Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Os efeitos de um início de uma discussão racional, iniciada por Dilma e
sua campanha, se expressaram nas pesquisas de intenção de voto
divulgadas ontem. Dilma Rousseff subiu em todos os levantamentos -
avaliação do governo, prévia para segundo turno, primeiro turno e assim
por diante. Marina cresceu pouco e até estagnou, segundo um dos
institutos.
O esforço para transformar a biografia de Marina Silva num conto da Carochinha é a reação previsível nesta nova situação. É a melhor forma que seus aliados possuem para tentar fugir de um debate político necessário ao país mas pouco favorável a candidata. As pressões pelo esvaziamento de Aécio Neves e apoio aberto a Marina irão se multiplicar, na tentativa de forçar uma vitória no primeiro turno.
Marina tem dado sucessivas demonstrações de fraqueza e desorientação.
Está claro que não sabe o que diz quando reclama da falta de
investimentos em energia alternativa, como a eólica - ela cresceu 44% no
último ano. Enrolou-se quando foi explicar a quem pertencia o jatinho
Cessna em que Eduardo Campos morreu - no qual ela viajou por seis vezes.
Provocou risos quando disse que " nunca" foi contra transgênicos e
deixou todos boquiabertos quando reclamou da falta de planejamento no
setor elétrico depois de destacar-se pelas tentativas de impedir a
construção da Usina de Santo Antonio e Belo Monte.
Vinte e cinco anos depois da primeira eleição presidencial após a democratização, o país passou por muita coisa e já viu quase tudo. Os mais decididos adversários da censura a imprensa sob o regime militar hoje são perseguidos por uma cobertura dirigida e tendenciosa, que há muito abandonou a perspectiva elementar de buscar a "expressão possível da verdade". Aliados da ditadura e mesmo cúmplices da tortura hoje se apresentam como baluartes do Estado de Direito. O que está em jogo em 2014 são conquistas duramente obtidas ao longo dos últimos anos. Longe de representar uma solução para todos os problemas do país, elas apontam para um caminho a ser trilhado. Ou não.
Vinte e cinco anos depois da primeira eleição presidencial após a democratização, o país passou por muita coisa e já viu quase tudo. Os mais decididos adversários da censura a imprensa sob o regime militar hoje são perseguidos por uma cobertura dirigida e tendenciosa, que há muito abandonou a perspectiva elementar de buscar a "expressão possível da verdade". Aliados da ditadura e mesmo cúmplices da tortura hoje se apresentam como baluartes do Estado de Direito. O que está em jogo em 2014 são conquistas duramente obtidas ao longo dos últimos anos. Longe de representar uma solução para todos os problemas do país, elas apontam para um caminho a ser trilhado. Ou não.
O debate é este. A campanha de Marina evita discutir os melhores
projetos para o país, Não tem propostas para distribuir renda e defender
o interesse dos mais pobres, ampliar a infraestrutura e defender a
soberania do país. É mais prudente investir no culto a personalidade,
despolitizado e mistificador, como uma heroína de novela.
O desmoronamento de Aécio Neves se explica pela oposição frontal. O povo
quer mudanças mas não deixa de aprovar o que foi feito. A astúcia de
Marina é evitar o ataque direto. Elogia Lula, de quem almeja os votos, e
também Fernando Henrique, de quem copia as ideias.
Essa é aposta do mito Marina.
Vamos aos fatos, como ensinava Hanna Arendt. A capacidade de revogar
direitos dos homossexuais a partir de quatro tuítes foi uma decisão
política.
Outro ponto particularmente nocivo de sua plataforma, que compromete os
destinos do país e define um rumo para a economia que não interessa de
modo algum a população que quer empregos e desenvolvimento, é a
independência do Banco Central. Ocorreu, aqui, um mesmo processo de
mudança - o detalhe é que foi menos visível, como acontece quando
grandes interesses se movem nos bastidores e impõem sua vontade.
Bastante reacionária, em política econômica e direitos sociais, mas bem
avançada, quando se trata de direitos individuais, nossa elite fez um
pequeno escândalo diante da vitória de Silas Malafaia. Não reagiu do
mesmo modo em relação a autonomia do Banco Central, naturalmente.
Em maio, quando Eduardo Campos anunciou que era favorável a garantir a
autonomia do BC através da legislação, Marina Silva deixou claro que
contra. Lembrou países em que a mudança não havia dado certo. Citou
especificamente o caso da Argentina.
Poderia ter falado do Banco Central Europeu, que nasceu autônomo em
relação a população do Velho Mundo e depois da crise de 2008 tem
promovido a destruição do mais belo estado de bem-estar que a humanidade
já constituiu. É sintomático que a novidade tenha sido anunciada por
Neca Setubal, usando a palavra “enfim” para explicar a nova posição da
candidata-amiga, o que dá uma ideia do caráter dramático da mudança - e
do alívio provocado.
A verdade é que o conto de fadas de Marina Silva encontra-se no capítulo deprimente e decisivo em que a personagem central não mudou de ideia, nem fez uma revisão de suas convicções - o que é natural nas pessoas civilizadas. Mudou de lado. Você sabe o que isso significa.
Marina passou dos seringueiros aos banqueiros. Trocou a liderança de
Chico Mendes e Wilson Pinheiro, heróis dos povos da floresta, pelos
conselhos de Roberto Freire, embaixador de José Serra em sua campanha,
além de assessores que são conselheiros profissionais dos inimigos do
povo.
Abandonou os empates do Acre, luta que pretendia barrar a expansão do
capitalismo e da propriedade privada na Amazônia, por uma campanha
privatista, contra as principais empresas estatais, a começar pela
Petrobras. Hoje Marina é a esperança de executivos como Roberto Setubal,
principal gestor do Itaú, que, num discurso pronunciado ontem, disse
que a campanha de 2014 mudará os rumos de um país que “não quer mais
gestões medíocres e populistas”.
As concessões a Silas Malafaia antecedem a onda do twitter. Vem de 2010, quando ele retirou Marina de uma campanha sofrível para um terceiro lugar histórico, que nada teve de milagroso mas não passou de um pacto pré-nupcial - votar na candidata verde e garantir, sem que o eleitor comum tivesse noção exata do que fazia, um segundo turno para José Serra, ameaçado de sucumbir na primeira fase.
Como o Estado de S. Paulo noticiou em janeiro de 2008, ainda no
ministério do Meio Ambiente, durante o governo Lula, Marina mantinha um
pastor mas dependências de sua pasta - quem pagava as contas era um
contrato com o PNUD, órgão das Nações Unidas. Quando o caso veio a
público, explicou-se que o pastor estava encarregado de organizar a III
Conferencia Nacional do Meio Ambiente, a realizar-se dali a poucos
meses.
Foi no final deste evento que, para surpresa dos não-iniciados, ocorreu uma manifestação que pedia "Marina presidente", ocorrida pouco antes dela deixar o governo e filiar ao segundo dos quatro partidos que frequentou em seis anos.
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