Alckmin e a batalha de São Paulo
Por Altamiro Borges
Por Altamiro Borges
As últimas pesquisas confirmam que Dilma Rousseff caminha para vencer a eleição presidencial já no primeiro turno. Um dos obstáculos que pode, mais uma vez, adiar este resultado é São Paulo. Neste estado, que concentra 22,3% do eleitorado brasileiro, diminuiu a diferença entre os dois principais concorrentes, mas José Serra ainda tem folgada vantagem. Em certo sentido, a batalha presidencial será definida em São Paulo.
Reduto do eleitorado conservador
Maior centro industrial e financeiro do país, com volumosa “classe média”, o estado é dominado pelo PSDB há quase 16 anos e tornou-se o principal reduto do eleitorado conservador. Apesar da chamada “locomotiva” ter emperrado nas últimas décadas, com índices pífios de crescimento e explosão da miséria social, a hegemonia tucana ainda é inconteste e pode garantir a vitória, já no primeiro turno, para Geraldo Alckmin, expressão mais tosca do conservadorismo político.
Para evitar mais uma gestão desastrosa da direita em São Paulo e reforçar a campanha de Dilma Rousseff no estado será preciso desmascarar Geraldo Alckmin, que já foi apelidado de “picolé de chuchu”. A mídia demotucano, que adora desfigurar o passado de seus adversários, não cumprirá este papel investigativo. Com este objetivo, apresento uma breve história do candidato tucano ao governo da principal unidade da federação, que comprova seu conservadorismo e autoritarismo.
Breve história de um direitista
Natural de Pindamonhangaba, no interior paulista, Geraldo Alckmin sempre conviveu com políticos reacionários, alguns deles envolvidos na conspiração que resultou no golpe militar de 1964, e com simpatizantes do Opus Dei, seita religiosa que cresceu sob as bênçãos do ditador espanhol Augusto Franco. Seu pai militou na União Democrática Nacional (UDN), principal partido golpista deste período; um tio foi prefeito de Guaratinguetá pelo mesmo grupo; outro foi professor do Mackenzie, que na época havia sido convertido num dos centros da direita fascista.
Alckmin ingressou na política em 1972, convidado pelo antigo MDB para disputar uma vaga de vereador. Na ocasião, diante do convite formulado por seu colega do curso de medicina, José Bettoni, ele respondeu: “Mas meu pai é da UDN”, talvez temeroso dos seus laços familiares com a ditadura. Até hoje, Alckmin se gaba de ter sido um dos vereadores mais jovens do país, com 19 anos, e de ter tido uma votação histórica neste pleito – 1.147 votos (cerca de 10% do total).
Um bajulador da ditadura militar
Mas, segundo o depoimento de Paulo de Andrade, presidente do MDB local nesta época, outros fatores interferiram na sua eleição. O tio de Alckmin, José Geraldo Rodrigues, tinha acabado de ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal pela ditadura. “Ele transferiu prestígio para o sobrinho”, diz Rodrigues. A outra razão era histórica. Geraldo é sobrinho-neto do folclórico político mineiro José Maria Alckmin, que foi o vice-presidente civil do general golpista Castelo Branco. “Ter um Alckmin no MDB era um trunfo [para o regime militar]’, diz Andrade”.
Tanto que o jovem vereador se tornou um bajulador da ditadura. Caio Junqueira, em um artigo no jornal Valor (03/04/06), desenterrou uma carta em que ele faz elogios ao general Garrastazu Médici. Segundo o jornalista, Alckmin sempre se manteve “afastado de qualquer movimento de resistência ao regime militar… O tom afável do documento encaminhado a Médici, sob cujo governo o Brasil viveu o período de maior repressão, revela a postura de não enfrentamento da ditadura, fato corroborado por relatos de colegas de faculdade e políticos que com ele atuaram”.
Seguidor da seita Opus Dei
Em 1976, Alckmin foi eleito prefeito da sua cidade natal por uma diferença de apenas 67 votos e logo de cara nomeou seu pai como chefe de gabinete, sendo acusado de nepotismo. Ainda como prefeito, tomou outra iniciativa definidora do seu perfil, que na época não despertou suspeitas: no cinqüentenário do Opus Dei, em 1978, ele batizou uma rua da cidade com o nome de Josemaría Escrivá de Balaguer, o fundador desta seita fascista.
Na seqüência, ele foi eleito deputado estadual (1982) e federal (1986). Na Constituinte, em 1998, teve uma ação apagada e recebeu nota sete do Diap; em 1991, tornou-se presidente da seção paulista do PSDB ao derrotar o grupo histórico do partido, encabeçado por Sérgio Motta. Em 1994, Mário Covas o escolheu como vice na eleição para o governo estadual. Já famoso por sua truculência, coube-lhe presidir o Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização.
Centralizador e a “turma de Pinda”
As privatizações das lucrativas estatais foram feitas sem qualquer transparência ou diálogo com a sociedade, gerando muitas suspeitas de negócios ilícitos. Nas eleições para a prefeitura da capital paulista, em 2000, obteve 17,2% dos votos, ficando em terceiro lugar. Com a morte de Covas, em março de 2001, assumiu o governo e mudou toda a sua equipe, causando desconforto até em setores do PSDB. Em 2002, ele foi reeleito governador no segundo turno, com 58,6% dos votos.
Numa prova de sua vocação autoritária, um de seus primeiros atos no governo foi nomear, para o estratégico comando do Departamento de Inteligência da Polícia Civil, o delegado Aparecido Laerte Calandra – também conhecido pela alcunha de “capitão Ubirajara”, que ficou famoso como um dos mais bárbaros torturadores dos tempos da ditadura. Com a mesma determinação, o governador não vacilou em excluir os históricos do PSDB do Palácio dos Bandeirantes, cercando-se apenas de pessoas de sua estrita confiança e lealdade – a chamada “turma de Pinda”.
Criminalização dos movimentos sociais
Como governador de São Paulo, Alckmin nunca escondeu sua postura autoritária. Ele se gabava das ações “enérgicas” de criminalização dos movimentos sociais e de satanização dos grevistas. Não é para menos que declarou apoio à prisão dos líderes do MST no Pontal do Paranapanema; aplaudiu a violenta desocupação de assentados no pátio vazio da Volks no ABC paulista; elogiou a prisão do dirigente da Central dos Movimentos Populares (CMP), Gegê; e nunca fez nada para investigar e punir as milícias privadas dos latifundiários no interior do estado.
Durante seu governo, o sindicalismo não teve vez e nem voz. Ele se recusou a negociar acordos coletivos, perseguiu grevistas e fez pouco caso dos sindicalistas. Que o digam os docentes das universidades, que realizaram um das mais longas greves da história e sequer foram recebidos; ou os professores das escolas técnicas, que pararam por mais de dois meses, não foram ouvidos e ainda foram retalhados com 12 mil demissões.
A linguagem da violência
Os avanços democráticos no país não tiveram ressonância no estado. Alckmin sabotou os fóruns de participação da sociedade criados no governo Lula, como o Conselho das Cidades. Avesso ao diálogo, a única linguagem do ex-governador foi a da repressão dura e crua. Isto explica a sua política de segurança pública, marcada pelo total desrespeito aos direitos humanos e que transformou o estado num grande presídio – em 2006, eram 124 mil detentos para 95 mil vagas.
Segundo relatório oficial, o ex-governante demitiu 1.751 funcionários da Febem, deixando 6.500 menores em condições subumanas, sofrendo maus-tratos. Nos seus quatro anos de governo, 23 adolescentes foram assassinados nestas escolas do crime, o que rendeu a Alckmin a condenação formal da Corte Internacional da OEA.
A submissão dos poderes
Contando com forte blindagem da mídia, Alckmin conseguiu submeter quase que totalmente o Poder Judiciário, infestando-o de tucanos, e garantiu uma maioria servil no Poder Legislativo. Através de um artifício legal do período da ditadura militar, ele abortou 69 pedidos de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) na Assembléia Legislativa – destas, 37 tinham sido solicitadas para investigar irregularidades, fraudes e casos de corrupção da sua administração.
Como sintetiza o sociólogo Rodrigo Carvalho, no livrete “O retrocesso de São Paulo no governo tucano”, Geraldo Alckmin marcou sua gestão pela forma autoritária como lidou com a sociedade organizada e pelo rígido controle que exerceu sobre os poderes instituídos e a mídia. “Alckmin trata os movimentos sociais como organizações criminosas, não tem capacidade de dialogar e identificar as demandas da sociedade… Além disso, ele utilizou sua força política para impedir qualquer ação de controle e questionamento das ações do governo”.
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