Há cem dias, Gurgel guarda um processo que ameaça Roseana Sarney. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Gurgel acuado
por Mauricio Dias, em CartaCapital
É sinal positivo o clamor da oposição, em coro com trêfegos
parlamentares da base governista, contra o texto do deputado Odair Cunha
(PT-MG), relator da CPMI sobre as atividades criminosas e as
afinidades eletivas do bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Cunha incomodou muita gente e contrariou variados interesses. Não
se sabe se o relatório conseguirá cruzar a tempestade provocada pelos
contrariados e chegar a porto seguro. Na partida, se assemelha a um
barquinho navegando sob bombardeio. E pode afundar antes de ancorar.
A lista de indiciados e de responsabilizados, elaborada por Cunha, é
uma carga pesada. O relator julgou suficientes as provas colhidas que,
em princípio, são capazes de derrubar o governador tucano Marconi
Perillo (GO); de incriminar jornalistas que, ao romper limites éticos,
transitaram do campo da investigação para o da associação, e de provocar
danos graves ao empresário Fernando Cavendish, da Delta, entre outros
casos.
Notadamente, o relatório pode desestabilizar o procurador-geral da
República, Roberto Gurgel.Gurgel é peixe graúdo. A contrariedade da
mídia, com a inclusão do nome dele na lista de Cunha, comprova. Ele
tornou-se um procurador heterodoxo. Virou peça do jogo político de curto
e de longo prazo. Em linhas gerais, passou a atuar afinado com a
oposição a Dilma, a colaborar com o esforço de neutralização de Lula e,
por fim, mas não menos importante, a agir com o objetivo de encerrar o
ciclo do PT no poder.
Caso aprovado, o relatório de Cunha pode abalar Gurgel e, inclusive,
interferir na própria sucessão dele, na PGR, em julho de 2013.Roberto
Gurgel é acusado por crimes constitucional, legal e funcional. A
aprovação do relatório, nesse ponto, levará a questão à Comissão de
Constituição e Justiça do Senado, competente para processar o
procurador-geral por crime de responsabilidade.
No STF, Gurgel seria julgado por improbidade administrativa e por
prevaricação.O procurador-geral foi fisgado porque manteve engavetadas
as denúncias da Operação Vegas. Assim atraiu a suspeita de ter sido
conivente com as atividades criminosas de Cachoeira, apuradas pela
Polícia Federal. Ele alegou à CPI que tinha detectado somente desvios no
“campo ético”, insuficientes para abrir ação penal.
Gurgel, no entanto, mantém outros problemas na gaveta. Há quase cem
dias guarda o processo enviado ao Ministério Público, no qual a
governadora Roseana Sarney (MA) é acusada de assinar convênios com as
prefeituras, no valor aproximado de 1 bilhão de reais. Cabe a ele dar um
parecer que pode levar Roseana a perder o mandato.
Há quem veja nessa morosidade um conluio entre o senador Sarney, pai
da governadora, e Gurgel. Sustentam essa hipótese renitentes
coincidências. José Arantes, assessor parlamentar do procurador-geral
foi assessor parlamentar de Sarney na Presidência da República. Seria
apenas um detalhe curioso?
Mas há problemas concretos. Um deles, já denunciado nesta coluna,
levou o presidente da Câmara quase à exasperação. Na terça-feira 20, o
deputado Marco Maia criticou pública e duramente o Senado pela
morosidade em votar a indicação do professor Luiz Moreira, já aprovada
pelos deputados, para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM).
Seria “morosidade gurgeliana”? Ou seja, a indicação estaria bloqueada
por Sarney em favor de Gurgel? Gurgel teria bloqueado o processo de
Roseana em favor de Sarney? Finalmente, haveria nessa história uma
vergonhosa troca de favores?
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