Livro contra FHC revela fonte que provou compra de votos pela emenda da reeleição
RICARDO MENDONÇA
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
O livro "O Príncipe da Privataria",
um libelo contra o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que está
sendo lançado pelo jornalista Palmério Dória, traz uma revelação
histórica sobre a compra de votos no Congresso a favor da emenda
constitucional da reeleição, esquema revelado pela Folha em 1997.
Tratado pelo jornal como "Senhor X" em diversas reportagens, o homem que
naquele ano gravou deputados admitindo a venda de votos assumiu sua
real identidade.
Trata-se do empresário e ex-deputado Narciso Mendes, 67 anos, dono de um
jornal e de uma retransmissora do SBT em Rio Branco (AC). Em 16 anos,
ele nunca havia falado publicamente sobre o assunto. A seu pedido, seu
nome era preservado pelo jornal.
Sergio Lima - 29.jan.1997/Folhapress | ||
O então presidente Fernando Henrique Cardoso (centro) comemora a aprovação da emenda da reeleição |
O depoimento de Mendes admitindo ter colhido as provas da compra de
votos é tema dos capítulos 11 e 12 de "O príncipe da privataria" (399
páginas, Geração Editorial).
Na época, Mendes já era ex-deputado. Com bom trânsito na bancada do
Acre, ele afirma que aceitou gravar os colegas e entregar o material ao
repórter Fernando Rodrigues, autor da série de reportagens da Folha sobre a compra de votos, porque era "intransigentemente contra" a emenda que viria a favorecer FHC.
Seu único pedido era a manutenção do anonimato, condição que o jornal
aceitou por entender que o interesse jornalístico se sobrepunha à
necessidade de revelação de seu nome. Com a iniciativa do próprio em
revelar sua identidade, a Folha entende que o acordo está encerrado.
HISTÓRICO
Nas gravações do "Senhor X" em 1997, dois deputados do Acre, Ronivon
Santiago e João Maia (ambos do PFL, hoje DEM) diziam ter votado a favor
da emenda da reeleição em troca de R$ 200 mil, o equivalente a R$ 530
mil hoje.
Outros três deputados eram citados de forma explícita nas gravações. As
conversas sugeriam que dezenas teriam participado do esquema.
Juca Varella - 28.jan.1997/Folhapress | ||
Votação da emenda da reeleição em primeiro turno na Câmara dos Deputados, em Brasília |
A denúncia causou abalo no governo, mas o assunto nunca foi investigado.
A tentativa de criação de uma CPI foi abafada. O então procurador-geral
da República, Geraldo Brindeiro, não pediu a abertura de inquérito.
Em 21 de maio de 1997, oito dias após o caso ter sido publicado,
Santiago e Maia renunciaram. Os ofícios enviados ao presidente da
Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), eram idênticos. Ambos alegaram "motivos
de foro íntimo".
Dez anos depois, em sabatina na Folha, FHC não negou que tenha
ocorrido compra de votos, mas disse que a operação não foi comandada
pelo governo. "O Senado votou [a reeleição] em junho [de 1997] e 80%
aprovou. Que compra de voto? (...) Houve compra de votos? Provavelmente.
Foi feita pelo governo federal? Não foi. Pelo PSDB: não foi. Por mim,
muito menos."
APANHADO
Apesar do tom escandaloso do subtítulo, "A história secreta de como o
Brasil perdeu seu patrimônio e FHC ganhou sua reeleição", o livro não
traz material exclusivo sobre a venda de estatais durante o governo
tucano (1995-2002).
As várias denúncias citadas, muitas vezes apresentadas de forma confusa e
imprecisa, são reproduções de notícias publicadas em jornais e revistas
da época. Já os argumentos econômicos são colagens de artigos
publicados nos anos 90 pelo jornalista Aloysio Biondi (1936-2000),
ex-colunista da Folha.
A informação mais polêmica do livro não está no material de Dória, mas
na "Carta do Editor", assinada na introdução por Luiz Fernando Emediato,
dono da Geração.
Emediato diz que em 1991, quando denúncias contra o então presidente
Fernando Collor começaram a surgir, ouviu uma confissão de uso de caixa
dois da boca do próprio FHC numa viagem aos EUA.
Ele diz ter ouvido de FHC o seguinte: "A diferença entre nós e eles [a
turma de Collor] é que nós gastamos o dinheiro em campanhas, enquanto
eles enfiam uma boa parte em seus próprios bolsos".
Por escrito, o assessor do Instituto FHC Xico Graziano afirmou que o
ex-presidente não se lembra de ter estado com Emediato nos EUA. Graziano
classificou a frase atribuída a ele como "absurda" e disse que ela
"jamais teria sido por ele pronunciada".
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