André
Singer, cientista político, professor na Universidade de São Paulo e
membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo, faz nesta
entrevista a Teoria e Debate uma primeira avaliação do processo
eleitoral de 2012, tendo como foco a cidade de São Paulo, que pelas
proporções e importância política se destaca no plano nacional. Para o
autor de Os Sentidos do Lulismo, o mapa eleitoral da cidade mostra que
houve realmente uma adesão dos eleitores de baixa renda ao que ele
denominou lulismo
O
processo eleitoral de 2012 em São Paulo se caracterizou como um dos
mais atípicos. Tivemos em noventa dias uma movimentação bastante intensa
nas estimativas de intenções de voto. Qual sua avaliação desse processo
eleitoral?
O
caso de São Paulo se tornou atípico porque o fenômeno Russomano pegou
todo mundo de surpresa. Tenho a impressão de que nem mesmo as campanhas
estavam esperando que um candidato de um partido muito pequeno, como é o
PRB, chegasse a passar um período longo, com o horário eleitoral já
iniciado, à frente nas pesquisas de intenção de voto sem sofrer nenhum
abalo. Ao contrário, Celso Russomano até cresceu, com cerca de 2 minutos
de horário eleitoral gratuito contra dois candidatos com cerca de 7
minutos cada um.
Era
esperado que ele tivesse alguma vantagem no começo, pois é muito
conhecido, elegeu-se ao cargo de deputado federal muito bem votado em
São Paulo, foi candidato a governador na última eleição e, obviamente,
porque tinha um quadro na televisão, Patrulha do Consumidor, bem
popular. Então, existe um fenômeno de recall, as pessoas lembram o nome.
De
um lado, um candidato com muita rejeição, José Serra; de outro, um
candidato pouco conhecido, Fernando Haddad, e Russomano como uma espécie
de efeito memória, ou seja, o eleitor não estava tão inclinado a votar
nele, mas o conhecia mais.
O
fato não foi surpreendente. A surpresa foi ele ter ficado quase um mês,
já iniciado o horário eleitoral, em primeiro lugar, ainda crescendo. E
depois, uma vez que todos já tinham se acostumado com a ideia de que ele
iria para o segundo turno, foi uma enorme surpresa ele ter caído tanto
em pouquíssimos dias, a ponto de ficar em terceiro lugar. O que tornou o
processo eleitoral de São Paulo atípico foram essas duas surpresas, as
duas relacionadas à candidatura Russomano.
Não
sendo isso, o quadro era razoavelmente previsível: o candidato do PSDB
com dificuldades, tendo em vista a forte rejeição à gestão que estava
terminando, de Kassab, um prefeito ligado a Serra; por outro lado, um
candidato do PT pouco conhecido, que precisaria de um tempo longo de
exposição, sobretudo no horário eleitoral, para se tornar conhecido.
E a queda de Russomano se deu porque ele não tinha tempo de televisão?
É
difícil afirmar categoricamente porque seriam necessários mais dados e
pesquisas mais aprofundadas. Mas a hipótese que parece mais plausível
nesse momento é que ele tenha caído em função da proposta de mudança na
cobrança do transporte público – as pessoas que viajassem mais tempo
pagariam proporcionalmente mais do que as que fizessem percursos mais
curtos. Aparentemente esse foi o dado que o derrubou a ponto de não ir
para o segundo turno.
É
preciso dizer que, não obstante essa queda abrupta, ele acabou tendo
22% dos votos no primeiro turno, o que não é pouco. Em uma cidade como
São Paulo, com um colégio eleitoral praticamente do tamanho de Portugal,
foi um resultado que faz dele um personagem que provavelmente
continuará com alguma relevância na política paulistana e, talvez,
paulista.
O que explica o fato de uma eleição municipal em São Paulo extrapolar para o plano nacional?
Uma
cidade com um colégio eleitoral excepcionalmente grande, com um
orçamento também muito grande, tem um peso político desproporcional. No
caso das eleições municipais no Brasil, eu diria que há todas e a de São
Paulo. Evidentemente, São Paulo não é a capital administrativa do país,
mas é hoje a capital que tem maior peso político.
Assim, as questões políticas acabam tendo grande peso na eleição?
Curiosamente,
sim e não. A cidade tem muito peso político e a eleição local tem
repercussão nacional e até internacional, mas a eleição propriamente não
é completamente nacionalizada. O eleitor sabe que está votando em
alguém que vai cuidar das questões da cidade. Não é, por exemplo, um
voto contra ou a favor do governo federal, como se pode pensar.
Há
algum tempo, as eleições municipais no Brasil têm sido tratadas da
seguinte forma: se o candidato do governo federal ganha em São Paulo
diz-se que o governo federal ganhou e, se perde, quem perde é o governo
federal. Isso é um erro, porque o eleitor não está votando desse modo. A
eleição, embora tenha repercussão nacional, não é nacionalizada. Em
2012, o eleitor paulistano votou, assim como ocorreu na grande maioria
das capitais, em boa medida contra a gestão do prefeito que está
terminando o mandato.
Prefeitos bem avaliados se reelegem e elegem sucessores?
Isso.
E foram poucos os casos claros de sucesso da gestão atual, praticamente
apenas três: Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Isso no primeiro turno?
Quando
vai para o segundo turno, mostra que o candidato já tem certa
dificuldade. Também Belo Horizonte não foi fácil para o candidato do
Aécio ganhar, pois o Patrus Ananias (PT) foi muito bem. Porto Alegre e
Rio de Janeiro foram casos de nítido sucesso do prefeito atual, mas
foram exceções à regra. De modo geral, os prefeitos tiveram muita
dificuldade nesta eleição, tanto os que estavam se candidatando à
reeleição quanto os que tentaram apoiar algum candidato.
Em algumas capitais nem sequer quiseram disputar, optaram por não se candidatar, como em Natal e Manaus.
Quando
há um quadro generalizado de insatisfação, má avaliação, significa que
não é por característica específica de uma ou outra gestão. Eu acredito
que uma explicação possível é a mudança da conjuntura econômica. Em 2008
foi uma eleição mais de situação local. Ou seja, houve maior facilidade
para os que estavam no cargo se reeleger ou eleger o sucessor. Em 2008,
vínhamos de uma sequência de crescimento econômico muito forte, 7% em
2006, 5% em 2007. Caminhávamos para quase 8%, em 2008, o que não se
concretizou porque a crise econômica mundial bateu justamente em
setembro. Então acabou o ano e o aumento do PIB fechou em 5%, mas no
momento da eleição a economia ainda estava girando muito forte. Foi
caindo mais para o final do ano e terminou dando naquela recessão em
2009, em que o PIB caiu 0,6%.
Os
prefeitos que tomaram posse em janeiro de 2009 enfrentaram uma situação
de retração econômica. Depois houve uma retomada forte em 2010. No
gráfico, desenha-se um V, queda abrupta e subida abrupta. Depois, dois
anos de crescimento muito baixo, 2011 e 2012. Vamos fechar com menos de
2%, provavelmente, esse primeiro biênio do governo Dilma. Isso significa
baixa da arrecadação e prefeitos com pouco dinheiro.
Nas
cidades maiores havia certa insatisfação com relação a diversos
serviços. A questão do transporte urbano, por exemplo. A própria maneira
pela qual se combateu a crise econômica em parte foi ativando a
indústria automobilística. Aumentou o financiamento para compra de carro
próprio, houve redução do IPI para os automóveis e, portanto,
acelerou-se a venda de carros. O que do ponto de vista econômico foi
correto, do ponto de vista urbano travou as cidades. São Paulo é um caso
conhecido de trânsito muito difícil, mas eu ouço falar de outras
capitais também.
As
cidades pararam, e isso causa transtornos significativos porque, se já
havia pessoas que levavam três horas na ida e volta para o trabalho, por
exemplo, imagino que agora possam estar levando cinco. É uma perda em
termos materiais, de qualidade de vida e de tempo para outras coisas
muito significativa.
Também
há novas exigências na área da saúde. Há uma pressão para que os
serviços de saúde tenham exames mais sofisticados, mais rápidos e um
atendimento a altura do avanço da própria medicina. Isso talvez seja, em
parte, resultado da própria ascensão econômica de certas camadas da
população, que melhoraram sua condição de vida e buscam atendimento
compatível com a nova situação.
Exemplo disso é o caso da mamografia. Campanhas de combate ao câncer de mama estimulam a mulher a fazer o exame todo ano.
Esse
é um ótimo exemplo também... As pessoas buscam e, em não tendo,
reclamam. Uma terceira coisa também é a piora da questão da segurança
pública. Os índices de criminalidade parecem estar aumentando e há uma
sensação de insegurança urbana.
Qual sua análise do mapa de votação em São Paulo?
Para
mim, o mapa eleitoral de São Paulo é a confirmação de que o
realinhamento está funcionando conforme eu previa. Ou seja, houve
realmente uma adesão dos eleitores de baixa renda ao que eu chamo
delulismo. Fernando Haddad se apresentou na campanha como candidato do
lulismo, até pela própria importância do apoio do ex-presidente Lula a
ele, e Serra, junto com o PSDB, se mantém como um candidato da classe
média.
Isso
para mim é uma demonstração de uma polarização social forte que estamos
vivendo desde 2006. No caso de São Paulo é interessante, cada partido
tem sua base e tem um eleitorado que oscila, que decide a eleição, que
tem decidido um pouco por aprovação ou reprovação da gestão anterior.
Uma exceção à regra foi justamente o final da gestão Marta, porque ela
estava bem avaliada. A campanha melhorou a avaliação dela em 2004 e,
mesmo assim, ela perdeu por uma margem pequena.
Um
dado novo importante para notar com relação à eleição de 2012 em São
Paulo é que pela primeira vez o PT ganhou na cidade sem o apoio do PSDB.
Em 2000, a vitória de Marta, apoiada por Mario Covas, foi contra Maluf.
Em 1988, não havia segundo turno, então houve como uma espécie de
percepção, até pelas pesquisas, de que Luiza Erundina tinha mais chances
que Serra. Assim, o eleitorado mais próximo do PSDB decidiu votar nela,
que venceu com 36%.
Então,
agora é uma grande vitória do lulismo, porque é uma vitória sozinho. A
vitória não dependeu do apoio do PSDB, ao contrário, derrotou o partido.
Volto
a dizer: o eleitor não pensa assim, mas o efeito político é relevante.
Foi uma importante vitória do lulismo contra seu principal adversário,
que é o PSDB.
Em outras capitais, é possível avaliar a influência do lulismo?
Não
conheço todas, mas das que tenho notícias todas confirmam o mesmo
perfil. Mesmo, por exemplo, em Salvador, onde o PT perdeu, a votação de
Nelson Pellegrino veio das periferias. Gustavo Fruet, em Curitiba, que
fez uma aliança com o PT, com o lulismo, ganhou, em boa medida, porque o
lulismo foi capaz de levar para ele o voto da periferia, que ele não
tinha.
O
caso de uma cidade que não é capital, mas é uma cidade grande. Em
Campinas, a votação de Marcio Pochmann veio da periferia também. A
polarização social em torno do lulismo, do PT contra os candidatos do
PSDB, ou de outros partidos que estão, são, ou acabam sendo
representantes do PSDB, parece ser regra. Em Belo Horizonte, Curitiba e
Campinas, os candidatos do PSB são, na verdade, candidatos apoiados pelo
PSDB.
O julgamento da Ação Penal 470 teve influência no processo eleitoral, onde e em que medida?
Eu
acho que sim. Acompanhei mais o caso de São Paulo e, quando mais ou
menos se configurou uma tendência de condenação dos que estavam sendo
acusados, Fernando Haddad perdeu alguns pontos na pesquisa. Depois,
recuperou, mas houve uma pequena queda antes da reta final do primeiro
turno. Eu acredito que provavelmente teve impacto na classe média. É
provável que também tenha ocorrido o mesmo em outros lugares.
Como
justamente o lulismo não é uma corrente, o PT não é um partido mais de
classe média, é um partido de eleitores mais pobres, então o impacto é
menor, porque esse eleitorado não prioriza essa questão. O impacto
acabou se diluindo, sobretudo, em situações de segundo turno, como em
São Paulo, em que passado o primeiro turno ficou muito claro que os
eleitores da periferia decidiram votar em Fernando Haddad e não mudaram
mais de decisão até o fim da eleição. Parece indicar uma decisão firme
de derrotar o candidato do PSDB.
Você
acredita que a eleição de Fernando Haddad pode influenciar uma
reorganização interna do PT? Ou suscitar um debate sobre renovação?
Independentemente
do que o partido venha a discutir a respeito, sua vitória já é um
fenômeno de renovação. E, curiosamente, isso se verificou também em
outros setores. Três políticos de uma nova geração se destacaram nesta
eleição. Fernando Haddad, Aécio Neves, que apesar das dificuldades
conseguiu vencer a eleição em Belo Horizonte – e com a derrota de Serra
passa a ser o mais provável candidato do PSDB à Presidência –, e Eduardo
Campos, que se projetou porque o PSB teve um crescimento significativo,
embora em muitos dos casos em aliança com o PSDB. Em Belo Horizonte,
por exemplo, a vitória formal foi do PSB, mas deve ser contabilizada
para o PSDB.
Mesmo
levando em consideração que as vitórias do PSB foram em aliança, em
muitos casos com o PSDB, o fato é que a legenda cresceu. Inclusive
derrotou o PT em duas cidades importantes, Recife e Fortaleza, onde não
acredito que tenha havido peso do PSDB.
Então,
são três políticos jovens que se destacaram. Aécio e Campos já tinha
alguma projeção e cresceram, Haddad, como prefeito de São Paulo,
imediatamente ganha estatura nacional. É importante mencionar ainda a
vitória de ACM Neto, em Salvador. Ele tem 33 anos e também é herdeiro de
uma longa tradição política.
A renovação se dá não necessariamente pela faixa etária, mas esses nomes são jovens em relação aos que estão no poder.
Houve
certa renovação do panorama político nacional, que provavelmente também
terá impacto sobre o PT, obviamente, porque uma das figuras é do PT e
porque também faz parte de um processo natural de mudança geracional.
Você mencionou a aliança de PSDB com PSB. O que aconteceu nesta eleição pode se repetir em 2014?
Eu
acho que Eduardo Campos articulou uma estratégia para colocar sua
candidatura. No que isso vai resultar ninguém sabe, nem ele. Muita coisa
vai acontecer nesses dois anos, mas o fato é que ele está em situação
que pode negociar várias coisas. Pode reivindicar, eventualmente, ser
vice em uma candidatura liderada pelo PT, ou certamente será muito
cortejado pelo PSDB. Em política, dois anos é muito tempo. No quadro
atual, a situação é melhor para o PT e para o projeto lulista, a
oposição está fragilizada para 2014.
Em que medida os resultados desta eleição têm influência no governo Dilma, ou na oposição ao governo Dilma?
Eleição
municipal no Brasil não tem impacto direto sobre o nível nacional,
normalmente não tem impacto imediato. Relativamente, o projeto do
governo, sobretudo em função da vitória de São Paulo, que tem um peso
que desequilibra todo o resto, saiu-se bem desta eleição, e portanto
está fortalecido. A candidatura de Fernando Haddad colou muito no
projeto do governo federal, propôs-se a trazer para São Paulo os
benefícios que estão sendo levados para o Brasil.
Mesmo
que não seja possível afirmar que o voto em Fernando Haddad tenha sido
em apoio ao governo federal – não dá para fazer essa extrapolação –, o
fato é que sua campanha foi muito colada no programa nacional, e
portanto sua vitória fortalece o projeto do governo federal.
Esse
projeto sai fortalecido e, se as condições econômicas melhorarem, e há
sinais de que podem melhorar nos próximos dois anos, as possibilidades
de continuidade desse projeto são boas.
Você chegou a fazer alguma análise sobre votos brancos e nulos e também as abstenções?
Há
um aumento da abstenção e há um aumento de votos brancos e nulos, além
do que houve problema com os cadastros, o que figura como abstenção.
Há
uma tendência geral, lenta mas constante – e por isso é um ponto para
prestar atenção –, de insatisfação com os partidos de modo geral,
descrédito da política, de maneira ampla. Esse é um fenômeno
generalizado nas democracias mais antigas. Ou seja, em todos os países, a
tendência está sendo de esvaziamento dos partidos e de afastamento das
instituições. Evidentemente, do ponto de vista democrático, isso não é
bom. No caso brasileiro, não é uma crise absoluta de democracia, mas é
uma situação na qual é necessário prestar atenção, porque é uma
tendência contínua.
Os
partidos deveriam fazer uma reciclagem, um reposicionamento, no sentido
de reverter essa situação de desideologização. Todos estão visivelmente
no caminho que começou em 1994 com Fernando Henrique, com a decisão de
fazer aliança com o PFL, depois continuou com o PT, na aliança com o
Partido Liberal, em 2002, e prossegue na linha de que todas as alianças
são aceitáveis.
A
política democrática é um jogo relacional, não é um jogo de solitário.
Faz parte da essência da democracia competir com alguém, discutir com
alguém. Portanto, criticar alguém e ser criticado por alguém. Se eu me
alio a uma pessoa com a qual ontem eu estava divergindo, as críticas
perdem a credibilidade, as afirmações que se fazem na política começam a
perder substância. Isso contribui para esse movimento geral de
esvaziamento dos partidos, da política e da própria política
democrática.
Está
em jogo o futuro da democracia brasileira. Cria-se uma espécie de
círculo vicioso: à medida que setores crescentes da sociedade
desacreditam, a política começa a girar em torno dela mesma; girando em
torno dela mesma, maior é a tendência de desacreditá-la, porque de fato
se afasta da sociedade, torna-se um jogo de profissionais.
Há espaço para retomar a discussão sobre a reforma política?
Não
tenho capacidade de avaliar quanto o Parlamento seria sensível a isso,
porque é aquela velha história: os parlamentares que lá estão foram
eleitos por essas regras. Então, é possível que as chances sejam baixas,
se eles pensarem apenas nos próprios interesses. Mas é indispensável
que a sociedade se mobilize em torno de uma reforma política.
O
julgamento da Ação Penal 470 demonstra com toda clareza a necessidade
que temos de caminhar no sentido de financiamento público de campanha. É
muito importante mudar a maneira de lidar com as eleições no Brasil e
diminuir a influência do poder econômico. São elementos fundamentais
para tentar reverter esse processo de esvaziamento da política.
Publicada originalmente na Teoria e Debate
André Singer, cientista político,
professor na Universidade de São Paulo e membro do Conselho Curador da
Fundação Perseu Abramo, faz nesta entrevista a Teoria e Debate uma
primeira avaliação do processo eleitoral de 2012, tendo como foco a
cidade de São Paulo, que pelas proporções e importância política se
destaca no plano nacional. Para o autor de Os Sentidos do Lulismo, o
mapa eleitoral da cidade mostra que houve realmente uma adesão dos
eleitores de baixa renda ao que ele denominou lulismo. A entrevista foi
concedida à editora da revista, Rose Spina.
O processo eleitoral de 2012 em
São Paulo se caracterizou como um dos mais atípicos. Tivemos em noventa
dias uma movimentação bastante intensa nas estimativas de intenções de
voto. Qual sua avaliação desse processo eleitoral?
O caso de São Paulo se tornou atípico
porque o fenômeno Russomano pegou todo mundo de surpresa. Tenho a
impressão de que nem mesmo as campanhas estavam esperando que um
candidato de um partido muito pequeno, como é o PRB, chegasse a passar
um período longo, com o horário eleitoral já iniciado, à frente nas
pesquisas de intenção de voto sem sofrer nenhum abalo. Ao contrário,
Celso Russomano até cresceu, com cerca de 2 minutos de horário eleitoral
gratuito contra dois candidatos com cerca de 7 minutos cada um.
Era esperado que ele tivesse alguma
vantagem no começo, pois é muito conhecido, elegeu-se ao cargo de
deputado federal muito bem votado em São Paulo, foi candidato a
governador na última eleição e, obviamente, porque tinha um quadro na
televisão, Patrulha do Consumidor, bem popular. Então, existe um
fenômeno de recall, as pessoas lembram o nome.
De um lado, um candidato com muita
rejeição, José Serra; de outro, um candidato pouco conhecido, Fernando
Haddad, e Russomano como uma espécie de efeito memória, ou seja, o
eleitor não estava tão inclinado a votar nele, mas o conhecia mais.
O fato não foi surpreendente. A surpresa
foi ele ter ficado quase um mês, já iniciado o horário eleitoral, em
primeiro lugar, ainda crescendo. E depois, uma vez que todos já tinham
se acostumado com a ideia de que ele iria para o segundo turno, foi uma
enorme surpresa ele ter caído tanto em pouquíssimos dias, a ponto de
ficar em terceiro lugar. O que tornou o processo eleitoral de São Paulo
atípico foram essas duas surpresas, as duas relacionadas à candidatura
Russomano.
Não sendo isso, o quadro era
razoavelmente previsível: o candidato do PSDB com dificuldades, tendo em
vista a forte rejeição à gestão que estava terminando, de Kassab, um
prefeito ligado a Serra; por outro lado, um candidato do PT pouco
conhecido, que precisaria de um tempo longo de exposição, sobretudo no
horário eleitoral, para se tornar conhecido.
E a queda de Russomano se deu porque ele não tinha tempo de televisão?
É difícil afirmar categoricamente porque
seriam necessários mais dados e pesquisas mais aprofundadas. Mas a
hipótese que parece mais plausível nesse momento é que ele tenha caído
em função da proposta de mudança na cobrança do transporte público – as
pessoas que viajassem mais tempo pagariam proporcionalmente mais do que
as que fizessem percursos mais curtos. Aparentemente esse foi o dado que
o derrubou a ponto de não ir para o segundo turno.
É preciso dizer que, não obstante essa
queda abrupta, ele acabou tendo 22% dos votos no primeiro turno, o que
não é pouco. Em uma cidade como São Paulo, com um colégio eleitoral
praticamente do tamanho de Portugal, foi um resultado que faz dele um
personagem que provavelmente continuará com alguma relevância na
política paulistana e, talvez, paulista.
O que explica o fato de uma eleição municipal em São Paulo extrapolar para o plano nacional?
Uma cidade com um colégio eleitoral
excepcionalmente grande, com um orçamento também muito grande, tem um
peso político desproporcional. No caso das eleições municipais no
Brasil, eu diria que há todas e a de São Paulo. Evidentemente, São Paulo
não é a capital administrativa do país, mas é hoje a capital que tem
maior peso político.
Assim, as questões políticas acabam tendo grande peso na eleição?
Curiosamente, sim e não. A cidade tem
muito peso político e a eleição local tem repercussão nacional e até
internacional, mas a eleição propriamente não é completamente
nacionalizada. O eleitor sabe que está votando em alguém que vai cuidar
das questões da cidade. Não é, por exemplo, um voto contra ou a favor do
governo federal, como se pode pensar.
Há algum tempo, as eleições municipais
no Brasil têm sido tratadas da seguinte forma: se o candidato do governo
federal ganha em São Paulo diz-se que o governo federal ganhou e, se
perde, quem perde é o governo federal. Isso é um erro, porque o eleitor
não está votando desse modo. A eleição, embora tenha repercussão
nacional, não é nacionalizada. Em 2012, o eleitor paulistano votou,
assim como ocorreu na grande maioria das capitais, em boa medida contra a
gestão do prefeito que está terminando o mandato.
Prefeitos bem avaliados se reelegem e elegem sucessores?
Isso. E foram poucos os casos claros de
sucesso da gestão atual, praticamente apenas três: Porto Alegre, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro.
Isso no primeiro turno?
Quando vai para o segundo turno, mostra
que o candidato já tem certa dificuldade. Também Belo Horizonte não foi
fácil para o candidato do Aécio ganhar, pois o Patrus Ananias (PT) foi
muito bem. Porto Alegre e Rio de Janeiro foram casos de nítido sucesso
do prefeito atual, mas foram exceções à regra. De modo geral, os
prefeitos tiveram muita dificuldade nesta eleição, tanto os que estavam
se candidatando à reeleição quanto os que tentaram apoiar algum
candidato.
Em algumas capitais nem sequer quiseram disputar, optaram por não se candidatar, como em Natal e Manaus.
Quando há um quadro generalizado de
insatisfação, má avaliação, significa que não é por característica
específica de uma ou outra gestão. Eu acredito que uma explicação
possível é a mudança da conjuntura econômica. Em 2008 foi uma eleição
mais de situação local. Ou seja, houve maior facilidade para os que
estavam no cargo se reeleger ou eleger o sucessor. Em 2008, vínhamos de
uma sequência de crescimento econômico muito forte, 7% em 2006, 5% em
2007. Caminhávamos para quase 8%, em 2008, o que não se concretizou
porque a crise econômica mundial bateu justamente em setembro. Então
acabou o ano e o aumento do PIB fechou em 5%, mas no momento da eleição a
economia ainda estava girando muito forte. Foi caindo mais para o final
do ano e terminou dando naquela recessão em 2009, em que o PIB caiu
0,6%.
Os prefeitos que tomaram posse em
janeiro de 2009 enfrentaram uma situação de retração econômica. Depois
houve uma retomada forte em 2010. No gráfico, desenha-se um V, queda
abrupta e subida abrupta. Depois, dois anos de crescimento muito baixo,
2011 e 2012. Vamos fechar com menos de 2%, provavelmente, esse primeiro
biênio do governo Dilma. Isso significa baixa da arrecadação e prefeitos
com pouco dinheiro.
Nas cidades maiores havia certa
insatisfação com relação a diversos serviços. A questão do transporte
urbano, por exemplo. A própria maneira pela qual se combateu a crise
econômica em parte foi ativando a indústria automobilística. Aumentou o
financiamento para compra de carro próprio, houve redução do IPI para os
automóveis e, portanto, acelerou-se a venda de carros. O que do ponto
de vista econômico foi correto, do ponto de vista urbano travou as
cidades. São Paulo é um caso conhecido de trânsito muito difícil, mas eu
ouço falar de outras capitais também.
As cidades pararam, e isso causa
transtornos significativos porque, se já havia pessoas que levavam três
horas na ida e volta para o trabalho, por exemplo, imagino que agora
possam estar levando cinco. É uma perda em termos materiais, de
qualidade de vida e de tempo para outras coisas muito significativa.
Também há novas exigências na área da
saúde. Há uma pressão para que os serviços de saúde tenham exames mais
sofisticados, mais rápidos e um atendimento a altura do avanço da
própria medicina. Isso talvez seja, em parte, resultado da própria
ascensão econômica de certas camadas da população, que melhoraram sua
condição de vida e buscam atendimento compatível com a nova situação.
Exemplo disso é o caso da mamografia. Campanhas de combate ao câncer de mama estimulam a mulher a fazer o exame todo ano.
Esse é um ótimo exemplo também... As
pessoas buscam e, em não tendo, reclamam. Uma terceira coisa também é a
piora da questão da segurança pública. Os índices de criminalidade
parecem estar aumentando e há uma sensação de insegurança urbana.
Qual sua análise do mapa de votação em São Paulo?
Para mim, o mapa eleitoral de São Paulo é
a confirmação de que o realinhamento está funcionando conforme eu
previa. Ou seja, houve realmente uma adesão dos eleitores de baixa renda
ao que eu chamo delulismo. Fernando Haddad se apresentou na campanha
como candidato do lulismo, até pela própria importância do apoio do
ex-presidente Lula a ele, e Serra, junto com o PSDB, se mantém como um
candidato da classe média.
Isso para mim é uma demonstração de uma
polarização social forte que estamos vivendo desde 2006. No caso de São
Paulo é interessante, cada partido tem sua base e tem um eleitorado que
oscila, que decide a eleição, que tem decidido um pouco por aprovação ou
reprovação da gestão anterior. Uma exceção à regra foi justamente o
final da gestão Marta, porque ela estava bem avaliada. A campanha
melhorou a avaliação dela em 2004 e, mesmo assim, ela perdeu por uma
margem pequena.
Um dado novo importante para notar com
relação à eleição de 2012 em São Paulo é que pela primeira vez o PT
ganhou na cidade sem o apoio do PSDB. Em 2000, a vitória de Marta,
apoiada por Mario Covas, foi contra Maluf. Em 1988, não havia segundo
turno, então houve como uma espécie de percepção, até pelas pesquisas,
de que Luiza Erundina tinha mais chances que Serra. Assim, o eleitorado
mais próximo do PSDB decidiu votar nela, que venceu com 36%.
Então, agora é uma grande vitória do
lulismo, porque é uma vitória sozinho. A vitória não dependeu do apoio
do PSDB, ao contrário, derrotou o partido.
Volto a dizer: o eleitor não pensa
assim, mas o efeito político é relevante. Foi uma importante vitória do
lulismo contra seu principal adversário, que é o PSDB.
Em outras capitais, é possível avaliar a influência do lulismo?
Não conheço todas, mas das que tenho
notícias todas confirmam o mesmo perfil. Mesmo, por exemplo, em
Salvador, onde o PT perdeu, a votação de Nelson Pellegrino veio das
periferias. Gustavo Fruet, em Curitiba, que fez uma aliança com o PT,
com o lulismo, ganhou, em boa medida, porque o lulismo foi capaz de
levar para ele o voto da periferia, que ele não tinha.
O caso de uma cidade que não é capital,
mas é uma cidade grande. Em Campinas, a votação de Marcio Pochmann veio
da periferia também. A polarização social em torno do lulismo, do PT
contra os candidatos do PSDB, ou de outros partidos que estão, são, ou
acabam sendo representantes do PSDB, parece ser regra. Em Belo
Horizonte, Curitiba e Campinas, os candidatos do PSB são, na verdade,
candidatos apoiados pelo PSDB.
O julgamento da Ação Penal 470 teve influência no processo eleitoral, onde e em que medida?
Eu acho que sim. Acompanhei mais o caso
de São Paulo e, quando mais ou menos se configurou uma tendência de
condenação dos que estavam sendo acusados, Fernando Haddad perdeu alguns
pontos na pesquisa. Depois, recuperou, mas houve uma pequena queda
antes da reta final do primeiro turno. Eu acredito que provavelmente
teve impacto na classe média. É provável que também tenha ocorrido o
mesmo em outros lugares.
Como justamente o lulismo não é uma
corrente, o PT não é um partido mais de classe média, é um partido de
eleitores mais pobres, então o impacto é menor, porque esse eleitorado
não prioriza essa questão. O impacto acabou se diluindo, sobretudo, em
situações de segundo turno, como em São Paulo, em que passado o primeiro
turno ficou muito claro que os eleitores da periferia decidiram votar
em Fernando Haddad e não mudaram mais de decisão até o fim da eleição.
Parece indicar uma decisão firme de derrotar o candidato do PSDB.
Você acredita que a eleição de
Fernando Haddad pode influenciar uma reorganização interna do PT? Ou
suscitar um debate sobre renovação?
Independentemente do que o partido venha
a discutir a respeito, sua vitória já é um fenômeno de renovação. E,
curiosamente, isso se verificou também em outros setores. Três políticos
de uma nova geração se destacaram nesta eleição. Fernando Haddad, Aécio
Neves, que apesar das dificuldades conseguiu vencer a eleição em Belo
Horizonte – e com a derrota de Serra passa a ser o mais provável
candidato do PSDB à Presidência –, e Eduardo Campos, que se projetou
porque o PSB teve um crescimento significativo, embora em muitos dos
casos em aliança com o PSDB. Em Belo Horizonte, por exemplo, a vitória
formal foi do PSB, mas deve ser contabilizada para o PSDB.
Mesmo levando em consideração que as
vitórias do PSB foram em aliança, em muitos casos com o PSDB, o fato é
que a legenda cresceu. Inclusive derrotou o PT em duas cidades
importantes, Recife e Fortaleza, onde não acredito que tenha havido peso
do PSDB.
Então, são três políticos jovens que se
destacaram. Aécio e Campos já tinha alguma projeção e cresceram, Haddad,
como prefeito de São Paulo, imediatamente ganha estatura nacional. É
importante mencionar ainda a vitória de ACM Neto, em Salvador. Ele tem
33 anos e também é herdeiro de uma longa tradição política.
A renovação se dá não necessariamente pela faixa etária, mas esses nomes são jovens em relação aos que estão no poder.
Houve certa renovação do panorama
político nacional, que provavelmente também terá impacto sobre o PT,
obviamente, porque uma das figuras é do PT e porque também faz parte de
um processo natural de mudança geracional.
Você mencionou a aliança de PSDB com PSB. O que aconteceu nesta eleição pode se repetir em 2014?
Eu acho que Eduardo Campos articulou uma
estratégia para colocar sua candidatura. No que isso vai resultar
ninguém sabe, nem ele. Muita coisa vai acontecer nesses dois anos, mas o
fato é que ele está em situação que pode negociar várias coisas. Pode
reivindicar, eventualmente, ser vice em uma candidatura liderada pelo
PT, ou certamente será muito cortejado pelo PSDB. Em política, dois anos
é muito tempo. No quadro atual, a situação é melhor para o PT e para o
projeto lulista, a oposição está fragilizada para 2014.
Em que medida os resultados desta eleição têm influência no governo Dilma, ou na oposição ao governo Dilma?
Eleição municipal no Brasil não tem
impacto direto sobre o nível nacional, normalmente não tem impacto
imediato. Relativamente, o projeto do governo, sobretudo em função da
vitória de São Paulo, que tem um peso que desequilibra todo o resto,
saiu-se bem desta eleição, e portanto está fortalecido. A candidatura de
Fernando Haddad colou muito no projeto do governo federal, propôs-se a
trazer para São Paulo os benefícios que estão sendo levados para o
Brasil.
Mesmo que não seja possível afirmar que o
voto em Fernando Haddad tenha sido em apoio ao governo federal – não dá
para fazer essa extrapolação –, o fato é que sua campanha foi muito
colada no programa nacional, e portanto sua vitória fortalece o projeto
do governo federal.
Esse projeto sai fortalecido e, se as
condições econômicas melhorarem, e há sinais de que podem melhorar nos
próximos dois anos, as possibilidades de continuidade desse projeto são
boas.
Você chegou a fazer alguma análise sobre votos brancos e nulos e também as abstenções?
Há um aumento da abstenção e há um
aumento de votos brancos e nulos, além do que houve problema com os
cadastros, o que figura como abstenção.
Há uma tendência geral, lenta mas
constante – e por isso é um ponto para prestar atenção –, de
insatisfação com os partidos de modo geral, descrédito da política, de
maneira ampla. Esse é um fenômeno generalizado nas democracias mais
antigas. Ou seja, em todos os países, a tendência está sendo de
esvaziamento dos partidos e de afastamento das instituições.
Evidentemente, do ponto de vista democrático, isso não é bom. No caso
brasileiro, não é uma crise absoluta de democracia, mas é uma situação
na qual é necessário prestar atenção, porque é uma tendência contínua.
Os partidos deveriam fazer uma
reciclagem, um reposicionamento, no sentido de reverter essa situação de
desideologização. Todos estão visivelmente no caminho que começou em
1994 com Fernando Henrique, com a decisão de fazer aliança com o PFL,
depois continuou com o PT, na aliança com o Partido Liberal, em 2002, e
prossegue na linha de que todas as alianças são aceitáveis.
A política democrática é um jogo
relacional, não é um jogo de solitário. Faz parte da essência da
democracia competir com alguém, discutir com alguém. Portanto, criticar
alguém e ser criticado por alguém. Se eu me alio a uma pessoa com a qual
ontem eu estava divergindo, as críticas perdem a credibilidade, as
afirmações que se fazem na política começam a perder substância. Isso
contribui para esse movimento geral de esvaziamento dos partidos, da
política e da própria política democrática.
Está em jogo o futuro da democracia
brasileira. Cria-se uma espécie de círculo vicioso: à medida que setores
crescentes da sociedade desacreditam, a política começa a girar em
torno dela mesma; girando em torno dela mesma, maior é a tendência de
desacreditá-la, porque de fato se afasta da sociedade, torna-se um jogo
de profissionais.
Há espaço para retomar a discussão sobre a reforma política?
Não tenho capacidade de avaliar quanto o
Parlamento seria sensível a isso, porque é aquela velha história: os
parlamentares que lá estão foram eleitos por essas regras. Então, é
possível que as chances sejam baixas, se eles pensarem apenas nos
próprios interesses. Mas é indispensável que a sociedade se mobilize em
torno de uma reforma política.
O julgamento da Ação Penal 470 demonstra
com toda clareza a necessidade que temos de caminhar no sentido de
financiamento público de campanha. É muito importante mudar a maneira de
lidar com as eleições no Brasil e diminuir a influência do poder
econômico. São elementos fundamentais para tentar reverter esse processo
de esvaziamento da política.
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