Bandeira de Mello: “Se eu fosse do PT, pediria que o presidente do Supremo fosse processado”
O julgamento do caso do “Mensalão” foi político e inconstitucional,
na avaliação de Celso Antônio Bandeira de Mello, que é reconhecido como
um dos mais brilhantes e respeitados juristas brasileiros.
Professor Emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC- -SP), Bandeira completa 77 anos na próxima semana envergonhado com
o papel cumprido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento.
“Esse julgamento é viciado do começo ao fim. Agora, os vícios estão
se repetindo, o que não é de estranhar. Não vejo nenhuma novidade nas
violações de direitos. Confesso que fiquei escandalizado com o
julgamento”, diz.
Na sexta-feira (11), 11 condenados do processo foram presos, como o
ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno, e o
ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu. Bandeira critica
o “açodamento” das prisões e considera “gravíssimo” o tratamento dado a
Genoíno, que passou recentemente por uma cirurgia no coração e está
doente.
Pergunta – A prisão dos condenados da ação antes do julgamento dos embargos infringentes cumpriu o rito jurídico?
Bandeira de Mello - Houve um açodamento. Começaram a
cumprir em regime fechado mesmo aqueles que deveriam estar em regime
semiaberto. A meu ver, todo o julgamento foi ilegal. Diria até
inconstitucional. A começar, por suprimir uma instância, quando fizeram
todos serem julgados no STF, o que não era o caso. Esse julgamento é
viciado do começo ao fim. Agora, os vícios estão se repetindo, o que não
é de estranhar. Não vejo nenhuma novidade nas violações de direitos.
Confesso que fiquei escandalizado com o julgamento.
P – Por que José Dirceu e José Genoíno foram levados para Brasília, se trabalham em São Paulo?
Bandeira de Mello - Foi por exibição do presidente
do Supremo [Joaquim Barbosa] , que saiu de foco por uns dias e quis
voltar. Mas é uma mera interpretação subjetiva. Só posso dizer que é uma
coisa lamentável. Não há nada que justifique. Em princípio, eles
deveriam cumprir a pena o mais próximo possível das residências deles.
Se eu fosse do PT ou da família pediria que o presidente do Supremo
fosse processado. Ele parece mais partidário do que um homem isento.
P – Genoíno deveria receber um tratamento diferente pelo fato de estar doente?
Bandeira de Mello - É gravíssimo. Tenho quase 80
anos de idade e nunca na minha vida vi essas coisas se passarem. Nunca.
Ele tinha que ter um tratamento em função do estado de saúde dele. É o
cúmulo o que está se passando. É vergonhoso.
P – Genoíno e Dirceu dizem que são inocentes e que são presos políticos em plena democracia. Como o senhor avalia isso?
P – Genoíno e Dirceu dizem que são inocentes e que são presos políticos em plena democracia. Como o senhor avalia isso?
Bandeira de Mello - Eles têm razão: foi um
julgamento político. Não foi um julgamento com serenidade e isenção como
deveria ter sido. Basta ver as penas que eles receberam, piores do que
de indivíduos que praticaram crimes com atos de crueldade e maldade.
P – José Dirceu foi condenado com base na teoria do domínio do fato. Existem provas concretas que o condenasse?
Bandeira de Mello – Esse é outro absurdo. Não existe
nenhuma prova concreta que justifique essa atitude. É simplesmente um
absurdo e um retrocesso no Estado de Direito. Primeiro, o próprio
elaborador dessa teoria [o jurista alemão Claus Roxin] já afirmou que
foi mal aplicada. Segundo, essa teoria é uma bobagem, pois contraria
princípios do Estado de Direito. Uma pessoa é inocente até que se prove o
contrário. Isso é uma conquista da civilização. Portanto, são
necessárias provas de que realmente a pessoa praticou um crime ou
indícios fortíssimos. Sem isso, não tem sentido.
P – Genoíno foi condenado por ter assinado um cheque de um
empréstimo como presidente do PT. Depois, o valor foi pago pelo partido.
Esse procedimento justifica a condenação dele?
Bandeira de Mello - Não justifica. As condenações
foram políticas. Foram feitas porque a mídia determinou. Na verdade, o
Supremo funcionou como a longa manus da mídia. Foi um ponto fora da
curva.
P – E a atuação do ministro Joaquim Barbosa?
Bandeira de Mello – Certamente, ele foi o
protagonista principal, mas não foi o único, porque não podia ter feito
tudo sozinho. Quem brilhou nesse episódio foi o ministro Ricardo
Lewandowski, que foi execrado pela mídia e pela massa de manobra que
essa mesma mídia sempre providencia. Se o Judiciário desse sanções
severíssimas à mídia, como multas nos valores de R$ 50 milhões ou 100
milhões, agiriam de outro jeito. Mas com as multinhas que recebem, não
se incomodam a mínima.
P – Você acredita em uma contra ofensiva em relação ao Poder
Judiciário, diante das contradições cada vez mais evidentes nesse
episódio?
Bandeira de Mello – Acho muito difícil, porque a
mídia faz e desfaz o que ela bem entende. Na verdade, foi ela a
responsável por tudo isso. O Supremo não foi mais que as longa manus da
mídia.
Este texto foi publicado no Rede Brasil Atual
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