Luis Nassif
Por Assis Ribeiro
Do Cefetsp.br
Laerte Moreira dos Santos*
A palavra neoliberalismo, é sem dúvida, uma das mais ambíguas tanto, no vocabulário político como no vocabulário econômico.
Mas uma coisa é certa: o neoliberalismo tem seu fundamento no chamado
"liberalismo clássico", que vem desde o economista clássico inglês Adam
Smith(século XVIII).
O liberalismo tem uma face econômica e uma política. Vamos destacar aqui a sua face econômica.
O liberalismo (econômico) surge na história da Civilização Ocidental
como reação ao Mercantilismo que mais do que uma corrente de pensamento é
uma prática econômica de países da Europa no início do sistema
capitalista.
Eis as principais características do Mercantilismo:
- A atividade comercial se destaca. Visava a acumulação de metais preciosos como ouro e prata tendo em vista que na época os metais preciosos eram vistos como a única riqueza de um país. Por isso todos os países ao mesmo tempo que se esforçavam em aumentar as suas exportações, pois isto significava maior quantidade de ouro e prata, evitavam a saída de metais preciosos diminuindo as importações.
- O predomínio da atividade comercial tornou necessários novos mercados e novas fontes de matérias-primas e por conseqüência novas rotas comerciais. Isto colaborou para a descoberta de novos continentes como a América e África. Tais continentes foram colonizados e foi imposto a eles pela metrópole (o país colonizador) um restrito controle comercial: comércio apenas com a metrópole. Nada de livre comércio.
- Toda atividade econômica era controlada pelo Estado. O Estado era um monopólio.
Em oposição a esta prática mercantilista surge a primeira corrente de
pensamento(em meados do século XVIII), a Escola Fisiocrata, que, apesar
de destacar a atividade agrícola e não a industrial, vai abrir caminho
para o Liberalismo Econômico.
Fisiocrata vem de Fisiocracia que significa "Reino da Natureza".
Os fisiocratas acreditavam que a riqueza de uma nação não estava no acúmulo de metais preciosos mas na produção.
Não na produção industrial mas na agrícola. Para eles esta atividade
era a única que partia de uma quantidade de objetos e no final obtinha
uma quantidade maior dos mesmos objetos. Com a atividade industrial isto
não acontecia: apenas havia a transformação de uns objetos em outros
não aumentando, por conseqüência, a riqueza das nações.
Mas um princípio fundamental desta corrente que está presente na
corrente Neoliberal dos tempos atuais é a seguinte: a sociedade é
governada por leis naturais semelhantes as que existem na natureza.
Portanto o Estado através dos vários governos não deve intervir
nesta ordem natural. Com isto criticam o intervencionismo estatal do
Mercantilismo.
É dos fisiocratas as frases que identificam o Liberalismo: laissez faire, laissez passer (deixa fazer, deixa passar).
Bem, com os fisiocratas o terreno ideológico é preparado para a surgimento do LIBERALISMO.
Os princípios básicos do liberalismo clássico foram formulados ao largo do século XVIII.
Este pensamento coloca a liberdade individual acima de tudo: deve
haver liberdade da empresa, liberdade de comércio e o direito á
propriedade privada.
Segundo esta doutrina grande parte dos problemas econômicos e sociais
decorre da intervenção do Estado na economia ao pretender regulamentar
preços, salários, trocas comerciais etc. O melhor é deixar que os
mecanismos econômicos "naturais" funcionassem. Com isto a economia se
organizaria por si mesma, para o bem de todos.
O único papel próprio do Estado seria o de assegurar as funções
básicas da organização da sociedade, particularmente, a liberdade, a
propriedade privada, a segurança e a justiça.
O livro "A riqueza das nações", de Adam Smith (1723-1790), publicada
em 1774 (séc. XVIII) é uma das obras básicas do liberalismo e algumas de
suas afirmações podem lançar mais luz sobre o entendimento do
liberalismo.
A respeito dos preços, Adam Smith afirma que o preço de mercado de
uma mercadoria depende da lei da oferta e da procura. Se um produto
existe em grande quantidade e a oferta é maior que a procura, o seu
preço de mercado tem uma tendência de queda. Por outro lado, se um
produto existe em pequena quantidade, sendo a oferta menor que a
procura, seu preço de mercado tende a se elevar.
A concorrência entre os produtores também ajudaria neste equilíbrio
tendo em vista que um produtor não poderia manter os preços de seus
produtos excessivamente altos devido a concorrência de outro produtor
que poderia oferecer preços mais baixos.
Supondo produtos da mesma qualidade, a tendência do consumidor é
comprar o produto com preço mais em conta o que levaria a um abaixamento
dos preços dos produtos dos produtores e comerciantes gananciosos.
Desta forma, através da concorrência e da lei da oferta e da procura,
o preço de mercado tem a tendência de se aproximar do preço "natural".
Os salários dos trabalhadores estão também submetidos a esse regime
"natural" orientando-se pela Lei da Oferta e Procura.
Existiria, portanto, o que se chamava a "mão invisível" do mercado,
que equilibraria as disparidades sem a intervenção do Estado que se
acontecesse atrapalharia tal equilíbrio natural.
Deve-se portanto garantir a cada indivíduo a liberdade de ação no mercado.
Mas o indivíduo com plena liberdade não se orientará apenas por
interesses particulares, não se guiará exclusivamente pela busca do
lucro sem pensar no benefício social?
Sim, respondem os liberais clássicos. Mas a mão invisível do mercado
gerará o equilíbrio necessário, de tal forma que, mesmo que cada
indivíduo pense unicamente no seu interesse particular, o resultado
desta relação entre pessoas individualistas resultará em desenvolvimento
e bem-estar para a sociedade como um todo. Em outras palavras,
afirma-se o paradoxo: o individualismo é benéfico para a sociedade.
Se falarmos em termos de método, ou seja de uma caminho para atingir
determinados objetivos, o liberalismo se caracteriza por um
individualismo metódico.
Mas foi somente em meados do século XIX que foi possível implementar o
programa liberal quando o capitalismo se consolidou. A sociedade do
século XVII, onde se originaram as idéias liberais, não estava madura do
ponto de vista capitalista para tal. Somente no século XIX o conceito
de mercado adquiriu o prestígio necessário.
"A partir daí o capitalismo vive a sua fase liberal por excelência. A
democracia representativa ganha existência efetiva, com o aparecimento
do sufrágio universal; a redução da jornada de trabalho aparece como uma
conquista possibilitada pela produtividade do capital; o comércio
internacional de mercadorias avança com ‘botas de sete léguas’; as
empresas podem dispensar a ajuda direta do Estado, por conta da
acumulação privada de seus lucros; o trabalho escravo torna-se um
obstáculo ao processo de acumulação; a existência das colônias começa a
deixar de ser pré-requisito para a acumulação de capital nas
metrópoles." ( Do livro "Neoliberalismo e Reestruturação produtiva",
pág. 211)
Desta época até as primeiras décadas deste século, o liberalismo torna-se o credo do capitalismo.
Mas essa fase áurea chega ao fim com a crise no final dos anos vinte e
início da década de trinta que se expressou no chamado Crash de 1929 a
partir da queda da Bolsa de Valores de Nova York.
"A Grande Depressão joga nas ruas milhares de trabalhadores no mundo
todo. Falências de empresas se seguem em uma cadeia sucessiva,
arrastando na sua esteira grandes blocos de capitais. As prateleiras
abarrotadas de mercadorias faziam os preços despencarem em uma
velocidade aterrorizante para seus proprietários, que viam, da noite
para o dia, seu capital virar fumaça. As próprias instituições políticas
da sociedade viam-se ameaçadas na sua existência, pondo em risco a
própria sobrevivência do sistema. Parecia que o capitalismo estava
chegando ao fim e com ele todas as teorias e ideologias liberais." (op.
Cit. Pág. 212)
Como sair da crise? Desobedecendo a princípios da doutrina liberal.
O Estado deixa de ser "vigia da economia" e passa a ser o instrumento
de salvação do sistema, com políticas desenvolvimentistas e com
políticas sociais visando os excluídos do mercado.
Inicia-se a fase do Capitalismo regulado estatalmente.
Esta nova relação entre Economia e Estado vai gerar a criação de um
novo modelo: o modelo social-democrático de produção, que terá os seus
anos gloriosos desde a Segunda Guerra Mundial até meados da década de
setenta. Este modelo fará surgir o chamado Estado do Bem-estar social
("Welfare State").
APOGEU E CRISE DO WELFARE STATE
A chamada "economia política da social-democracia"
nasce em 1945 convivendo com o padrão de acumulação de capital
fordista-taylorista (veja o que foi o Fordismo e Taylorismo entre os
textos sobre Reestruturação Produtiva). Tinha como base um processo de
produção em massa que contava com consumidores passivos e ávidos por
consumo.
Neste período de governos social-democratas havia a distribuição de
riqueza entre trabalhadores e capitalistas mediante acordos: os
trabalhadores e empresários concordaram em elevar ao máximo a
produtividade e a intensidade do trabalho em troca de salários e lucros
maiores.
As entidades representativas de classes (partidos políticos de massa e
sindicatos grandes e fortes) lutavam para garantir o cumprimento dos
acordos. Mas isto seria impossível sem a intermediação do Estado. Por
isso neste período do "Welfare State" esta intervenção do Estado foi
legitimada. Este intervinha através de um política de subsídios à
acumulação de capital e através de uma política social garantindo
seguro-desemprego, transporte subsidiado, educação e saúde gratuitas,
etc...
A teoria econômica do economista inglês John Maynard Keynes foi o suporte teórico para o Estado do Bem-estar social.
Em 1936 publica o livro "Teoria geral do emprego, do lucro e da
moeda", em que recomenda devido a crise do capitalismo após a Grande
Depressão de 1929, a intervenção do Estado na economia. Este, através de
investimentos públicos, deveria garantir direitos sociais como
transporte, saúde, seguro social, educação, habitação, etc... Desta
forma se evitaria o surgimento das crises cíclicas do capitalismo.
O keynesianismo alia-se ao fordismo-taylorismo para formar a base da organização do capitalismo deste período.
Uma variante do keynesianismo se efetivou em países da América
Latina, com a doutrina desenvolvimentista em que o Estado exerce as
funções de produção e planejamento.
No Brasil, a partir de 1930, o governo investiu pesadamente em
infra-estrutura, como hidrelétrica, siderurgia, mineração, ferrovia,
petróleo, telecomunicações, e deu um grande impulso ao capital privado.
Esta política desenvolvimentista se expressou no modelo de
industrialização chamado de substituição de importação. Através dessa
política tratava-se de fabricar aqui o que antes era comprado no
exterior.
Mas a partir do final dos anos sessenta, esse modelo de acumulação de
perfil fordista-taylorista e respaldado politicamente por governos
social-democratas entra em crise na Europa e tem os seus reflexos na
América Latina e no Brasil a partir da década de 80.
Do ponto de vista conjuntural o compromisso entre capital e trabalho
entra em processo de erosão. Os trabalhadores contestam a organização do
trabalho, começam a reivindicar ganhos salariais acima dos ganhos de
produtividade. Esta disputa distributiva acaba por aumentar a inflação.
Outros fatores conjunturais colaboram para a crise como a alta do
preço do petróleo no mercado internacional, o fim do padrão-ouro e da
conversibilidade do dólar, a elevação dos juros norte americanos (todos
acontecidos na década de 70).
Mas há fatores estruturais: podemos afirmar que esta crise do capital
que provocou o desmoronamento do "Welfare State" e a crise do sistema
de produção fordista pode ser considerada como um crise de
superprodução. Suas principais características são: incremento da
capacidade produtiva ociosa, excesso de mercadorias e estoque, excedente
de capital dinheiro (segundo Kurz, sociólogo alemão, um traço
importante deste crise é o predomínio do capital especulativo. O
rendimento da produção industrial diminui cada vez mais e os lucros
passaram a fluir para a especulação) e um nível elevado de desemprego de
caráter estrutural devido a introdução de novas tecnologias
dispensadoras de mão de obra.
Este fatores conjunturais e estruturais colaboraram para a elevação da inflação e do desemprego.
Por isso os gastos do Estado do Bem-Estar Social não poderiam equilibrar-se.
Assim a crise do keynesianismo (do "Welfare State")a partir dos anos
70 se expressa na sua incapacidade de solucionar a coexistência de
inflação elevada com o baixo crescimento da produção e o aumento dos
índices de desemprego. Os gastos do Estado passaram a ser maiores do que
a arrecadação advinda dos impostos recolhidos das empresas, dos
operários, dos empréstimos, da emissão de moeda e do lucro das empresas
estatais. Por isso o Estado perdeu a sua capacidade de estimular as
atividades econômicas que aumentam a produção e geram empregos.
Paralelamente e em parte como uma resposta tardia, foi surgindo uma
tendência "neoliberal" nos Estados Unidos formada por políticos e
intelectuais ligados ao partido democrata, que afirmaram que a
intervenção governamental foi no passado excessiva e que se deveria
valorizar mais o mercado.
Desde então o termo neoliberalismo propôs uma tendência de
renascimento e desenvolvimento das idéias liberais clássicas, tais como a
importância do indivíduo, o papel limitado do Estado e o valor do
mercado livre.
ANTECEDENTES POLÍTICOS E ECONÔMICOS
A crise do Welfare State e do Fordismo abre a possibilidade da efetivação do receituário neoliberal.
O neoliberalismo surgiu na Europa e América do Norte logo após a
Segunda guerra mundial. Adveio como oposição ao Estado intervencionista e
de bem estar ("Welfare State"). Como já foi afirmado, inspirou-se na
doutrina clássica do liberalismo econômico.
Os acordos de Bretton Woods foram importantes para o seu surgimento e
a sua permanência. Em 1944, já contando com uma vitória militar sobre
os alemães, os aliados, pressionados pelos Estados Unidos convocaram uma
conferência monetária e financeira. O objetivo dessa reunião era o de
estabelecer regras para o "liberalismo global que iria se impor sobre o
mundo após a Segunda guerra.
Esta reunião aconteceu em Bretton Woods, New Hampshire, EUA.
Participam desta 44 países inclusive a União Soviética. Além de
elaborarem nesta reunião as novas regras para um mundo que se
globalizava criou-se instituições que possibilitaram a efetivação destas
regras como o GATT (General Agreement on Trade and Tariffs), em 1947; o
Banco Mundial, em 1945; o fundo Monetário Internacional, em, 1946.
A idéia que deu a diretriz para esta conferência foi a seguinte: o
protecionismo comercial era o responsável pelas tragédias ocorridas nos
30 anos após o início da primeira guerra mundial ou seja de 1914 a 1944.
Por isso "boa parte das deliberações estava dedicada a identificar mecanismo que assegurassem:
- O predomínio do livre comércio e a eliminação de todo vestígio do protecionismo;
- O financiamento externo de países vitimados por problemas de curto prazo (queda nos volume e/ou preços de suas exportações,
- A aprovação de um conjunto de políticas dirigidas a tornar possível a reconstrução e o desenvolvimento das economias devastadas pela guerra.
Estes acordos consolidam no terreno da economia mundial a vitória
militar dos aliados sobressaindo-se como potência hegemônica os Estados
Unidos.
ANTECEDENTES TEÓRICOS
A base teórica do neoliberalismo vamos encontrar no livro de
Friedrich Hayek, escrito em 1944, intitulado "O caminho da servidão".
Hayek condena qualquer intervenção do Estado que vise limiar os
mecanismo de mercado. Chegou a fundar em 1947 em Mont Pèlerin, na Suíça,
a "sociedade de Mont Pèlerin", com o propósito de combater o
Keynesianismo e o Estado de Bem-Estar social ("Welfare State").
Participavam desta sociedade entre outros Milton Friedman, Karl Popper.
Porém as suas idéias durante as décadas de 50 e 60 não encontram
condições favoráveis. O "Welfare State" estava no seu auge. No entanto
continuavam batendo na mesma tecla: este "igualitarismo (muito relativo,
bem entendido) deste período, promovido pelo Estado do Bem-estar,
destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da
qual dependia a prosperidade de todos. Desafiando o consenso oficial da
época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na
realidade imprescindível em si – pois disso precisavam as sociedades
ocidentais.
Somente em 1973 com o mundo capitalista em meio a uma crise profunda
que envolveu o "Welfare State" é que as idéias neoliberais de Hayek vão
exercer considerável influência. Até então eram impotentes para impedir o
avanço do Keynesianismo que embasava teoricamente a construção e
consolidação do Estado de Bem-Estar Social.
Finalmente surgiram as condições propícias para as idéias de Hayek e seguidores.
A oportunidade para colocar em prática estas idéias surge em fins da década de 70 e no início dos anos 80:
- com o acirramento do sentimento anticomunista em fins da década de 70
Este acirramento foi provocado pela Segunda guerra fria que eclodiu com a intervenção soviética ano Afeganistão
- com a vitória de candidatos conservadores na Europa Estados Unidos
Em 1979 Margareth Thatcher ganha as eleições na Inglaterra. Em 1980
Reagan chega à presidência dos Estados Unidos, Khol derrota em 1982, na
Alemanha, o regime social-liberal de Helmut Schimidt. Em 1983, Schluter,
candidato de uma coalizão de direita, ganha eleição na Dinamarca.
Seguem-se as vitórias de candidatos de direita em todo o norte da Europa
com exceção da Suécia e da Áustria.
Esta condições possibilitaram, durante toda a década de 80, o triunfo
do neoliberalismo nos Estados Unidos e na maior parte dos países
desenvolvidos da Europa envolvendo também países do terceiro mundo.
"Aclamado de forma dominante nas academias e demais centros de
produção de conhecimento, foi vulgarizado para o grande público, com
apoio e influência decisivos da mídia. Os seus princípios passaram a ser
aceitos, consciente ou inconscientemente, pela maior parte da
população, evidenciando-se, assim, a constituição de uma hegemonia na
forma de se pensar a vida em sociedade, com influência crucial nas ações
cotidianas dos indivíduos. Em suma, o neoliberalismo assumiu a condição
de hegemonia cultural, no sentido mais abrangente que este conceito
possa ter." (Luiz A . M. Filgueiras - Cadernos do CEAS, nº 171, Salvador/Bahia, set/out 97, pág.10-15; 21-23)
Vamos fazer aqui uma síntese das idéias principais de Hayek e de seus seguidores mais próximos:
- Qualquer tipo de planejamento econômico por parte do Estado deve ser rejeitado. O mundo econômico é movido pelas leis que os homens não dominam e não pode ser superada esta ordem espontânea por uma ordem decretada.
- É falsa a idéia de que a economia e sociedade modernas, devido a sua complexidade, requeiram planejamento e coordenação por parte do Estado. A concorrência é a melhor forma de dar coordenação à sociedade tendo em vista que ninguém pode avaliar todas as motivações dos indivíduos nas suas decisões.
- O desenvolvimento da sociedade, por estar baseado nas forças impessoais do mercado, não pode nem deve prover a garantia econômica de ninguém. Hayek cita duas espécies de segurança social: a limitada e a absoluta. A primeira se refere a uma renda básica garantida aos pobres pelo Estado para que tenham o mínimo para alimentação, vestimenta e habitação. Porém para ele a renda mínima é vista como caridade e não como direito, tanto que é "difícil
- decidir se aqueles que dependem da comunidade deveriam gozar indefinidamente as mesmas liberdades que os demais"(Hayek: 1990, pág 124). Parece que a vontade de Hayek seria a de propor uma democracia censitária de novo tipo: não seriam apenas os proprietários que teriam o direito de voto mas o voto estaria restrito àqueles que tivessem ligados à uma atividade econômica, ficando de fora desempregados e excluídos do mercado. Percebe-se claramente que Hayek não morre de amores pela democracia universal. É oportuno lembrar as suas palavras a um conservador jornal chileno, El Mercurio, durante a ditadura de Pinochet que foi o primeiro governo no mundo a
- implementar as idéias neoliberais. Dizia ele que preferia uma ditadura com mercado livre do que um Estado democrático que interviesse no mercado regulamentando-o .
- O monetarismo é a política econômica do neoliberalismo.
Foi Milton Friedman, outro economista neoliberal que pertencia à
sociedade Mont Pelèrin e que também foi assessor do ex-presidente
norte-americano Ronald Reagan, que melhor o explicitou.
Para ele a procura de dinheiro é o fator determinante do controle do
desenvolvimento econômico. As variações da atividade econômica não se
explicam por investimentos feitos pelo Estado mas por variações da
oferta da moeda.
Explicando melhor, há elevação de preços (gerando inflação) sempre que os meios de pagamento (ou quantidade de moeda) crescem.
Por isso a inflação é resultado do aumento crescente da quantidade de
moeda em busca de uma quantidade de bens e serviços que cresce mais
devagar que aquela.
E porque há excessivo crescimento da moeda? Por culpa dos governos que necessitam financiar seus déficits.
Para Friedman o governo é o único responsável pela inflação que
acontece por conta de seus gastos na manutenção da máquina governamental
e dos programas sociais.
- O poder excessivo do movimento operário através dos seus sindicatos era outro fator a impedir o avanço da acumulação capitalista na medida em que o operariado fazia reivindicações salariais descabidas e pressionava o Estado para que sustentasse desmesuradamente os seus gastos sociais. Este fato diminuía os lucros, aumentava a inflação e gerava recessão.
Feito o diagnóstico Hayek e seus seguidores neoliberais propõem esta receita:
- manutenção de um Estado forte com capacidade de romper com o poder dos sindicatos e de controlar o dinheiro sendo comedido nos gastos sociais e nas intervenções econômicas
- a meta última deveria se a estabilidade econômica.
- Para a efetivação da estabilidade monetária seriam imprescindíveis as seguintes ações:
- Contenção dos gastos com bem estar;
- Restauração da taxa "natural" do desemprego ou seja a criação de um exército de reserva de trabalho com o intuito de quebrar o poder dos sindicatos;
- Reforma fiscal com reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas.
- Liberalização dos preços: o Estado não deve controlar os preços dos produtos no mercado.
- Programa de privatizações: privatização dos serviços públicos (água, luz, telefone, educação, saúde).
- Privatização de empresas estatais.
- Redução dos impostos ás importação para que as empresas nacionais sejam obrigadas a Ter mais eficiência e produtividade.
Estas ações combinadas propiciariam novamente o crescimento econômico.
O NEOLIBERALISMO NA PRÁTICA
A vitória de Margareth Thatcher na Inglaterra em 1979 assegurou para
este país o pioneirismo na Europa na efetivação da receita neoliberal.
Foi o primeiro país do mundo desenvolvido a se empenhar na concretização
do neoliberalismo. E foi aí também que a prática neoliberal se deu da
forma mais pura.
Quais foram as ações de Thatcher?
- contração da emissão de moeda
- elevação da taxa de juros
- redução considerável dos impostos sobre os rendimentos altos
- abolição do controle sobre os fluxos financeiros
- criação de níveis de desemprego massivos
- imposição de uma legislação anti-sindical
- corte de gastos sociais
- lançamento de um amplo programa de privatização que atingiu a habitação pública, a indústria de aço, o setor elétrico, a produção de petróleo, a produção de gás e o fornecimento de água.
O NEOLIBERALISMO NA EUROPA
Os governos de direita em outros países da Europa foram mais
cautelosos na implementação do receituário neoliberal. É o caso dos
governos do norte da Europa e o governo alemão.
Colocaram como prioridade o controle orçamentário e a reforma fiscal
deixando em segundo plano a contenção dos gastos sociais e o
enfrentamento com os sindicatos. Contudo já era visível a diferença
entre a prática destes governos e a dos anteriores de feição
social-democrata.
Houve sim neSta década de 80 uma ameaça à hegemonia neoliberal quando
o euro-socialismo conquista o governo de alguns países como a França
(Miterrand); Portugal (Soares); Espanha (Gonzalez); Itália (Craxi);
Grécia (Papandreou). Propunha uma alternativa ao conservadorismo
neoliberal. Porém fracassou.
Vamos lembrar como exemplo de experiência social-democrata fracassada
o caso da França: no final da década, a taxa de desemprego na França de
governo social-democrata era mais alto do que na Inglaterra, onde
governava soberana Margareth Thatcher.
O caso da Espanha é singular porque apesar de o governo se
euro-socialista não direcionou sua política pelo Keynesianismo ou
redistributivismo. Adquiriu um viés claramente monetarista: não tinha
atritos com o capital financeiro, era favorável ao princípio da
privatização e não se incomodou quando o desemprego na Espanha chegou a
20% da população ativa, um recorde europeu.
Como a França e Espanha outros países de governo socialista
fracassaram. Isto explica porque muitos destes acabam entrando na onda
neoliberal. A França, por exemplo, já em 1982 e 1983, sob pressão dos
mercados financeiros internacionais mudou a sua orientação política
chegando mais perto da ortodoxia neoliberal Craxi na Itália, pregava as
virtudes do equilíbrio fiscal e as virtudes de um Estado enxuto,
pequeno.
O NEOLIBERALISMO NOS ESTADOS UNIDOS
A vitória de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, marcou o início da
prática neoliberal neste país. O neoliberalismo foi erigido em doutrina
oficial da política econômica do governo dos Estados Unidos. Esta
permaneceu durante toda a década de 80. O monetarismo de Milton Friedman
teve uma influência grande no começo. Porém a sua rigidez doutrinal
criou muitos problemas. Por isso foi substituído por formas menos
dogmáticas porém sempre originadas da doutrina do "laissez faire", do
princípio da não intervenção do Estado na Economia.
Eis algumas medidas neoliberais implementadas por Reagan: elevação
das taxas de juros e redução dos impostos dos ricos. No entanto não
acatou outra medida da cartilha neoliberal que é o controle
orçamentário. Torrou dinheiro numa corrida armamentista sem precedentes
com a URSS levando os USA a ater o maior déficit público de sua
história. Dessa forma a maior economia do mundo se transformou de
principal credor do planeta em primeiro devedor do universo.
O NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA LATINA
As idéias neoliberais chegam à América Latina já na década de 70.
O Chile, com o General Pinochet, foi o primeiro país do mundo, antes mesmo que a Inglaterra, a implantar o modelo neoliberal.
Cumprindo à risca o modelo neoliberal, caracterizou-se pela:
- liberalização da economia
- alta taxa de desemprego
- repressão sindical
- concentração de renda em favor dos ricos
- privatização de bens públicos
Para colocar em prática o receituário neoliberal Pinochet não teve
dúvidas. Responsável por uma das mais cruéis ditaduras militares da
América Latina mandou perseguir, torturar, prender e matar os seus
opositores.
Como podemos perceber o neoliberalismo pode conviver com a ditadura,
com o autoritarismo governamental. Isto não é novidade porque sabemos
que a democracia nunca foi um valor central para o neoliberalismo desde
Hayek. A liberdade econômica não significa que as massas vão ter
liberdade política. Antes cada país tem que crescer, depois pode se
pensar em democracia.
Outros governos de países da América Latina foram seduzidos pelo
discurso neoliberal e começaram a implantar em seus países o receituário
do Neoliberalismo.
Chegou na Argentina com Menem; Com Carlos Andrés Perez na Venezuela. Em 1990 no Peru com Fujimori etc.
No Brasil a adoção do modelo neoliberal se inicia com o ex-presidente
Fernando Collor de Melo e continua com o governo atual de Fernando
Henrique Cardoso.
AVALIAÇÃO DO NEOLIBERALISMO
Durante toda a década de 80, período do apogeu do Neoliberalismo, se
considerarmos os itens: deflação, lucro, salários, empregos, podemos
afirmar que o programa neoliberal teve sucesso no que se propôs:
diminuiu a inflação, houve aumento nos lucros, rebaixamento dos
salários, diminuição do emprego. No caso de países da Europa a taxa de
inflação caiu de 8,8% para 5,2% entre os anos 70 e 80. O lucro das
empresas que nos anos 70 caiu em cerca de 4,2%, nos anos 80 aumentou em
4,7 Os salários foram rebaixados. A taxa de desemprego nestes países que
havia ficado em torno de 4% nos anos 70 praticamente duplicou na década
de 80.
Mas o êxito nestes itens deveria levar a reanimação do capitalismo
com taxas de crescimento no nível daquelas antes da crise dos anos 70.
Isto não aconteceu. A taxa de crescimento foi muito baixa nos países da
OCDE. Qual a razão? A desregulamentação financeira proposta pelo
neoliberalismo favoreceu mais a inversão especulativa do que a
produtiva.
Outro fracasso do neoliberalismo nesta d foi quanto ao "Welfare
State". Não conseguiu diminuir significativamente o peso do Estado de
Bem-estar social nestes países europeus. Isto pode ser explicado pelo
aumento dos gastos sociais para enfrentar o desemprego crescente e às
pensões pagas aos aposentados que tiveram um aumento demográfico.
Concretamente nos países da OCDE, os gastos públicos de 1993 eram mais altos do que os de 1980, ano da assunção de Reagan.
A experiência neoliberal na Europa uniu recessão com desemprego. Nos
primeiros anos da década de 90 tínhamos 38 milhões de desempregados nos
países da OCDE (dez vezes a população total da Escandinávia!).
A experiência foi semelhante em países do Terceiro Mundo, como o Chile, que efetivaram o receituário neoliberal.
Mas o paradoxo disto tudo é que apesar do fracasso da prática
neoliberal, visível em fins dos anos 80, ele adquiriu novo fôlego a
partir da década de 90.
Um dos motivos foi a vitória do neoliberalismo em países recém saídos
do regime comunista. Isto entre 1989 e 1991. Os novos governadores
desses países foram fiéis seguidores do receituário neoliberal de Hayek e
Friedman.
Outro motivo foi a conjuntura hiperinflacionária principalmente em
países do terceiro mundo que pela sua gravidade favoreceu o avanço das
idéias neoliberais.
Também não houve por parte dos opositores ao neoliberalismo,
principalmente a esquerda, uma luta consistente com alternativas
concretas a este modelo.
Por isso ainda hoje esta ideologia continua forte apesar dos seus
fracassos. A crise continua ao lado de uma taxa de desemprego crescente.
Os programas neoliberais não oferecem motivo de orgulho para seus
defensores. O keynesianismo, tão criticado pelos neoliberais,
proporcionou, apesar de suas falhas, por mais de duas décadas, o
crescimento acelerados das economias dos países capitalistas. No caso do
neoliberalismo desde a época em que foi efetivado nos diversos países,
de 1970 para cá, foi decepcionante do ponto de vista da reanimação e
crescimento econômicos.
Fracassou já que não conseguiu revitalizar o capitalismo no mundo.
Sem aumentar o crescimento, o caos social e econômico foi reforçado.
Fracassou também o projeto de uma Nova Ordem Mundial. Este projeto
foi lançado por George Bush, outro presidente norte-americano de
tendência neoliberal, durante os preparativos para a Guerra do Golfo e
serviu para justificar a intervenção no Iraque. A derrota deste país
marcaria o início de uma Nova Ordem Mundial, que garantiria a paz e
prosperidade para todos. Na esteira desta idéia apareceu o livro de
Fukuyama, escritor norte-americano de ascendência nipônica, com a desde
do "fim da história": o mundo a partir de agora, com a decadência do
socialismo, só poderia se desenvolver com o liberalismo econômico e
político.
Mas o que vemos? O que se universaliza não é a paz e prosperidade mas
uma ordem econômica que exacerba os interesses particulares. O mundo
hoje é marcado por profundas desigualdades. Criou-se na verdade em todos
os países com prática neoliberal duas sociedades: uma marcada pela
opulência, outra pela pobreza.
Há uma dissolução dos laços sociais. Surgem novamente, com toda
força, o racismo, a xenofobia. A criminalidade e o narcotráfico aumentam
desmesuradamente.
Há um esvaziamento da política. Partidos e sindicatos entram em
crise. Mas do que nunca o individualismo exacerbado se alastra. O lema é
"salve-se quem puder". Nega-se qualquer esforço coletivo de organização
e representação.
A democracia se vê também ameaçada. Como pode se sustentar em meio a
uma desigualdade crescente? Para sobreviver necessita de um grau mínimo
de justiça distributiva. A falta deste favorece sem dúvida a
desintegração social. O Estado enfraquecido não tem condições de atenuar
esta crise.
As contradições e os antagonismos sociais advindos desta situação vão
provocar com certeza a ingovernabilidade no regime democrático. Daí
para a desestabilização é um passo. Aumenta a possibilidade com isto da
instalação de ditaduras militares. Ditaduras que vão dar continuidade ao
programa neoliberal só que agora de forma violenta, esmagando toda
oposição.
Aliás , já sabemos que neoliberalismo e democracia não são
interdependentes. Basta nos lembrar da experiência chilena com Pinochet.
Mas quais seriam as alternativas ao programa neoliberal?
Apesar da hegemonia da ideologia neoliberal é possível se contrapor a
ela. A esquerda precisa sair de uma atitude defensiva. A prática
neoliberal não conseguiu derrotar definitivamente as lutas sociais de
resistência.
É necessário sim fortalecer cada vez mais esta resistência. Porém é necessário também adotar uma visão política mais ampla.
A partir desta visão será possível criar alternativas viáveis.
A esquerda, os progressistas de forma geral, tem que entender
finalmente que não pode ser contra a estabilidade monetária e uma
administração competente. Não pode deixar isto como bandeira da direita.
Porém diferentemente do que faz a direita deve fazer uma articulação
com a justiça social.
Por exemplo, quanto à inflação, a corrente neoliberal considera que
esta acontece quando há excesso de oferta de moeda. A esquerda deve
pensar de forma diferente: o crescimento da inflação é produto de um
conflito distributivo. Este é resultado da existência de dois grupos
sociais que em dado momento entram em conflito. Grupos estes que não se
encontram na mesma posição social. Um fixa os preços e assim determina a
taxa de lucro. Além disso fixa os salários para a garantia desta taxa
de lucro. A inflação deriva justamente dos conflitos provocados por esta
fixação.
Entendida a inflação desta forma não podemos reduzi-la como fazem os
neoliberais, ou seja, penalizando ainda mais os trabalhadores com uma
maior redução de seus salários.
Poderíamos como alternativa diminuir o grande poder que o setor
financeiro tem com a globalização. A esquerda tem que Ter uma política
que impeça o dinheiro de se dirigir facilmente para o setor financeiro.
Assim se liberará uma quantidade de dinheiro suficiente para investir no
setor produtivo.
Quanto ao mercado a esquerda não pode reerguer a bandeira do
keynesianismo dos anos 50 e 60 e nem do planejamento centralizado da
experiência socialista, como se nada tivesse acontecido.
Os mercados tem uma dinâmica própria que não pode ser ignorada.
Mas é possível intervir no mercado regulamentando. Sabemos também que
o mercado por causa de sua crescente sofisticação industrial nunca
poderá gerar empresários de forma espontânea. Por isto a necessidade do
Estado intervir através de uma política industrial que favoreça
determinadas estruturas industriais.
Há espaço para começar a reconstrução do Estado sob novas bases. A
esquerda ainda confunde público com estatal. Esta confusão impediu que
se visse de forma clara que o Estado e suas empresas sempre serviram à
acumulação do capital privado. Precisamos pois de um Estado realmente
público e de empresas realmente públicas, ou seja, controladas pela
sociedade e com objetivos sociais.
*Laerte Moreira dos Santos – é professor da ETFSP, lecionando atualmente a disciplina "Estudos Regionais".
(OBSERVAÇÃO: Este texto foi baseado principalmente
no livro "Pós-neoliberalismo – as políticas sociais e o Estado
Democrático, organizado por Emir Sader e Pablo Gentili, Ed. Paz e Terra,
RJ, 1995. As figuras foram tiradas do livreto de educação popular: "O
neoliberalismo", publicado pelo PEDEX – Programa Educativo Dívida
Externa – ano 1993)
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