Médicos fazem exames e surpreendem pacientes e profissionais
Por Christina Nascimento
Rio - É quase impossível não estranhar quando se ouve de Julio Cesar
Nunez Naranjo, 46 anos, o valor que recebe por mês em Cuba. “Cerca de 30
dólares (quase R$ 70). É uma boa remuneração”, diz o médico, em um
compreensível ‘portunhol’, após atender uma mãe e um bebê no Centro
Municipal de Saúde de Vila do Céu, em Campo Grande. Mas a relação com o
dinheiro não é a única diferença na comparação com os médicos
brasileiros.
A chegada dele à unidade já provocou mudança no comportamento de outros
profissionais. E a explicação está na formação acadêmica: a medicina
cubana incentiva laços mais estreitos com os pacientes. “Os médicos que
vêm de fora colhem material para preventivo. Alguns não faziam isso.
Mandavam sempre a enfermeira. Já ouvi muitos dizendo que agora vão fazer
o procedimento”, conta uma funcionária da unidade.
A sensação térmica em Vila do Céu era de 40 graus na quinta-feira,
quando Julio recebeu O DIA no consultório. Do bolso, ele tira um lenço
para enxugar o suor no rosto. Apesar do ar condicionado, o calor é quase
insuportável. Uma realidade que não assusta quem tem no currículo
experiências no Haiti, onde o atendimento era feito em postos sem
ventilação ou qualquer iluminação.
“Achei que iria encontrar um cenário no Rio muito pior do que realmente
é. Vi que tem estrutura e a equipe é dedicada. É possível fazer um bom
trabalho”, avalia ele, que deixou dois filhos na ilha de Fidel. “Um
deles será médico”, diz, orgulhoso. Por aqui, o trabalho na comunidade
de 29 mil habitantes será exaustivo. No hospital onde atuava em Cuba,
ele tinha sob sua atenção 1,2 mil pessoas. Em Vila do Céu, serão 4 mil.
Pacientes como a pequena Mariana Cadena, de 6 meses, estão na lista de
atendimento. Enquanto mama, sua mãe, a camelô Raquel Cadena, 38, diz
estar esperançosa.
“Ficamos quase dois meses sem o médico de família. A ajuda vinha da
enfermeira, que acompanhava o peso da neném. Estava preocupada com o
desenvolvimento dela”, avalia Raquel. A mãe disse não se importar com a
consulta auxiliada por uma enfermeira tradutora. “Quero alguém para me
atender. Não importa de onde venha”.
Dos R$ 10 mil que o governo brasileiro vai passar para a Organização
Pan-Americana de Saúde, referentes ao trabalho dos cubanos, Julio e sua
família vão ficar com cerca de R$ 2,3 mil. O restante é retido por Cuba,
que durante os três anos que os médicos vão ficar aqui continuará
depositando o salário deles. “O que vai para lá será reinvestido na área
de saúde. Não é para mim. É para todo mundo”, explica Julio, sem se
mostrar incomodado.
Cidade que mais avançou
A chegada de 70 médicos estrangeiros, sendo 65 vindos de Cuba, vai
elevar o Rio ao patamar de cidade que mais avançou a curto prazo em
cobertura de saúde da família. A partir de amanhã, o cadastro de
controle da Secretaria Municipal de Saúde passa a registrar mais 300 mil
cariocas com atendimento monitorado pelo programa. Com isso, serão, no
total, 2,83 milhões de pessoas monitoradas pelos postos de saúde e
Clínicas da Família. Com o reforço vindo de outros países, esse
percentual vai saltar dos atuais 41% para 45%.
Até o momento, a prefeitura não tem registro de problemas com médicos
estrangeiros. Pelo contrário. A aceitação tem superado as expectativas.
Acostumada a atender em localidades de extrema miséria, em países como
Honduras e Bolívia, Leonor Maria Pérez, 48, acha que a profissão é uma
atividade humanitária. “Todo médico deveria trabalhar em regiões
carentes. A gente estuda é para isso, para ajudar as pessoas”.
Medo da violência noticiada
A rotina no Rio é parecida com a de Cuba. São 40 horas por semana, mas
lá os médicos trabalham quatro horas todos os sábados. Assim como o
colega que atua em Vila do Céu, José Manuel Anaya, 45, que trabalha no
Centro de Saúde de Inhoaíba, passou pela Venezuela. Também esteve em
Gana antes de vir para o Brasil.
No Rio, admite ter medo da violência: “Vejo nos jornais que aqui tem
três, quatro mortos por dia. Por isso, estou sempre atento”, afirma o
cubano, que ainda não teve tempo para conhecer pontos turísticos da
cidade.
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