Nos tempos do engavetador-geral: Refrescando Henrique Cardoso
O que é mais vergonhoso
para um presidente da República? Ter as ações de seu governo
investigadas e os responsáveis, punidos, ou varrer tudo para debaixo do
tapete? Eis a diferença entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio
Lula da Silva: durante o governo do primeiro, nenhuma denúncia –e foram
muitas– foi investigada; ninguém foi punido. O segundo está tendo que
cortar agora na própria carne por seus erros e de seu governo
simplesmente porque deu autonomia aos órgãos de investigação, como a
Polícia Federal e o Ministério Público. O que é mais republicano?
Descobrir malfeitos ou encobri-los?
FHC, durante os oito
anos de mandato, foi beneficiado, sim, ao contrário de Lula, pelo olhar
condescendente dos órgãos públicos investigadores. Seu procurador-geral
da República, Geraldo Brindeiro, era conhecido pela alcunha vexaminosa
de “engavetador-geral da República”. O caso mais gritante de corrupção
do governo FHC, em tudo similar ao “mensalão”, a compra de votos para a
emenda da reeleição, nunca chegou ao Supremo Tribunal Federal nem seus
responsáveis foram punidos porque o procurador-geral simplesmente
arquivou o caso. Arquivou! Um escândalo.
Durante a sabatina de
recondução de Brindeiro ao cargo, em 2001, vários parlamentares
questionaram as atitudes do engavetador, ops, procurador. A senadora
Heloísa Helena, ainda no PT, citou um levantamento do próprio MP segundo
o qual havia mais de 4 mil processos parados no gabinete do
procurador-geral. Brindeiro foi questionado sobre o fato de ter sido
preterido pelos colegas numa eleição feita para indicar ao presidente
FHC quem deveria ser o procurador-geral da República.
Lula, não. Atendeu ao
pedido dos procuradores de nomear Claudio Fonteles, primeiro colocado na
lista tríplice feita pela classe, em 2003, e em 2005, ao escolher
Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia do mensalão. Detalhe: em
2007, mesmo após o procurador-geral fazer a denúncia, Lula reconduziu-o
ao cargo. Na época, o presidente lembrou que escolheu procuradores
nomeados por seus pares, e garantiu a Antonio Fernando: “Você pode ser
chamado por mim para tomar café, mas nunca será procurado pelo
presidente da República para pedir que engavete um processo contra quem
quer que seja neste país.”
E assim foi.
Privatizações, Proer,
Sivam… Pesquisem na internet. Nada, nenhum escândalo do governo FHC foi
investigado. Nenhum. O pior: após o seu governo, o ex-presidente passou a
ser tratado pela imprensa com condescendência tal que nenhum jornalista
lhe faz perguntas sobre a impunidade em seu governo. Novamente,
pesquisem na internet: encontrem alguma entrevista em que FHC foi
confrontado com o fato de a compra de votos à reeleição ter sido
engavetada por seu procurador-geral. Depois pesquisem quantas vezes Lula
teve de ouvir perguntas sobre o “mensalão”. FHC, exatamente como Lula,
disse que “não sabia” da compra de votos para a reeleição. Alguém
questiona o príncipe?
Esta semana, o ministro
Gilberto Carvalho, secretário-geral da presidência, colocou o dedo na
ferida: “Os órgãos todos de vigilância e fiscalização estão autorizados e
com toda liberdade garantida pelo governo. Eu quero insistir nisso, não
é uma autonomia que nasceu do nada, porque antes não havia essa
autonomia, nos governos Fernando Henrique não havia autonomia, agora há
autonomia, inclusive quando cortam na nossa própria carne”, disse
Carvalho. É verdade.
Imediatamente FHC foi
acionado pelos jornais para rebater o ministro. “Tenho 81 anos, mas
tenho memória”, disse o ex-presidente. Nenhum jornalista foi capaz de
refrescar suas lembranças seletivas e falar do “engavetador-geral” e da
compra de votos à reeleição. Pois eu refresco: nunca antes neste País se
investigou tanto e com tanta independência. A ponto de o ministro da
Justiça ser “acusado” de não ter sido informado da operação da PF que
revirou a vida de uma mulher íntima do ex-presidente Lula. Imagina se
isso iria acontecer na época de FHC e do seu engavetador-geral.
O erro do PT foi, fazendo diferente, agir igual.
(texto publicado originalmente no blog em dez/2012)
Fonte:Socialista Morena
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