Participação no comando do mensalão tem de ser provada, diz jurista
Insatisfeito com a jurisprudência alemã --que até meados dos anos 1960
via como participante, e não como autor de um crime, aquele que ocupando
posição de comando dava a ordem para a execução de um delito--, o
jurista alemão Claus Roxin, 81, decidiu estudar o tema.
Aprimorou a teoria do domínio do fato, segundo a qual autor não é só
quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e
faz o planejamento estratégico para que ele aconteça.
Daniel Marenco/Folhapress | ||
O jurista alemão Claus Roxin, 81, em seminário na EMERJ, no Rio de Janeiro |
Roxin diz que essa decisão precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido.
Nas últimas semanas, sua teoria foi citada por ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal) no julgamento do mensalão. Foi um dos fundamentos
usados por Joaquim Barbosa na condenação do ex-ministro José Dirceu.
"Quem ocupa posição de comando tem que ter, de fato, emitido a ordem. E
isso deve ser provado", diz Roxin. Ele esteve no Rio há duas semanas
participando de seminário sobre direito penal.
*
Folha - O que o levou ao estudo da teoria do domínio do fato?
Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Claus Roxin - O que me perturbava eram os crimes do nacional socialismo. Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito, tem de responder como autor e não só como partícipe, como queria a doutrina da época.
Na época, a jurisprudência alemã ignorou minha teoria. Mas conseguimos
alguns êxitos. Na Argentina, o processo contra a junta militar de Videla
[Jorge Rafael Videla, presidente da Junta Militar que governou o país
de 1976 a 1981] aplicou a teoria, considerando culpados os comandantes
da junta pelo desaparecimento de pessoas. Está no estatuto do Tribunal
Penal Internacional e no equivalente ao STJ alemão, que a adotou para
julgar crimes na Alemanha Oriental. A Corte Suprema do Peru também usou a
teoria para julgar Fujimori [presidente entre 1990 e 2000].
É possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado
supondo sua participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta. No caso do Fujimori, por exemplo, foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados.
A opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso nãocorresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.
Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes. O problema é que isso nãocorresponde ao direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública.
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