Viomundo
CASO PINHEIRINHO
Distorções e manipulação na cobertura da Folha de S.Paulo
A remoção forçada dos moradores da Comunidade Pinheirinho, em São
José dos Campos, resultou em denúncias de abuso de autoridade no local e
violação de direitos humanos. Além disso, houve um claro cerceamento à
liberdade de imprensa, ocorrido quando não foi permitido o livre acesso
ao local.
A reintegração teve início na madrugada do dia 22 de janeiro de 2012.
Foram empregados mais de 220 viaturas, 40 cães, 100 cavalos e 300
agentes da prefeitura local para apoio psicológico e social da
população. A Comunidade estava localizada na zona sul da cidade de São
José dos Campos. O município pertence ao estado de São Paulo,
mesorregião do Vale do Paraíba e fica a 94 km da capital paulista.
A desocupação no Pinheirinho é um exemplo de tentativa de
criminalização das periferias pela imprensa, com reflexo na opinião
pública. Trata-se de um assunto de relevância para a compreensão de um
dos maiores massacres ocorridos na região do Vale do Paraíba.
A Comunidade
De acordo com os dados de pesquisa de Andrade (2010, p.73) a data de
fundação de Pinheirinho é de 25 de fevereiro de 2004. Inicialmente havia
aproximadamente 240 famílias e até 2010 o acampamento ficou oito vezes
maior. O terreno pertence a uma massa falida da Selecta S/A, que tem
como proprietário o investidor Naji Nahas conhecido nacionalmente por
irregularidades praticadas no mercado financeiro.
Segundo relatório do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana (Condepe – São Paulo) em 2012 já havia mais de 1.500
famílias morando no bairro. Durante todo o período em que a população
viveu em Pinheirinho esta conheceu várias formas de preconceitos por
parte do setor público municipal. Andrade (2010, p. 76) cita em sua
dissertação de mestrado, realizada entre os anos 2008 e 2010,
depoimentos de algumas moradoras da Comunidade:
Pergunta: Qual a diferença de morar aqui e de morar lá fora?
“[...] se não tiver médico num lugar, a gente não pode ir num outro
postinho. Nos outros bairros também já não aceitavam o Pinheirinho, quer
dizer, tipo assim, uma discriminação, né? A gente sofre este tipo de
coisa. [...] E os lugares que a gente vai as pessoas falam: ‘Por que
você usa luz assim?’ ‘Por que você usa água assim?’ ‘Por que você está
lá naquela terra?’ Eles não entendem a situação da gente” [Cláudia].
Meus filhos estudam em escola do Estado, porque na da prefeitura não
pega. [...] Eles alegam que a gente não tem uma conta de luz, uma conta
de água ou de telefone. [Juliana]
Pergunta: Nos postinhos tem problema?
“Eles não pedem para chamar a gente, não olham na cara da gente.
Ainda mais quando é de Pinheirinho. Chega no pronto-socorro aqui, os
médicos: O que é aquilo, ali? Com aquela cara, olhando. Aí [ pergunta]:
‘Onde você mora?’ [ resposta:] ‘Pinheirinho’. Aí que demora
mesmo!”[Raquel].
Segundo o relatório “A voz das Vítimas”, produzido pelo Condepe
(2012), na véspera da reintegração de posse do terreno, dia 21 de
janeiro (sábado), houve uma concessão de um prazo de 15 dias fixada em
juízo para a negociação entre o governo estadual e federal de uma
proposta de políticas públicas integradas entre o município de São José
dos Campos, o governo do estado de São Paulo e a União para uma solução
fundiária e habitacional para a ocupação.
Com isso a Assembleia dos Moradores festejou naquele mesmo dia a
suspensão da liminar de reintegração de posse. No dia 22 de janeiro o
Supremo Tribunal de Justiça (STJ) validou a desocupação através de uma
liminar emergencial. A ordem expedida pela juíza Márcia Faria Mathey
Loureiro manteve a desapropriação do terreno.
Reintegração de posse
Segundo nota divulgada em 22 de janeiro de 2012 pelo Centro de
Comunicação Social da Polícia Militar ao todo foram encaminhados ao
local mais de 2 mil policiais militares. Foram empregados mais de 220
viaturas, 40 cães, 100 cavalos e 300 agentes da prefeitura local para
apoio psicológico e social da população. Também foram utilizadas duas
aeronaves Águia da Polícia Militar. Segundo a nota foram detidas 16
pessoas e não houve mortes, nem feridos (Polícia Militar-SP, 2012c).
No dia 23 de janeiro uma outra nota foi divulgada pela PM. A nota
esclarece que “a integridade física das pessoas norteou a estratégia
para cumprimento da determinação judicial” (Polícia Militar-SP, 2012b). O
mesmo texto explica que a PM “agiu com o objetivo de restabelecer a
ordem pública” e fez uso “ de técnicas não letais”.
Segundo números registrados no site da polícia militar “até às 18h de
23 de janeiro de 2012 foram apreendidas duas armas de fogo, 1.100
invólucros de maconha e 388 pinos para embalar cocaína, também foram
localizadas três bombas caseira.” A PM também disponibilizou em seu site
um infográfico para compreender a operação em Pinheirinho (Polícia
Militar-SP, 2012a).
O líder da comunidade, Valdir Martins, em entrevista concedida à
autora deste trabalho, deu sua versão dos fatos e fez denúncias contra a
PM de São Paulo:
Aquele vídeo divulgado na internet de um senhor sendo espancado pela
PM, ele morreu de traumatismo craniano. A polícia está sendo processada.
Duas meninas foram estupradas no acampamento, um rapaz foi estuprado
com um cabo de vassoura pela tropa de choque [...].
Foram mais de 600 processos contra o estado de São Paulo por abusos
policiais denunciados e desrespeito à população de Pinheirinho. Várias
entidades defensoras de direitos humanos questionaram a legitimidade da
decisão judicial. O jornalista Aurélio Moraes, do Jornal Nossa Jacareí
publicou um vídeo na Internet em 14 de janeiro de 2012 mostrando de que
maneira os moradores vinham tantando regulamentar o terreno junto a
prefeitura e a tensão no local dias antes da reintegração. (MORAES,
2012).
Alguns veículos de comunicação, como a própria Folha de S.Paulo
denunciaram a Polícia Militar (PM) como cerceadora da liberdade de
imprensa, ocorrido quando não foi permitido o livre acesso ao local de
reintegração, bem como aos alojamentos da prefeitura. Por outro lado,
uma comissão especial da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil de
São José dos Campos aprovou a operação militar no caso Pinheirinho. O
relatório divulgado em junho de 2012 pela 36ª Subseção da Ordem dos
Advogados do Brasil de São José dos Campos descartou violação dos
direitos nas condutas da Polícia Militar, da prefeitura e da Justiça na
reintegração de posse do Pinheirinho. O documento afirma que “os números
nos permitem afirmar com tranquilidade que inexistiu violação dos
direitos humanos na conduta geral da Polícia Militar.” O relatório se
contrapõe à investigação do Condepe, que denunciou violações aos
direitos humanos em março de 2012 (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2012).
O relatório também afirma que “A exploração política e econômica
praticada pelos líderes do movimento contra a população carente que se
instalou no Pinheirinho pode ser outra importante causa do problema, se
não a principal”. Eles acusam líderes da Comunidade, como Valdir
Martins, o Marrom, de vender terrenos dentro do Pinheirinho e lucrar com
a comercialização dos lotes. No mesmo relatório defendem a juíza Márcia
Faria Mathey Loureiro, que autorizou a reintegração de posse. “O feito
obedeceu ao devido processo legal e os réus tiveram direito à mais ampla
defesa e toda sorte de recursos” (ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 2012).
Em entrevista, o líder da Comunidade Pinheirinho, Valdir Martins, se
defende da acusação e comenta o relatório divulgado pela 36ª Subseção da
Ordem dos Advogados do Brasil de São José dos Campos (OAB).
Na verdade nunca houve a comercialização de lotes lá dentro. Esse
presidente da OAB de São José dos Campos já foi pré candidato a
prefeitura da cidade. Ele é do partido do PSDB e fez uma função para o
partido que mandou me acusar sem fundamento… Nunca existiu essa
comercialização! (MARTINS, 2012).
Na madrugada de 22 de janeiro de 2012 dois mil policiais militares
realizaram a reintegração de posse, mas somente na noite do dia 25 de
janeiro a polícia concluiu a reintegração. O portal de notícias R7
denunciou em 27 de janeiro de 2012 as condições dos abrigos
superlotados. Uma das ex-moradoras de Pinheirinho criticou na entrevista
a bolsa aluguel que o Governo do Estado prometeu oferecer aos
desabrigados. Na opinião dela a bolsa é insuficiente para uma família de
10 pessoas como a dela, sendo duas portadoras de necessidades especiais
(BARBEIRO, 2012).
O líder da comunidade, Valdir Martins, disse que a supervalorização
do terreno foi a principal causa da reintegração de posse. Ele também
explicou o que representou a perda do terreno para os ex-moradores:
“Para desocupar uma casa leva-se 48 horas, em Pinheirinho em 72 horas
eles desocuparam 1.843 casas. Para o rico propriedades são fazendas,
iates e apartamentos, para o pobre propriedade às vezes é o próprio
filho, o próprio marido, uma foto, uma cadeira, uma mesa. E agora quem
vai devolver isso? Uma mãe disse para mim: Marrom, a única coisa que eu
tinha de valor não era a casa, a casa eu construo outra, eu tinha um DVD
do meu único filho que morreu aos 8 anos, agora eu nunca mais poderei
vê-lo. As pessoas perderam mais que casas, perderam coisas pessoais,
intimidade, aquele presente que o avô deixou. É comum você encontrar no
terreno ainda fotos, cartas [...] 90% perdeu absolutamente tudo. O que
houve em pinheirinho foi um estupro social, um crime, um massacre!
[...]” (MARTINS, 2012).
A Polícia Militar do estado de São Paulo deixou uma mensagem final
sobre o caso Pinheirinho no site da instituição da PM e explica que “em
seus 180 anos de existência, sempre trabalhou em consonância com o
ordenamento jurídico. E acrescenta que “sua atuação se baliza por três
princípios básicos: respeito integral aos direitos humanos, filosofia de
polícia comunitária e gestão pela qualidade. Por fim, conclui: “Seu
único escopo é o respeito ao cidadão, ao povo brasileiro e às
instituições democráticas. E assim continuará, sempre.”
Repercussão Internacional
O jornal britânico Guardian fez críticas ao governo brasileiro por
meio de um artigo publicado em 24 de janeiro de 2012. O artigo também
questionou a cobertura da grande imprensa e afirmou que os veículos só
deram atenção ao caso quando houve repercussão nas redes sociais. O
jornal critica as ligações históricas dos jornais brasileiros ao poder
político e enfatiza que a imprensa do Brasil falou de Pinheirinho em
“tons suaves”, como por exemplo manchetes destacando uma van de uma TV
incendiada e uma menor atenção para as casas que foram perdidas pelos
moradores (NUNES, 2012).
O processo judicial em torno da posse do terreno é antigo e deve se
prolongar em muitas questões. O defensor público Jairo Salvador, de São
José dos Campos, em entrevista concedida para o Jornal do Brasil em 1º
de fevereiro de 2012, afirma que não há precedentes brasileiros do caso.
“O Pinheirinho é só mais um capítulo do extermínio da pobreza, de uma
cidade que quer se vender como perfeita. Não tem lei em São Paulo. É só
ter força. Cada um cumpre o que quer”. (PSOL…, 2012).
O pesquisador e antropólogo Inácio de Carvalho Dias de Andrade – que
conviveu por três anos na Comunidade Pinheirinho, em depoimento à autora
deste trabalho, afirmou que a força policial teve respaldo da grande
imprensa.
A grande mídia tem um enorme poder em pautar os debates públicos seja
pela abrangência de seus meios ou pelo impacto que pode causar, no
entanto, tanto no caso do Pinheirinho como o da Cracolândia, ela se
ausentou de discutir em profundidade o assunto, suas causas ou outras
soluções possíveis. Isso acontece tanto com grandes veículos que
pretendem passar uma aura de imparcialidade para o leitor, como aqueles,
mais honestos, que assumiram alguma posição nesses casos. Mas o fato é
que, passado todos esses meses, eu não vi nenhuma maior discussão ou
questionamento sobre o destino ou situação daqueles moradores
despejados. O caso paulista é exemplar, mas também poderíamos traçar
analogias aqui com outras ações parecidas no Brasil que não recebem
atenção devida nos noticiários. Existem obras para a Copa do Mundo no
Brasil inteiro nas quais os mesmos problemas vêm ocorrendo. Mesmo o caso
da Hidroelétrica de Belo Monte parece abandonado sem alguma discussão
aprofundada pelos diversos setores da população. No entanto, para que
esse discurso midiático possa ganhar força, ele precisa contar com
respaldo discursivos da sociedade, tais como a associação fácil de
pobreza a desorganização (ANDRADE, 2012.)
A cobertura da Folha de S.Paulo
As notícias coletadas entre os dias 23 e 30 de janeiro chamam
atenção, inicialmente, por dois aspectos: em primeiro lugar pelo excesso
de declaração de autoridades locais e nacionais, e em segundo pela
pouca “voz” dada aos moradores durante a cobertura jornalística.
Logo no primeiro dia de cobertura da reintegração, segunda-feira, 23
de janeiro de 2012, observamos o uso de definidores primários na
cobertura da Folha de S.Paulo. Apenas fontes oficiais deram declarações
sobre o ocorrido na chamada de capa do jornal: Polícia Militar (PM),
assessor da presidência e “planalto”. As pessoas descritas, todas em
cargos institucionais, funcionam como definidores primários, legitimando
a informação. Isso porque, como lembra Hall (Hall et. al. apud PENA,
2004, p.178) as primeiras fontes a serem ouvidas sobre um determinado
assunto é que vão pautar o debate que será feito em torno desse mesmo
assunto na sequencia. Nesse sentido eles definem a angulação e o tom do
debate que segue. As fontes oficiais, portanto, possuem grande
influência na construção da notícia e refletem a pressão exercida dentro
das redações. Além disso refletem a posição editorial, ideológica e
política em defesa do proprietário.
Observamos também a referência negativa aos moradores da comunidade.
“Moradores incendiaram carros e atiraram pedras contra policiais
militares [...]”. A foto da manchete traz uma mensagem sobre a ação
policial: a imagem mostra um PM retirando uma mulher com uma criança de
colo da área de confronto o que remete a ideia de proteção por parte da
polícia. O comportamento da cobertura jornalística revela como os fatos
são construidos subjetivamente. A foto Manchete também revela isso.
Segundo o próprio Manual da Folha de S.Paulo “uma boa foto pode ser mais
expressiva e memorável que uma excelente reportagem”.
A matéria do dia 23 de janeiro, da página C1, com o título “Retirada
de famílias deixa rastro de destruição em São José dos Campos” afirma no
corpo do texto que carros foram incendiados por moradores. “Seis
veículos foram incendiados por moradores, dois deles pertencentes a
empresas de comunicação que acompanhavam a ação.”
O texto não inclui depoimentos dos moradores confirmando esta
acusação. O fato de não trazer a outra versão, mostra o descumprimento
do próprio Manual da Folha de S.Paulo, que diz que quando uma informação
é ofensiva a uma pessoa, o jornal deve ouvir o outro lado e publicar as
duas versões com “destaque proporcional”. O Manual também diz que
quando houver publicação de um texto sem ouvir o outro lado, o jornal
deve tentar ouvir a fonte no dia seguinte sobre o mesmo assunto.
Enquanto o jornal prioriza o depoimento do comandante da polícia nos
primeiros parágrafos, o advogado que representa os moradores, Antonio
Donizete Ferreira, aparece ao final do texto com uma declaração
superficial do ocorrido no dia. Mais uma vez observa-se a preferência
dada aos definidores primários na cobertura do tema.
Na terça-feira, 24 de janeiro de 2012, a Folha traz alguns
depoimentos de ex-moradores de Pinheirinho e revela que alguns querem
voltar para sua terra-natal. Em seguida a reportagem informa que a
prefeitura oferece passagens para quem quiser voltar e que pelo menos 30
aceitaram. Isso representa 0,3% dos 10 mil moradores de Pinheirinho, o
que estatisticamente é um número muito pequeno. O jornal generaliza uma
situação a partir de uma pequena parcela.
Uma nota que evidencia a prioridade por definidores primários está
localizada na página C1 com o título “Decisão do TJ é correta, dizem
especialistas”. O texto desta mesmo edição, 24 de janeiro de 2012,
defende a ideia de que o procedimento de reintegração no Pinheirinho foi
o correto e para comprovar isso a reportagem consulta “especialistas
sobre o tema”. A matéria também diz que a PM agiu corretamente em
obedecer aos magistrados estaduais. A matéria consiste em entrevista com
o professor de direito constitucional da PUC André Ramos Tavares e o
advogado Gustavo Rene Nicolau que confirmaram que dificilmente a
competência do caso à justiça estadual seria revertida.
Analisando esta matéria, podemos remeter ao pensamento de Francisco
José Karam (2004) que diz que a objetividade e a subjetividade estão
intimamente relacionadas no jornalismo. Podemos observar aqui que a
ideia de objetividade é quebrada pelo fato do jornal ter escolhido um
especialista que estivesse de acordo com aquilo que o jornal defende. O
Manual da Folha estabelece que o cruzamento de informação é obtido
cruzando várias fontes para uma informação. “Qualquer informação de cuja
veracidade não se tenha certeza deve ser cruzada.” Ou seja, se a Folha
quisesse estabelecer um debate dentro dos marcos da objetividade, esta
poderia ter ouvido mais especialistas, inclusive com pontos de vista
diferentes.
No mesmo dia 24 de janeiro de 2012, o jornal britânico Guardian,
citado no segundo capítulo deste trabalho, publicou um artigo com
críticas ao governo brasileiro. O artigo questionou a cobertura da mídia
e enfatizou que a imprensa do Brasil falou de Pinheirinho em “tons
suaves”. A Folha de S.Paulo repercutiu uma breve nota sobre a crítica do
jornal britânico três dias depois, em 27 de janeiro. Karam ( 2004)
afirma que “não há um fato e várias opiniões e julgamentos, mas um mesmo
fenômeno e uma pluralidade de fatos, conforme a opinião e o
julgamento.”
Olien, Tichenor e Donohue, são citados por Traquina (2001, p.125).
Escrevem os autores: “A reportagem inicial de um contramovimento no
sistema será geralmente cética se não hostil, e o problema será definido
de acordo com as suas ramificações para as relações de poder
existentes”.
Na quarta-feira, dia 25 de janeiro, a matéria da página C4, “Retirada
de famílias ignora ação social”, traz entrevista com a defensoria
pública do Estado. Segundo a defensoria o atendimento dado aos
ex-moradores é precário e foram encontradas pessoas abrigadas próximas a
viveiro de pombos e fezes de animais. Alguns sem-teto, segundo a
reportagem, preferiram se abrigar em uma igreja. Além disso alguns
ex-moradores disseram que suas casas foram demolidas antes que pudessem
pegar seus pertences. A matéria se refere aos ex-moradores, mas não
acrescenta uma fala de qualquer um deles. Para Felipe Pena (2005) a
decisão de publicar algo ou não depende principalmente de uma política
empresarial.
Uma outra nota desta quarta-feira, 25 de janeiro, afirma que os
sindicatos lideram a resistência que restou no local. A palavra
“invasão” é presente em praticamente todas as matérias informativas
analisadas neste trabalho. A palavra, possui o sentido de ilegalidade e
denota juízo de valor por parte do jornal.
A matéria diz que “grupos de esquerda estão presentes no Pinheirinho
desde o início da „invasão? em 2004, e seus líderes sempre foram
respeitados como porta-vozes da comunidade.” Podemos observar aqui que
“partidos de esquerda” seria uma forma de retirar a legitimidade do
movimento dos moradores, já que estaria a serviço de um partido que luta
pelo poder e quer desgastar quem está no poder.
Na quinta-feira, dia 26 de janeiro de 2012, a foto da capa da Folha
chama atenção: o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, cercado por
manifestantes e protegido por um segurança. O texto da chamada de capa
do Caderno Cotidiano C1 diz que cerca de 800 manifestantes atiraram
pedras e ovos contra o prefeito na saída da missa pelo aniversário da
cidade de São Paulo. O protesto era contra as ações da PM na Cracolândia
e Pinheirinho. Segundo a Folha, o governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin, não compareceu e o prefeito da cidade, Gilberto Kassab lamentou
o ocorrido.
O repórter não entrevistou qualquer manifestante. Com base nos
autores Chomsky e Herman (1997 apud KARAM, 2004, p. 235) o consenso
seria produzido por uma elite a qual é detentora de várias empresas e
possui influência tanto em instituições públicas quanto privadas
vinculadas ao poder político e econômico. A promessa da imprensa liberal
de ser porta voz da democracia fica comprometida, pelo fato de não ter
sido dado espaço para que o “outro lado” falasse, novamente o jornal não
cumpre o próprio manual.
Nesta edição do dia 26 de janeiro, na página C4, a Folha entrevistou o
pedreiro Severino Antonio de Jesus Silva e o ajudante de transportes
Jamerson Conceição dos Santos. Além disso o jornal denunciou o descaso
da prefeitura por não enviar caminhões, ambulância, nem agentes de
trânsito para organizar uma caminhada dos ex-moradores por um trajeto de
4km até um abrigo da prefeitura. Uma mulher grávida desmaiou, mas
segundo a reportagem, foi socorrida por um policial militar.
Na página C5 encontramos uma matéria sobre a polícia ter restringido o
acesso da imprensa durante a operação. Mas esta matéria não tem chamada
de capa e tampouco é destaque de página. O discurso de ações isoladas
como coletivas e a falta de destaque noticioso sobre o cerceamento à
liberdade de imprensa durante a reintegração de posse, comprometem a
falta de isenção do jornal por meio da ocultação de fatos relevantes
para a contextualização do episódio Pinheirinho.
Na sexta-feira, 27 de novembro de 2012, a Folha não fez chamada de
capa sobre o assunto. No entanto, no caderno Cotidiano, há uma página
inteira falando sobre a reintegração. Uma das matérias entrevista a
relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel
Rolnik. Ela criticou as autoridades brasileiras pedindo explicações
sobre o caso.
No sábado, dia 28 de janeiro de 2012, novamente a Folha não fez
chamada de capa sobre Pinheirinho. Há apenas uma matéria na página C7
com o título “Prefeito diz que vai priorizar desabrigados”. Começamos a
observar que a pauta sobre Pinheirinho já não está mais em relevância
como no primeiro dia da cobertura. O pesquisador Inácio de Carvalho Dias
de Andrade em entrevista concedida para este trabalho conclui “Mas o
fato é que, passado todos esses meses, eu não vi nenhuma maior discussão
ou questionamento sobre o destino ou situação daqueles moradores
despejados” (ANDRADE, 2012).
Na edição de domingo, dia 29 de janeiro de 2012, a Folha coloca
abaixo da dobra uma chamada de capa com uma entrevista com o ex-dono de
Pinheirinho. Segundo o próprio site da Folha, o número de tiragem neste
dia é de 320.504 exemplares, enquanto nos dias úteis 292.251 exemplares.
Ou seja, a reportagem de domingo tem muito mais leitores (Folha de
S.Paulo, 2012).
Na página 4 do caderno 2 encontramos a entrevista com Benedito Bento
Filho. Segundo ele Pinheirinho era um jardim antes da “invasão” dos
antigos moradores. Ele diz: “Antes de ser invadido pelos sem teto,
aquilo era lindo, um verdadeiro jardim”.
A reportagem com Benedito Bento Filho, o homem que vendeu a terra a
Naji Nahas, ocupa toda a página do caderno 2. Benedito defende Naji
Nahas afirmando que o empresário é um amigo e um homem muito “digno” e
critica as lideranças dos sem teto. No texto, porém não há qualquer
depoimento com um ex-líder ou ex-ocupante do terreno para gerar um
debate sobre o tema.
O Manual da Folha diz que “nunca participa de campanhas para
enaltecer ou desacreditar pessoas nem serve a interesses particulares de
partido político, grupo ou tendência ideológica”. Silveira (2004) no
entanto reforça a ideia que a imprensa funciona como um instrumento
político da classe dominante para manter o status quo. Nas palavras do
próprio autor “ [...] a produção de notícias trata os fatos como mitos,
evita uma leitura crítica sobre a realidade e busca silenciar os grupos
não conformistas, transformando a imprensa num meio de manipulação
ideológica.”
Considerações finais
Foram identificados elementos de criminalização social e manipulação
da informação por parte do jornal Folha de S.Paulo. O uso de autoridades
como definidores primários reflete a pressão exercida dentro das
redações, além de transparecer a posição editorial, ideológica e
política em defesa do proprietário. O discurso de ações isoladas como
coletivas e a falta de destaque noticiosa sobre o cerceamento à
liberdade de imprensa são outros exemplos de manipulação.
Este trabalho nasceu de uma perturbação: de que maneira a Folha fez a
cobertura do Caso Pinheirinho? Que fontes o veículo utilizou para as
reportagens ? O jornal privilegiou algum lado? E o histórico de
denúncias de estupro, abuso de autoridade no local e violação de
direitos humanos foram pautados pelo veículo? A criticidade na cobertura
do jornal foi aquém do que se esperava.
Foi percebido que os ex-moradores tiveram pouco destaque nas
reportagens, as fontes oficiais são usadas prioritariamente durante toda
a cobertura do jornal. Algumas acusações foram feitas aos ex-moradores
sem ao menos escutá-los. A Folha descumpriu com o próprio Manual quando
afirma que o veículo deve ouvir e publicar as duas versões com “destaque
proporcional”.
Até mesmo o jornal britânico The Guardian questionou a cobertura da
grande imprensa brasileira e afirmou que os veículos só deram atenção ao
caso quando houve repercussão nas redes sociais. O jornal disse que a
imprensa do Brasil usou “tons suaves” para reportar o Caso Pinheirinho.
A cobertura informativa da Folha não mostrou os dois lados
proporcionalmente, principalmente quando permitiu na edição do dia 30 de
janeiro, edição de domingo e de maior peso, uma página inteira para um
ex-proprietário do terreno, Benedito Bento Filho. A página , do caderno
2, destaca sua fala quando diz que o terreno era um jardim, antes da
“invasão” dos sem-teto.
O próprio uso da palavra “invasão” e não “ocupação” também revela
parte da ideologia do veículo. A palavra, possui o sentido de
ilegalidade e denota juízo de valor por parte do jornal. As fotos de
manchete também trouxeram mensagens ideológicas da Folha, como a da capa
no primeiro dia de cobertura.
Somos assim levados a questionamentos sobre a cobertura informativa
da Folha de S.Paulo envolvendo reintegrações de posse e movimentos
sem-teto no país. O veículo seguiria o mesmo padrão jornalístico do Caso
Pinheirinho com outros casos relacionados?
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