A autonomia do Banco Central: o ouro de tolo da oposição
O Senador Aécio Neves e o ex-governador Eduardo Campos defenderam no fórum empresarial de Comandatuba a autonomia do BC como arma para combater a inflação.
Claudio Puty (*)- Carta Maior
O Senador Aécio Neves (PSDB) e
o ex-governador Eduardo Campos (PSB), ambos pré-candidatos à
presidência da República, defenderam no fórum empresarial de Comandatuba
a autonomia do Banco Central (BACEN) como arma para combater a
inflação. No final do ano passado, muito se falou na imprensa da
intenção (ademais nunca confirmada) do presidente do Senado de
apresentar um projeto de lei garantindo a independência do Bacen.
Apesar
de os pré-candidatos de oposição à presidente Dilma usarem os
adjetivos independência e autonomia como sinônimos, eles podem
representar desenhos institucionais razoavelmente distintos do papel do
Banco Central na condução da política monetária. Da existência de
mandatos de sua diretoria não coincidentes com o mandato presidencial à
mera autonomia operacional para atingir metas determinadas pelo
governo, os termos, em um sentido amplo, podem inclusive descrever o
funcionamento atual de nossa autoridade monetária ao operar as metas
inflacionárias.
O que quiseram então dizer os presidenciáveis de
oposição ao defender a independência do Banco Central? A meu ver,
sinalizar para os agentes econômicos, particularmente para o mercado
financeiro que: 1) que dentre o conjunto de instrumentos de política
econômica, a política monetária (leia-se, alterações na taxa Selic) terá
estatuto superior e que, consequentemente, 2) a política de
estabilização de preços terá prioridade sobre objetivos
macroeconômicos, notadamente a geração de empregos e o nível da taxa de
câmbio, fundamental para a sobrevivência da nossa indústria. As
propostas de Aécio e Eduardo Campos têm importante repercussão
programática e, caso algum dia se concretizem, terão graves
consequências para o futuro do país.
No fundo, as teses de
autonomia ou independência dos Bancos Centrais partem de pressupostos
comuns. Em ambos casos casos comungam de versões contemporâneas de
teorias econômicas ultra-ortodoxas, típicas do século XIX, que acreditam
que a tendência natural do capitalismo é o pleno emprego (ou, na sua
versão tautológica, de uma taxa de desemprego em que a inflação seja
estável) a partir do equilíbrio entre oferta e demanda dos diversos
mercados em regime de livre concorrência. A existência de desemprego
crônico ou de equilíbrios "sub-ótimos" normalmente é fruto de
intervenção indevida de instituições (dentre elas o Estado) no livre
funcionamento do mercado.
Entre essas intervenções "indevidas"
estariam políticas de afrouxamento monetário – quedas nas taxas básicas
de juros ou ampliação da base monetária – visando ao estímulo à
atividade econômica e à geração de empregos, típicas do arroz com feijão
keynesiano que vigorou como verdade inatacável desde o New Deal
americano até o surgimento do neoliberalismo, no final da década de
1970.
Segundo os ortodoxos, tentativas recorrentes de estímulo
monetário estão fadadas a gerar descontrole inflacionário, já que a
moeda é neutra no longo prazo e têm efeito somente sobre a variação do
nível de preços, sendo ineficaz na aceleração do nível do produto.
Portanto,
a receita de política monetária advogada pelos economistas hoje
articulados em torno de Aécio e Eduardo Campos é centrada na concepção
de "um instrumento" para "um objetivo" de política econômica. O
instrumento recomendado é a taxa de juros; o objetivo sugerido é o
controle da inflação. Nestes termos, a política monetária, leia-se a
gestão da taxa básica de juros da economia (Selic), deve ser orientada
exclusivamente para o alcance de uma meta de inflação.
O
argumento central para fundamentar a escolha deste modelo é que a adoção
de uma meta para a inflação constitui uma âncora para as expectativas
dos agentes econômicos quanto ao comportamento futuro da inflação.
Expectativas bem ancoradas seriam capazes de ampliar os investimentos e
favorecer o crescimento.
A ancoragem depende da reputação da
autoridade responsável pela condução da política monetária. Esta
reputação é determinada pelo compromisso político e a capacidade
operacional referente à execução da política de metas.
Aqui
reside o argumento "técnico" para justificar a "independência" do Banco
Central. Esta independência diz respeito ao Poder Executivo. Mais
especificamente, é independência em relação ao presidente da República,
eleito pelo voto direto da população brasileira, em eleições realizadas
dentro dos marcos constitucionais, sob condições de plena transparência e
reconhecimento da comunidade internacional de países. Um argumento que,
na realidade, é fundamentalmente, político.
Segundo seus
adeptos, o bom funcionamento da política monetária de metas para a
inflação, ao consolidar expectativas sobre a estabilidade da trajetória
da inflação, reduz incertezas relacionadas ao comportamento futuro dos
preços dos ativos de capital e dos fluxos de renda decorrentes da
exploração econômica destes ativos. Ou seja, reduz as incertezas sobre a
dinâmica do processo de acumulação de capital.
E qual o papel
reservado aos objetivos de políticas econômicas relacionadas ao nível de
emprego e da renda real dos trabalhadores? Bem, estes objetivos não são
considerados no âmbito da política econômica dos Inocentes do Leblon.
Para eles, a estabilidade da economia favorece o funcionamento dos
mercados e, consequentemente, (sem necessidade de execução de medidas de
política econômica) constitui condições favoráveis à expansão do
emprego e da renda das famílias.
O governo do PSDB praticou taxas
abusivas de juros e encerrou o mandato em dezembro de 2002 com Selic
igual a 25% a.a. O governo da presidente Dilma Rousseff praticou a
menor taxa média de juros dos últimos 25 anos e opera atualmente uma
Selic igual a 10,5%.
Apesar das taxas de juros abusivas, o
governo de FHC conviveu com uma inflação média no período 1999-2002 de
aproximadamente 8,8% a.a., chegando a 12,5% no último ano do mandato, em
2002. O governo da presidente Dilma manteve a inflação dentro da meta
e, no período 2011-2013, a inflação média foi da ordem de 6% a.a.
Por
fim, cabe ressaltar que o segundo governo do PSDB de Fernando Henrique
Cardoso conviveu com taxas de desemprego médio de 10% a.a. e encerrou o
mandato, em 2002, com uma taxa batendo na casa dos 11%. O Governo da
presidente Dilma, orientado num modelo de política econômica que
valoriza a coordenação de políticas econômicas e objetiva
competitividade e pleno emprego, alcançou as menores taxas de desemprego
da série histórica calculada pelo IBGE, alcançando uma média anual de
aproximadamente 4,6%a.a no período 2011-2013.
Estes dados são
ainda mais expressivos quando consideramos que o PSDB governou o país
sob condições internacionais muito favoráveis, e a Presidente Dilma
governa o Brasil sob um cenário internacional adverso, que observa o
sétimo ano consecutivo de turbulências (2008-2014) determinadas pela
maior crise da economia mundial desde os anos 1930.
Uma política
econômica que sustente um projeto democrático e popular não pode ser
caolha e nem prescindir de um firme compromisso com o emprego e com a
defesa dos interesses de nossa produção. Isso exige um grande esforço de
coordenação macroeconômica a partir do Executivo e envolve, obviamente,
o Bacen. É o que demonstra nossa experiência recente, nos acertos de
Dilma... e nos erros (reincidentes) da oposição.
(*) Deputado federal (PT-PA)
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