Marina Silva e Charles Alcântara (divulgação)
Líder do Rede Sustentabilidade no Pará deixa de apoiar Marina e diz que a ex-senadora mudou desde que se tornou candidata à Presidência: "todas as suas declarações foram em direção aos mercados, em especial o financeiro"
Líder da Rede Sustentabilidade no Pará e candidato natural do partido
caso ele tivesse sido registrado no TSE, Charles Alcântara declara que
não votará mais em Marina Silva, com quem disse já ter tido “boas
conversas” e de quem escutou “muita generosidade e sabedoria”. Alcântara
conta ter sido levado pelo “sopro inspirador” da ex-senadora a apoiar a
candidatura de Eduardo Campos, do PSB, mas que “até o presente momento,
desde que se tornou candidata presidencial, as declarações mais
explícitas e compreensíveis de Marina Silva foram em direção aos
mercados, em especial o financeiro”.
Ele ressalta os “custos sociais” do “tal tripé macroeconômico” que
prega a candidata: “menos recursos públicos para as áreas sociais;
arrocho salarial e ameaça de mais desemprego”. E afirma considerar “uma
fraude a pregação de que todos os interesses e todas as forças políticas
podem ser conciliados sem conflitos e sem escolhas que desatendam e
contrariem os que sempre se beneficiaram da desigualdade em favor dos
que sempre foram as vítimas dessa mesma desigualdade”. O líder da Rede
constata, em texto publicado no Facebook: “Não, Marina, não posso
acompanhá-la nessa jornada, apesar que querê-la bem”.
Leia a íntegra:
Há virtudes no velho, como há vícios no novo.
Imerso em minhas reflexões sobre a conjuntura político-eleitoral,
decidi agora abandonar o recesso que me impus desde o meu afastamento da
coordenação nacional da Rede, que se deu quando esta embarcou
provisoriamente no PSB.
Também fui – e ainda estou – tocado pela ideia de que o exercício da
política precisa ser radicalmente mais democrático e de que os partidos
políticos, tal como funcionam, tomam suas decisões e disputam o poder,
precisam reinventar-se porque se tornaram instituições anacrônicas e
voltadas para si mesmas.
Somado a isso, fui atraído pelo magnetismo de um novo (chamemos
assim) campo político sob a liderança de Marina Silva, a quem admiro e
respeito por sua história e trajetória e também por atributos que andam
em falta na seara política.
Levado pelo sopro inspirador de Marina e pela concordância quanto à
saturação e inutilidade para o Brasil da polarização entre PT e PSDB,
inclinei-me a apoiar Eduardo Campos – malgrado minhas críticas em
relação à aliança PSB/Rede – quando veio o fatídico acontecimento que
lhe ceifou a vida.
Até o presente momento, desde que se tornou candidata presidencial,
as declarações mais explícitas e compreensíveis de Marina Silva foram em
direção aos mercados, em especial o financeiro. Os que vivem da
especulação financeira e que faturam bilhões com a dívida pública
brasileira estão eufóricos com as declarações de Marina, reveladoras de
uma crença quase religiosa nos fundamentos mais caros ao velho
receituário neoliberal, fundamentos estes que colocam no centro das
preocupações e da ação estatal os interesses do mercado e na periferia
os interesses da sociedade brasileira, com o cínico argumento de que
esses interesses são convergentes – e, mais ainda – que os interesses da
sociedade tendem a ser satisfeitos se o mercado estiver satisfeito.
Institucionalização da autonomia do banco central e obediência
incondicional ao tripé macroeconômico neoliberal são os compromissos
mais enfáticos que Marina oferece aos brasileiros para acabar com a
velha política e para mudar o Brasil.
Se não em nome de uma nova política (até porque se trata da velha
solução neoliberal), mas ao menos em razão das virtudes próprias de sua
formação religiosa, Marina tinha e tem o dever de dizer ao povo
brasileiro as prováveis consequências de seu programa econômico.
Marina dá sinais de conversão ao fundamentalismo neoliberal como
sinônimo de desenvolvimento, estabilidade econômica e inflação baixa,
como se os índices inflacionários pudessem ser combatidos com a mera
alta dos juros; como se a inflação no último período do governo de FHC –
de fidelidade canina à sacrossanta fórmula neoliberal – não tenha sido
ainda maior que a verificada nos dias atuais; como se o maior e mais
indecente gasto público não fosse exatamente o pagamento de juros da
dívida pública.
Pouco importa para os agentes de mercado os custos sociais do tal
tripé macroeconômico: menos recursos públicos para as áreas sociais;
arrocho salarial e ameaça de mais desemprego.
O tal tripé macroeconômico é uma boa maneira de manter os lucros do mercado financeiro de pé e o Brasil socialmente manco.
Não, Marina, não posso acompanhá-la nessa jornada, apesar que
querê-la bem; apesar de admirá-la; apesar de considerá-la uma pessoa de
bem e de bons propósitos.
Não posso acompanhá-la, porque o faria por mera crença nos seus bons
propósitos e no seu carisma pessoal e porque isto é absolutamente
insuficiente para considerá-la a melhor alternativa para o Brasil,
principalmente depois do caminho que escolheste trilhar.
Não vou acompanhá-la porque considero uma fraude a pregação de que
todos os interesses e todas as forças políticas podem ser conciliados
sem conflitos e sem escolhas que desatendam e contrariem os que sempre
se beneficiaram da desigualdade em favor dos que sempre foram as vítimas
dessa mesma desigualdade.
Conheço pessoalmente Marina, com ela tive boas conversas e dela escutei muita generosidade e sabedoria.
Marina está crescendo nas pesquisas eleitorais e pode vir a comandar a
República Federativa do Brasil; momento propício, portanto, para eu
declarar a minha posição, que o faço baseado num conselho que escutei da
própria Marina de que a boa (nova) política não se deve alicerçar no
carisma pessoal.
Outra lição que aprendi com Marina é que muitas vezes é preferível perder ganhando a ganhar perdendo.
Resolvi, então, seguir os conselhos de Marina, não a apoiando nestas
eleições, por convicção de que a sua candidatura não está oferecendo ao
Brasil um caminho alternativo.
Votar por convicção, penso, é uma das coisas tradicionais da velha e
boa política (sim, porque também há virtudes no velho e há vícios no
novo) que eu não me disponho a abrir mão. Pragmatismo Político
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