divulgar.
O quadro que me traçavam era de uma pessoa sem nenhum caráter. Eram
histórias tão esdrúxulas que só podiam partir de quem pretendia
desmoralizar o Supremo.
Uma das histórias era sobre sua visita a Antonio Palocci. Ele
próprio, Luiz Fux, teria entrado no tema "mensalão" e assegurado que, se
indicado Ministro do STF, "mataria no peito" o processo, afastando o
perigo de gol.
A mesma conversa teria tido com José Dirceu. Falava-se também das
manobras para aproximar-se de Delfim e do MST, mas descrevendo um cara
de pau tão completo que parecia um exercício de ficção em cima de Pedro
Malasartes, Macunaíma ou outros personagens folclóricos.
Com sua competência imbatível, Mônica Bérgamo recolheu todas as
lendas e perguntou sobre elas ao personagem. Fux se vangloria tanto da
esperteza que deixou de lado a prudência e confirmou todas as
malandragens. Como se diz em Minas, a esperteza comeu o esperto.
Prefere entrar para a história como o esperto. Que assim seja.
Por zuleica jorgensen
Se ele contou tudo isso a Bergamo e, se contou, ele fez realmente
tudo que diz, processo nele por corrupção ativa. Como é que alguém pode
julgar determinado processo, que faz o governo poupar 20 milhões de
dólares, e depois fica implorando uma nomeação para o STF? Como é que um
juiz homologa um acordo que beneficia o MST (sem fazer aqui juízo de
valor sobre o caso!) e depois pede uma recomendação do Stédile para ser
iindicado ministro do STF? Como é que um cara que entra para a
magistratura já mirando no STF pode ser confiável?
Tudo muito estranho, parace mesmo um sincericídio como diz a reportagem.
Em campanha para o STF, Fux procurou Dirceu
Magistrado diz que na época não lembrou que petista era réu do mensalão, processo que poderia vir a julgar
Magistrado diz que na época não lembrou que petista era réu do mensalão, processo que poderia vir a julgar
Ministro afirma que, na conversa, pediu que seu currículo fosse entregue ao então presidente Lula
MÔNICA BERGAMO, COLUNISTA DA FOLHA
O ministro Luiz Fux, 59, diz que desde 1983, quando, aprovado em concurso, foi juiz de Niterói (RJ), passou a sonhar com o dia em que se sentaria em uma das onze cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro Luiz Fux, 59, diz que desde 1983, quando, aprovado em concurso, foi juiz de Niterói (RJ), passou a sonhar com o dia em que se sentaria em uma das onze cadeiras do Supremo Tribunal Federal (STF).
Quase trinta anos depois, em 2010, ele saía em campanha pelo Brasil para convencer o então presidente Lula a indicá-lo à corte.
Fux era ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o penúltimo
degrau na carreira da magistratura. "Estava nessa luta" para o STF desde
2004 -sempre que surgia uma vaga, ele se colocava. E acabava preterido.
"Bati na trave três vezes", diz.
AVAL
Naquele último ano de governo Lula, era tudo ou nada.
Fux "grudou" em Delfim Netto. Pediu carta de apoio a João Pedro
Stedile, do MST. Contou com a ajuda de Antônio Palocci. Pediu uma força
ao governador do Rio, Sergio Cabral. Buscou empresários.
E se reuniu com José Dirceu, o mais célebre réu do mensalão. "Eu fui a
várias pessoas de SP, à Fiesp. Numa dessas idas, alguém me levou ao Zé
Dirceu porque ele era influente no governo Lula."
O ministro diz não se lembrar quem era o "alguém" que o apresentou ao petista.
Fux diz que, na época, não achou incompatível levar currículo ao réu
de processo que ele poderia no futuro julgar. Apesar da superexposição
de Dirceu na mídia, afirma que nem se lembrou de sua condição de
"mensaleiro".
"Eu confesso a você que naquele momento eu não me lembrei", diz o
magistrado. "Porque a pessoa, até ser julgada, ela é inocente."
Conversaram uma só vez, e por 15 minutos, segundo Fux. Conversaram mais de uma vez, segundo Dirceu.
A equipe do petista, em resposta a questionamento da Folha, afirmou
por e-mail: "A assessoria de José Dirceu confirma que o ex-ministro
participou de encontros com Luiz Fux, sempre a pedido do então ministro
do STJ".
Foram reuniões discretas e reservadas.
CURRÍCULO
Para Dirceu, também era a hora do tudo ou nada.
Ele aguardava o julgamento do mensalão. O ministro a ser indicado
para o STF, nos estertores do governo Lula, poderia ser o voto chave da
tão sonhada absolvição.
A escolha era crucial.
Fux diz que, no encontro com Dirceu, nada disso foi tratado. Ele fez o seguinte relato à Folha:
Luiz Fux -Eu levei o meu currículo e pedi que ele [Dirceu] levasse ao Lula. Só isso.
Folha - Ele não falou nada [do mensalão]?
Ele falou da vida dele, que tava se sentindo... em outros processos a que respondia...
Tipo perseguido?
É, um perseguido e tal. E eu disse: "Não, se isso o que você está
dizendo [que é inocente] tem procedência, você vai um dia se erguer".
Uma palavra, assim, de conforto, que você fala para uma pessoa que está
se lamentando.
"MATO NO PEITO"
Dirceu e outros réus tiveram entendimento diferente. Passaram a acreditar que Fux votaria com eles.
Uma expressão usual do ministro, "mato no peito", foi interpretada como promessa de que ele os absolveria.
Fux nega ter dado qualquer garantia aos mensaleiros.
Ele diz que, já no governo Dilma Rousseff, no começo de 2011, ainda
em campanha para o STF (Lula acabou deixando a escolha para a
sucessora), levou seu currículo ao ministro da Justiça, José Eduardo
Cardozo. Na conversa, pode ter dito "mato no peito".
Folha - Cardozo não perguntou sobre o mensalão?
Não. Ele perguntou como era o meu perfil. Havia causas importantes no
Supremo para desempatar: a Ficha Limpa, [a extradição de Cesare]
Battisti. Aí eu disse: "Bom, eu sou juiz de carreira, eu mato no peito".
Em casos difíceis, juiz de carreira mata no peito porque tem
experiência.
Em 2010, ainda no governo Lula, quando a disputa para o STF atingia
temperatura máxima, Fux também teve encontros com Evanise Santos, mulher
de Dirceu.
Em alguns deles estava o advogado Jackson Uchôa Vianna, do Rio, um dos melhores amigos do magistrado.
Evanise é diretora do jornal "Brasil Econômico". Os dois combinaram entrevista "de cinco páginas" do ministro à publicação.
Evanise passou a torcer pela indicação de Fux.
Em Brasília, outro réu do mensalão, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), articulava apoio para Fux na bancada do PT.
A movimentação é até hoje um tabu no partido. O deputado Cândido Vacarezza (PT-SP) é um dos poucos que falam do assunto.
Vacarezza - Quem primeiro me procurou foi o deputado Paulo Maluf. Eu
era líder do governo Lula. O Maluf estava defendendo a indicação e me
chamou no gabinete dele para apresentar o Luiz Fux. Tivemos uma conversa
bastante positiva. Eu tinha inclinação por outro candidato [ao STF].
Mas eu ouvi com atenção e achei as teses dele interessantes.
Folha - E o senhor esteve também na casa do ministro Fux com João Paulo Cunha?
Eu confirmo. João Paulo me ligou dizendo que era um café da manhã
muito importante e queria que eu fosse. Eu não te procurei para contar.
Mas você tem a informação, não vou te tirar da notícia.
O mensalão foi abordado?
Não vou confirmar nem vou negar as informações que você tem. Mas eu
participei de uma reunião que me parecia fechada. Tinha um empresário,
tinha o João Paulo. Sobre os assuntos discutidos, eu preferia não falar.
Fux confirma a reunião. Mas diz que ela ocorreu depois que ele já
tinha sido escolhido para o STF. Os petistas teriam ido cumprimentá-lo.
Na época, Cunha presidia comissão na Câmara por onde tramitaria o novo Código de Processo Civil, que Fux ajudou a elaborar.
Sobre Maluf, diz o magistrado: "Eu nunca nem vi esse homem". Maluf,
avisado do tema, disse que estava ocupado e não atendeu mais às chamadas
da Folha. Ele é réu em três processos no STF.
CHORO
No dia em que sites começaram a noticiar que ele tinha sido indicado
por Dilma para o STF, "vencendo" candidatos fortes como os ministros
César Asfor Rocha e Teori Zavascki, também do STJ, Fux sofreu, rezou,
chorou.
Luiz Fux - A notícia saiu tipo 11h. Mas eu não tinha sido comunicado
de nada. E comecei a entrar numa sensação de que estavam me fritando.
Até falei para o meu motorista: "Meu Deus do céu, eu acho que essa eu
perdi. Não é possível". De repente, toca o telefone. Era o José Eduardo
Cardoso. Aí eu, com aquela ansiedade, falei: "Bendita ligação!". Ele
pediu que eu fosse ao seu gabinete.
No Ministério da Justiça, ficou na sala de espera.
Luiz Fux - Aí eu passei meia hora rezando tudo o que eu sei de reza
possível e imaginável. Quando ele [Cardozo] abriu a porta, falou: "Você
não vai me dar um abraço? Você é o próximo ministro do Supremo Tribunal
Federal". Foi aí que eu chorei. Extravasei.
De fevereiro de 2011, quando foi indicado, a agosto de 2012, quando
começou o julgamento do mensalão, Fux passou um período tranquilo. Assim
que o processo começou a ser votado, no entanto, o clima mudou.
Para surpresa dos réus, em especial de Dirceu e João Paulo Cunha, ele
foi implacável. Seguiu Joaquim Barbosa, relator do caso e considerado o
mais rigoroso ministro do STF, em cada condenação.
Foi o único magistrado a fazer de seus votos um espelho dos votos de Barbosa. Divergiu dele só uma vez.
Quanto mais Fux seguia Barbosa, mais o fato de ter se reunido com
réus antes do julgamento se espalhava no PT e na comunidade jurídica.
Advogados de SP, Rio e Brasília passaram a comentar o fato com jornalistas.
A raiva dos condenados, e até de Dilma, em relação a Fux chegou às
páginas dos jornais, em forma de notas cifradas em colunas -inclusive da
Folha.
Pelo menos seis ministros do STF já ouviram falar do assunto. E comentaram com terceiros.
Fux passou a ficar incomodado. Conversou com José Sarney, presidente
do Senado. "Sei que a Dilma está chateada comigo, mas eu não prometi
nada." Ele confirma.
Na posse de Joaquim Barbosa, pouco antes de tocar guitarra, abordou o
ex-deputado Sigmaringa Seixas, amigo pessoal de Lula. Cobrou dele o
fato de estarem "espalhando" que prometera absolver os mensaleiros.
Ao perceber que a Folha presenciava a cena, puxou a repórter para um
canto. "Querem me sacanear. O pau vai cantar!", disse. Questionado se
daria declarações oficiais, não respondeu.
Dias depois, um emissário de Fux procurou a Folha para agendar uma entrevista.
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