O pior da crise da água em São Paulo ainda está por vir, alertam especialistas
rios e reservatórios de São Paulo estão com níveis abaixo do normal e, em agosto, cerca de 2,1 milhões de pessoas estavam submetidas a racionamento de água
Daniella Cambaúva- Carta Maior
São Paulo - O Sistema
Cantareira, um dos maiores sistemas produtores de água do mundo e o mais
importante da Região Metropolitana de São Paulo, está há oito meses
recebendo um volume de água mais baixo do que sua mínima histórica.
Importantes rios e reservatórios do estado de São Paulo estão com níveis
abaixo do normal e, no mês de agosto, aproximadamente 2,1 milhões de
pessoas estavam submetidas a racionamento oficial de água. Esse número
equivale a 1 em cada 20 habitantes do estado, com cortes diários no
fornecimento que podem durar de quatro horas a dois dias. E esta
situação ainda pode piorar, caso não chova a quantidade de água que o
governo estadual espera nos próximos meses, afirmam especialistas em
recursos hídricos durante debate sobre o tema realizado na quinta-feira
(4).
O evento faz parte do "Ciclo de Debates: desafios paulistanos", uma série de encontros realizados pelo mandato do vereador Nabil Bonduki (PT) para discutir os principais problemas de São Paulo e soluções para cada caso. A edição “crise da água” aconteceu na Associação Casa da Cidade, localizada na zona oeste de São Paulo. Compuseram a mesa o vereador Nabil, que é relator do Plano Diretor da cidade, Marussia Whately, arquiteta, consultora em recursos hídricos e sustentabilidade, colaboradora do Instituto Socioambiental, Mário Reali, arquiteto e urbanista, ex-prefeito de Diadema, já foi deputado estadual e é candidato a deputado federal (PT-SP), Ricardo Brandão Figueiredo, Secretário Adjunto de Meio Ambiente e Edson Aparecido da Silva, sociólogo, Coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental e mestrando em Planejamento e Gestão do Território.
A arquiteta Marussia afirmou que “estamos vivendo uma das piores – talvez a pior crise – pela qual São Paulo já passou”. Segundo ela, esta é uma crise “relacionada à estiagem, com último verão muito seco. Essa crise hoje tem uma questão de estresse hídrico [relação entre a disponibilidade natural e os diversos usos que se faz da água] muito grande na Bacia do Tietê, que é onde nós estamos, estamos na cabeceira do Tietê, mas já toda a região da Bacia do Tietê, a hidrovia do Tietê-Paraná está parada há quatro meses porque o rio está seco. A região de Piracicaba e Campinas e outras cidades, também aqui em São Paulo, estão na iminência do desabastecimento”.
Para além dos impactos do racionamento em atividades domésticas cotidianas, Marussia questionou qual será o impacto econômico da escassez da água em escritórios, restaurantes que, por questões elementares de higiene não podem ficar sem água, e em outros estabelecimentos comerciais. “Qual é o impacto econômico de você pegar uma região como Campos Elísios, região central de São Paulo, e ficar três dias da semana com escritórios, restaurante, manicure, sem poder trabalhar porque não tem água?”, argumentou.
Segundo ela, é preciso reverter a falta de transparência e de participação da sociedade na gestão dos recursos hídricos que levaram a essa crise. “O sistema de recursos hídricos nacional e do estado de São Paulo, que foi pioneiro em envolver prefeituras, estados e sociedade,.. o que a gente vê nos últimos anos é um desmantelamento desse sistema, os comitês de bacias têm uma importância cada vez menor e estão participando cada vez menos”.
“Como podemos sair dessa? Primeiro, precisamos assumir que temos uma crise”, completou Marrusia: “À medida que não temos informações qualificada e acessível, fazemos com que o uso da água pela sociedade seja mais irresponsável”.
Já de acordo com Nabil, algumas medidas poderiam ser tomadas antes de a situação chegar ao nível em que está. O racionamento, por exemplo, deveria ter sido feito de maneira mais leve quando ainda não havia um nível de escassez tão alarmante. O vereador, que é também professor titular do Departamento de Planejamento da FAU-USP e um dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada para apurar as irregularidades no contrato da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) com a Prefeitura da capital, assinado em 2010, ressaltou os impactos econômico e sanitário que essa crise vai está gerando.
Nabil questionou ainda qual deve ser o papel da administração municipal neste contexto e qual ação ela precisa ter. Neste sentido, questões de médio e longo prazo foram incluímos no Plano Diretor Estratégico, sancionado em 31 de julho de 2014. Em seu texto, o Plano Diretor estabelece a “universalização do saneamento ambiental, por meio da expansão da rede de água e esgoto e de outras tecnologias adequadas a cada caso”; além da “manutenção e recuperação dos serviços ambientais prestados pelos sistemas ambientais existentes, em especial aqueles relacionados com a produção da água”.
Estava presente também Ricardo Brandão Figueiredo, Secretário Adjunto de Meio Ambiente, que afirmou ironicamente que “há uma seca de neurônios na gestão estadual. Porque não é crível que estejamos passando por isso. Não pode ser normal”.
“Estamos encarando o Plano Diretor como o novo marco regulatório ambiental da cidade de São Paulo e o papel da CPI deve levantar um bom debate sobre este assunto”.
A herança deste trabalho deve ser uma noção clara de futuros contratos da Prefeitura com a Sabesp para tentar mudanças contratuais que permitam autonomia maior, além de aliar educação ambiental necessária para as próximas gerações.
Para o debatedor Edson Aparecido da Silva, a causa da crise, apesar das altas temperaturas, da falta de chuvas e do consumo, deve-se ao fato de que muitos pontos do plano do governo para a gestão da água não foram cumpridos. Durante sua exposição, Edson explicou como funciona o sistema hídrico no estado e ressaltou os baixos níveis de armazenamento de água nas represas do sistema Cantareira, que estavam com apenas 16,9% de sua capacidade em 25 de fevereiro, o mais baixo desde sua instalação.
Citando o plano do governo estadual de 2002, revisado em 2006, exemplifica que, entre os projetos não cumpridos está elaboração de planos que evitassem uma crise hídrica, bem como a necessidade de incorporação, na gestão, de planos de segurança da água e medidas de segurança. Houve ainda carência de investimentos que buscassem novas fontes de abastecimento. Neste caso, a ausência de planos de contingência para atendimento da demanda em situação de crise interferem de forma significativa nos problemas de abastecimento de água. “Nós não temos um plano de contingência para caso acabe a água, que era para ter sido feito um ano depois da publicação da portaria”, disse. “Em qualquer evento não previsto, ia acontecer o que de fato aconteceu porque não choveu”.
O sistema Cantareira fornece 33 mil litros de água por segundo, abastecendo cerca 8,1 milhões de pessoas da zona norte, central, partes das zonas leste e oeste da cidade de São Paulo, além de municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Carapicuíba e São Caetano do Sul, parte dos municípios de Guarulhos, Barueri, Santana do Parnaíba e Santo André.
A Sabesp é a responsável pelo fornecimento da quase totalidade de água para a Região Metropolitana e faz a distribuição no varejo em 32 municípios, inclusive a capital, e seis cidades compram água no atacado.
“A crise do abastecimento de água não chegou, ela está por vir, caso não chova o quanto o governo espera que chova”, alertou Edson.
Mário Reali acredita que um dos pontos importantes é a redução da dependência do Sistema da Cantareira. A permissão para que a Sabesp retirasse água do Cantareira foi renovada dez anos atrás, ainda sob a gestão de Geraldo Alckmin. Já constava no contrato de outorga buscar formas de reduzir a dependência da região da capital em relação ao Cantareira.
“O que deveria ter sido feito? Redução da dependência do sistema da cantareira”, exemplificou.
“A presidente da Sabesp [Dilma Pena] ficou brava com um artigo [que eu escrevi] porque eu disse que não tinha plano. Ela disse "tem sim. Tem plano, tem sim, mas plano que foi para a gaveta. Essas questões não foram levadas a sério”, afirmou Mário Reali.
O evento faz parte do "Ciclo de Debates: desafios paulistanos", uma série de encontros realizados pelo mandato do vereador Nabil Bonduki (PT) para discutir os principais problemas de São Paulo e soluções para cada caso. A edição “crise da água” aconteceu na Associação Casa da Cidade, localizada na zona oeste de São Paulo. Compuseram a mesa o vereador Nabil, que é relator do Plano Diretor da cidade, Marussia Whately, arquiteta, consultora em recursos hídricos e sustentabilidade, colaboradora do Instituto Socioambiental, Mário Reali, arquiteto e urbanista, ex-prefeito de Diadema, já foi deputado estadual e é candidato a deputado federal (PT-SP), Ricardo Brandão Figueiredo, Secretário Adjunto de Meio Ambiente e Edson Aparecido da Silva, sociólogo, Coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental e mestrando em Planejamento e Gestão do Território.
A arquiteta Marussia afirmou que “estamos vivendo uma das piores – talvez a pior crise – pela qual São Paulo já passou”. Segundo ela, esta é uma crise “relacionada à estiagem, com último verão muito seco. Essa crise hoje tem uma questão de estresse hídrico [relação entre a disponibilidade natural e os diversos usos que se faz da água] muito grande na Bacia do Tietê, que é onde nós estamos, estamos na cabeceira do Tietê, mas já toda a região da Bacia do Tietê, a hidrovia do Tietê-Paraná está parada há quatro meses porque o rio está seco. A região de Piracicaba e Campinas e outras cidades, também aqui em São Paulo, estão na iminência do desabastecimento”.
Para além dos impactos do racionamento em atividades domésticas cotidianas, Marussia questionou qual será o impacto econômico da escassez da água em escritórios, restaurantes que, por questões elementares de higiene não podem ficar sem água, e em outros estabelecimentos comerciais. “Qual é o impacto econômico de você pegar uma região como Campos Elísios, região central de São Paulo, e ficar três dias da semana com escritórios, restaurante, manicure, sem poder trabalhar porque não tem água?”, argumentou.
Segundo ela, é preciso reverter a falta de transparência e de participação da sociedade na gestão dos recursos hídricos que levaram a essa crise. “O sistema de recursos hídricos nacional e do estado de São Paulo, que foi pioneiro em envolver prefeituras, estados e sociedade,.. o que a gente vê nos últimos anos é um desmantelamento desse sistema, os comitês de bacias têm uma importância cada vez menor e estão participando cada vez menos”.
“Como podemos sair dessa? Primeiro, precisamos assumir que temos uma crise”, completou Marrusia: “À medida que não temos informações qualificada e acessível, fazemos com que o uso da água pela sociedade seja mais irresponsável”.
Já de acordo com Nabil, algumas medidas poderiam ser tomadas antes de a situação chegar ao nível em que está. O racionamento, por exemplo, deveria ter sido feito de maneira mais leve quando ainda não havia um nível de escassez tão alarmante. O vereador, que é também professor titular do Departamento de Planejamento da FAU-USP e um dos membros da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada para apurar as irregularidades no contrato da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) com a Prefeitura da capital, assinado em 2010, ressaltou os impactos econômico e sanitário que essa crise vai está gerando.
Nabil questionou ainda qual deve ser o papel da administração municipal neste contexto e qual ação ela precisa ter. Neste sentido, questões de médio e longo prazo foram incluímos no Plano Diretor Estratégico, sancionado em 31 de julho de 2014. Em seu texto, o Plano Diretor estabelece a “universalização do saneamento ambiental, por meio da expansão da rede de água e esgoto e de outras tecnologias adequadas a cada caso”; além da “manutenção e recuperação dos serviços ambientais prestados pelos sistemas ambientais existentes, em especial aqueles relacionados com a produção da água”.
Estava presente também Ricardo Brandão Figueiredo, Secretário Adjunto de Meio Ambiente, que afirmou ironicamente que “há uma seca de neurônios na gestão estadual. Porque não é crível que estejamos passando por isso. Não pode ser normal”.
“Estamos encarando o Plano Diretor como o novo marco regulatório ambiental da cidade de São Paulo e o papel da CPI deve levantar um bom debate sobre este assunto”.
A herança deste trabalho deve ser uma noção clara de futuros contratos da Prefeitura com a Sabesp para tentar mudanças contratuais que permitam autonomia maior, além de aliar educação ambiental necessária para as próximas gerações.
Para o debatedor Edson Aparecido da Silva, a causa da crise, apesar das altas temperaturas, da falta de chuvas e do consumo, deve-se ao fato de que muitos pontos do plano do governo para a gestão da água não foram cumpridos. Durante sua exposição, Edson explicou como funciona o sistema hídrico no estado e ressaltou os baixos níveis de armazenamento de água nas represas do sistema Cantareira, que estavam com apenas 16,9% de sua capacidade em 25 de fevereiro, o mais baixo desde sua instalação.
Citando o plano do governo estadual de 2002, revisado em 2006, exemplifica que, entre os projetos não cumpridos está elaboração de planos que evitassem uma crise hídrica, bem como a necessidade de incorporação, na gestão, de planos de segurança da água e medidas de segurança. Houve ainda carência de investimentos que buscassem novas fontes de abastecimento. Neste caso, a ausência de planos de contingência para atendimento da demanda em situação de crise interferem de forma significativa nos problemas de abastecimento de água. “Nós não temos um plano de contingência para caso acabe a água, que era para ter sido feito um ano depois da publicação da portaria”, disse. “Em qualquer evento não previsto, ia acontecer o que de fato aconteceu porque não choveu”.
O sistema Cantareira fornece 33 mil litros de água por segundo, abastecendo cerca 8,1 milhões de pessoas da zona norte, central, partes das zonas leste e oeste da cidade de São Paulo, além de municípios de Franco da Rocha, Francisco Morato, Caieiras, Osasco, Carapicuíba e São Caetano do Sul, parte dos municípios de Guarulhos, Barueri, Santana do Parnaíba e Santo André.
A Sabesp é a responsável pelo fornecimento da quase totalidade de água para a Região Metropolitana e faz a distribuição no varejo em 32 municípios, inclusive a capital, e seis cidades compram água no atacado.
“A crise do abastecimento de água não chegou, ela está por vir, caso não chova o quanto o governo espera que chova”, alertou Edson.
Mário Reali acredita que um dos pontos importantes é a redução da dependência do Sistema da Cantareira. A permissão para que a Sabesp retirasse água do Cantareira foi renovada dez anos atrás, ainda sob a gestão de Geraldo Alckmin. Já constava no contrato de outorga buscar formas de reduzir a dependência da região da capital em relação ao Cantareira.
“O que deveria ter sido feito? Redução da dependência do sistema da cantareira”, exemplificou.
“A presidente da Sabesp [Dilma Pena] ficou brava com um artigo [que eu escrevi] porque eu disse que não tinha plano. Ela disse "tem sim. Tem plano, tem sim, mas plano que foi para a gaveta. Essas questões não foram levadas a sério”, afirmou Mário Reali.
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