Heberth Xavier _247 - O nome é pomposo, Millenium. O
Instituto Millenium se diz um “centro de pensamento que trabalha para a
promoção e o fortalecimento da democracia, da liberdade, do estado de
direito e da economia de mercado”. Seus integrantes vêm das redações de
jornais, revistas, internet, da academia, espalhados por diversas áreas.
Tem gente de todo o tipo, mas todos com algo em comum: têm um medo
apavorante do rumo seguido pelo Brasil nos últimos dez anos, que
perigosamente estaria flertando com teorias e práticas contra a
liberdade de imprensa e com o intervencionismo econômico -- alguns, mais
radicais, chegam a relembrar o comunismo…
Lá está o colunista de O Globo, Merval Pereira, acompanhado por
artigos em que o governo federal, dez em dez vezes, é sempre vilão. Ou o
historiador Marco Antonio Villa, cuja notoriedade recente, alimentada
sempre pela crítica ao governo federal, impressionou o jornalista Paulo
Nogueira, ex-editor de Veja e ex-diretor de redação de Exame
(“É um símbolo de como alguém pode chegar aos holofotes e virar
‘referência’ falando apenas o que interesses poderosos querem ouvir”,
disse Nogueira). Ou o global Arnaldo Jabor, cujo único mérito do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ter mantido, graças ao
temperamento conciliador, “os bolcheviques” fora do poder.
Nenhum deles, ou quase nenhum, vai admitir, mas é inevitável a analogia
entre o Millenium e Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), que
reunia nos início dos anos 1960 “pensadores” tão liberais e democratas
quanto temerosos de uma ditadura comunista no Brasil -- claro, o Ipes e
seu discurso contra João Goulart ajudaram a dar um verniz “sofisticado”
ao golpe de 1964.
O Ipes era bancado por grandes empresas brasileiras e multinacionais. No
caso do Millenium, o patrocínio vem do “prestígio” dos grandes grupos
de mídia: Roberto Civita, da Editora Abril; Otávio Frias Filho, da
Folha; e Roberto Irineu Marinho, da Globo, são os grandes anfitriões dos
encontros do instituto.
Vários dos expoentes do Millenium usava fraldas, ou nem isso, naquele
1964. Mas repetem, basicamente, um discurso parecido com o do Ipes. Onde
estavam as críticas a Goulart, Juscelino, Fidel Castro e Stalin há 50
anos, estão hoje o medo do bolivarianismo, de Hugo Chávez, de Rafael
Correa, ou o temor a Lula e ao controle da mídia.
O Millenium é liberal e tem orgulho disso. Mas não imagine que defenda,
explicitamente, teses caras ao liberalismo econômico, como a crítica aos
monopólios e oligopólios. O monopólio da Petrobras é ainda criticado,
mas ignora-se solenemente qualquer discussão acerca do fim do oligopólio
na mídia. Ignora-se, da mesma forma, limites à propriedade cruzada nos
meios de comunicação, a exemplo do que fizeram vários países europeus.
Liberalismo, sim, pero no mucho…
Nos últimos dias, os textos ficaram ainda mais contundentes, estimulados
pelo julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão. No último deles,
o jornalista Eugênio Bucci, outrora presidente da Radiobras no governo
Lula e simpático ao PT, fala sobre a “lógica desastrosa de Lula sobre a
imprensa”. Em outro artigo desta semana, o economista Mailson da
Nóbrega, que deixou o Ministério da Fazenda no governo Sarney com uma
inflação na casa de 80% ao mês, critica o que chama de “volta ao
passado” do governo Dilma na economia. Entre os articulistas, há gente
de mente arejada e plural, como o cientista político Murilo de Aragão,
mas elas são exceções: ganha um doce quem achar algo que vá além do medo
assombrado contra a estatização exagerada no Brasil e contra os ataques
que estariam sendo feitos à liberdade de imprensa (observação: não se
conhece, entre os articulistas, qualquer um que tenha sido censurado
pelo governo atual).
O Millenium conta entre seus quadros com gente que adora a polêmica. E
gente que força a polêmica, ainda que gratuita. Marcelo Madureira, que
até há pouco era conhecido apenas por ser humorista e membro do grupo
Casseta e Planeta, decidiu-se pela política mais explícita. E escolheu o
Millenium para expor suas ideias. Em um dos encontros, gritou: “Quero
denunciar o seguinte: a sociedade brasileira é vítima de ataques à
democracia! São ataques à democracia, como o mensalão é um ataque à
democracia, a legislação eleitoral é um ataque à democracia”. Não falou
mais, ou explicou melhor esses ataques, ou mesmo deu uma satisfação
sobre quem estava fazendo esses ataques. Mas foi muito aplaudido.
Reinaldo Azevedo, o polêmico blogueiro de Veja, é claro, também é
Millenium. E, como seu companheiro Madureira, também vê uma guerra
ideológica em cada esquina: “Existe uma guerra em curso. O lado de cá, o
lado de cá que eu digo é o lado da democracia…”
O jornalista José Nêumane Pinto, articulista do Estadão e comentarista
político no SBT, também é Millenium. Em seu livro mais recente, “O que
sei de Lula”, ele acusa o ex-presidente de ter delatado colegas na época
de sindicalismo em São Bernardo do Campo. Antes de publicar o livro, na
campanha eleitoral de 2010, chegou a convocar os militares. Criticando
as bases do Plano Nacional de Direitos Humanos, Nêumane extrapolou e
encerrou assim seu comentário. “O presidente assina o que não lê, a
oposição idem e os militares… bem, alguém sabe onde andam os militares?”
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