Aposentado Invocado
ComTextoLivre. Dilma parece ter descoberto que só vai conseguir mesmo ser ouvida direito na mídia internacional. A qual publicação ela poderia dar uma entrevista sem que se sentisse num terreno francamente hostil? Ao Globo de Merval? À Veja de Reinaldo Azevedo? À Folha de Otavinho? Ao Estadão de Dora Kramer?
Dilma parece ter descoberto que só vai conseguir mesmo ser ouvida direito na mídia internacional
Há algo de muito errado ou na presidenta Dilma ou na mídia brasileira
quando, para dar uma entrevista relevante, ela opta por publicações
estrangeiras, como foi o caso, agora, do Le Monde.
Faça sua escolha.
Imaginemos que Dilma considerasse a mídia brasileira para falar o que pensa sobre a questão da corrupção e do cerco a Lula.
A qual publicação ela poderia dar uma entrevista sem que se sentisse
num terreno francamente hostil? Ao Globo de Merval? À Veja de Reinaldo
Azevedo? À Folha de Otavinho? Ao Estadão de Dora Kramer?
A Petrobras teve que fugir da justiça brasileira e recorrer à justiça
americana para processar Paulo Francis por calúnias, num caso célebre.
Dilma parece ter que fugir da imprensa brasileira para se manifestar.
Ela disse duas coisas importantes sobre o tema da corrupção. A primeira
é óbvia: este é um drama mundial, e não brasileiro. Basta ver os
levantamentos de institutos como a Transparência Internacional. (Nos
últimos dez anos, aliás, a posição do Brasil na lista da TI melhorou.)
A segunda, embora óbvia também, foi parcialmente elíptica. Combater a corrupção não deve se confundir com “caça às bruxas”.
Mais correto teria sido dizer “caça a Lula”.
Se você se deixa levar pelo noticiário da grande imprensa, Lula não
apenas percorreu todos os degraus possíveis da escada da corrupção como
está indiretamente ligado a um assassinato.
É um “mar de lama”, para usar a expressão com que o arquiconservador Carlos Lacerda martelou o governo de Getúlio Vargas.
Vargas criou o voto secreto, que impediu que industriais e fazendeiros
vigiassem se seus empregados votavam em quem eles queriam. Trouxe
também uma legislação trabalhista que deu direitos inéditos a
trabalhadores que se esfolavam de segunda a segunda, sem férias.
Os industriais de então opuseram todo tipo de resistência aos direitos
outorgados por Vargas. Vargas estava aperfeiçoando o capitalismo, assim
como Ted Roosevelt fizera nos Estados Unidos duas décadas antes. Mas
para os industriais brasileiros ele estava “assassinando” o
capitalismo.
De tudo isso, resultou o “mar de lama”, a expressão com a qual os
grandes jornais desestabilizaram o governo de Vargas até levá-lo ao
suicídio, em 1954. O “mar de lama” de Lacerda era tudo – menos uma
vontade genuína de extirpar a corrupção.
O patriotismo pode ser o último refúgio do canalha, como ensinou o
escritor inglês Samuel Johnson. Também o “combate à corrupção”, aspas,
pode ter uso sinistro, como o feito por Lacerda com seu “mar de lama”.
Vargas ainda tentou mitigar o cerco da grande imprensa da época criando
condições para que surgisse um jornal com uma visão menos arcaica e
menos vinculada aos interesses dos ricos, a Última Hora, de Samuel
Wainer. (Wainer seria atacado por Lacerda até pelo fato de ser judeu.)
Mas não foi bastante.
A história parece estar se repetindo. Assim como houve uma caça não à
corrupção mas a Getúlio Vargas, agora o que se tem é uma caça não à
corrupção, e nem às bruxas, mas a Lula.
Dilma fez bem em dizer isso. Foi um gesto parecido com o olhar glacial
que ela endereçou a um sorridente Joaquim Barbosa no enterro de
Niemeyer. É como se ela estivesse dizendo à mídia brasileira: “Vamos
deixar de hipocrisia e farisaísmo. Quem é bonzinho mesmo aí? A família
Marinho? Ah, bom saber.”
Os mais otimistas podem acreditar que por trás da campanha está um
propósito de moralização. Quem é menos romântico sabe que o que no fundo
se deseja é o retorno a tempos em que o BNDES funcionava como
pronto-socorro de empresas quebradas, à custa do contribuinte, e em que
Roberto Marinho designava ministros das Comunicações depois de receber
uma concessão de tevê e financiamentos estatais a juros de mãe.
Não era o capitalismo de Adam Smith, ou de David Ricardo. Era ação
entre amigos. Capitalismo é risco e concorrência – e isso não havia.
As empresas brasileiras tinham reserva de mercado – algo que ainda
existe, por incrível que pareça, para a mídia –, e quem pagava por essa
mamata era a sociedade, obrigada a comprar produtos caros e ruins.
Os discípulos de Lacerda – nenhum com uma fração de seu talento, mas
herdeiros da mesma dose colossal de maldade — continuam a se bater
obstinadamente por um capitalismo que é a negação do capitalismo.
O verdadeiro capitalismo – aquele que é efetivamente sustentável – está
na Escandinávia, nas admiráveis Dinamarcas, Finlândias e Noruegas da
vida, terras libertárias, transparentes, pujantes, empreendedoras,
competitivas, e onde ninguém é melhor que ninguém por causa da conta do
banco.
Paulo Nogueira
No Diário do Centro do Mundo
No Diário do Centro do Mundo
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