Merval Pereira no Instituto Millenium: preparando a artilharia
24/12/2013 – Copyleft
Velha mídia quer a Presidência de presente de Natal
Enquete feita entre colunistas do mais tradicional veículo da velha
mídia mostra o que eles pretendem em 2014: mandar na política e ditar a
opinião pública
O jornalista Ancelmo Góis fez uma enquete junto a outros colunistas do jornal O Globo
para saber o que eles esperam de 2014. Merval Pereira espera que as
coisas continuem ruins no ano que vem, mas acha que vão piorar. Carlos
Alberto Sardenberg, Míriam Leitão e Zuenir Ventura torcem por mais
protestos – “protestos vigorosos”, quer Sardenberg. Ricardo Noblat pediu
a Papai Noel que dê discernimento aos brasileiros para escolher o
próximo presidente da República. Se é para dar, supõe-se que é porque
ainda não temos.
A enquete deixa claro o que o mais tradicional veículo da velha mídia
está preparado para fazer em 2014. É o mesmo que fez em 2013: pegar
carona na insatisfação popular para tentar influir decisivamente no
mundo da política. Desgastar aqueles de quem não gosta para dar uma
força àqueles que são seus prediletos.
A mídia que foi escorraçada das ruas e teve que mascarar as
logomarcas de seus microfones quer repetir o que sempre fez em eleições
presidenciais: entrar em campo e desempenhar o papel de partido de
oposição.
As corporações midiáticas se organizam para, mais uma vez, interferir
no resultado das eleições porque disso depende o seu negócio. De novo,
entram em campo para medir forças. Já estão acostumadas a partir para o
tudo ou nada. Vão testar, pela enésima vez, a quantas anda seu poder
sobre a política. Disso fazem notícia e assim agem para deixar os
políticos e os partidos de joelhos, estigmatizados, envergonhados e
obsequiosos.
Como nos ensinou Venício Lima, uma Presidência, um Congresso e
partidos achincalhados são incapazes de propor uma regulação decente da
mídia, nem mesmo para garantir a liberdade de expressão, a diversidade
de fontes de informação, a pluralidade de opiniões e um mercado da
comunicação não cartelizado.
Em 2013, as corporações midiáticas, mais uma vez, anunciaram e
garantiram que o mundo ia se acabar. E não é que o tal do mundo não se
acabou? Quando os protestos de junho tomaram as ruas, o preço do tomate
tinha ido às alturas. O PIB de 2012 se tornou conhecido e seu
crescimento havia sido próximo de zero. Os reservatórios estavam bem
abaixo do normal e “especialistas” recomendavam rezar para que não
houvesse apagão. O caso Amarildo fez derreter a quase unanimidade que
havia em defesa do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (as
UPPs).
Parecia que o país ia mal das pernas e que um modelo de governança
estava esgotado e ruindo. Tudo levava a crer que a presidência Dilma
havia entrado em um beco sem saída. Mas saiu. Ela recuperou sua
popularidade, enquanto seus adversários potenciais caíram em preferência
de voto e aumentaram sua rejeição.
O ano terminou melhor do que começou, para o governo e para o País. A
inflação vai fechar dentro da meta. Assim deve permanecer no ano que
vem, por mais que alguns analistas queiram, usando razões que a própria
razão desconhece, nos fazer crer que o limite da meta é algo fora da
meta (quem sabe os dicionários, no ano que vem, tragam um novo sentido
para a palavra “limite”). Não houve apagão e as térmicas foram
desligadas mais cedo do que se imaginava.
O crescimento do PIB, em 2014, deve ser maior do que o deste ano.
Educação e saúde terão mais recursos e têm saído melhor na percepção
aferida em pesquisas. O Brasil, no ano que vem, continuará com um dos
maiores superávits primários do mundo, ainda mais com a entrada de novos
recursos vindos da exploração do pré-sal e das concessões de
infraestrutura.
Mas os pepinos continuam sendo muitos. Alguns serão particularmente
difíceis de se descascar no ano que vem. Um é a ameaça de as agências de
avaliação de risco rebaixarem a nota do Brasil. Outro é o descrédito
das políticas de segurança pública, em todos os estados, mas respingando
no Governo Federal.
O terceiro e, possivelmente, o mais explosivo, seria o mesmo de 2013:
uma nova onda de aumento das tarifas de ônibus, o que tradicionalmente
acontece no primeiro semestre de cada ano. A derrota do aumento do IPTU
em São Paulo, na Justiça, tirou do mapa a única situação que se
imaginava sob controle. O eixo Rio de Janeiro, São Paulo e Belo
Horizonte é o que mais preocupa o Planalto. Se algo der errado, no ano
que vem, terá como epicentro provável essas três capitais, podendo
alastrar-se para as demais.
Os protestos de 2013 foram uma tempestade perfeita. Várias questões
mal resolvidas e acumuladas no estresse diário dos cidadãos se
transformaram em revolta nas ruas, juntando alhos e bugalhos.
Imprevisíveis, tempestades perfeitas, como foram as jornadas de junho,
são também difíceis de se repetirem. Difíceis, mas não impossíveis.
Basta um pequeno risco para se ter uma grande preocupação. Os três
problemas mais sensíveis do momento (a percepção internacional sobre a
economia do país, a segurança pública e as tarifas de ônibus) conformam a
agenda prioritária do primeiro trimestre de 2014 a ser toureada
diretamente pelo Palácio do Planalto. Os meses de janeiro a março de
2014 serão mais agitados do que o normal, pelo menos, na Esplanada dos
Ministérios.
O trimestre seguinte, de abril a junho, será o período mais crítico.
Ali se concentram as datas-base da negociação trabalhista de várias
categorias; a briga de foice de muitos interesses para entrarem na pauta
do esforço concentrado do Congresso; o período final do acerto das
candidaturas presidenciais e estaduais; finalmente, claro, a Copa do
Mundo de Futebol.
Que venha 2014. Que venha mais ousadia de todos os governos e
partidos. Que venham mobilizações em favor dos mais pobres e com os mais
pobres nas ruas, com suas organizações sociais, populares e seus
partidos — até para que os partidos possam abrir menos a boca e mais os
ouvidos. Que os brasileiros mostrem que a voz das ruas não é aquela
fabricada pelas manchetes das corporações midiáticas. Que a opinião
pública mostre, ao vivo e em cores, que a sua verdadeira opinião é
normalmente o avesso da opinião publicada. Que venham surpresas, pois
são delas que surgem as mudanças.
(*) Antonio Lassance é cientista político.
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