Ex-diretor da Abril: é certo indiciar Policarpo
Um dos mais experientes jornalistas brasileiros, Paulo Nogueira, que dirigiu Exame e Época, defende a posição do relator da CPI, Odair Cunha (PT), e prega o indiciamento de Policarpo Júnior, da revista Veja, for formação de quadrilha; ao menos uma voz se levanta contra o corporativismo na mídia
247 – Uma voz se levanta, finalmente, contra o
corporativismo na mídia. Num artigo publicada em seu blog nesta
quinta-feira 22, Paulo Nogueira, um dos mais experientes jornalistas
brasileiros, coloca os motivos pelos quais Policarpo Júnior, apontado
como o jornalista mais próximo do contraventor Carlos Cachoeira, deveria
ser indiciado pela CPI do Congresso.
A tese de Nogueira apoia o que pensa o relator da comissão, deputado
Odair Cunha (PT-MG), que incluiu o nome de Policarpo entre os
indiciados, atitude que provocou revolta a diversos parlamentares e
veículos da imprensa. Para Nogueira, o chefe da sucursal de Brasília da
revista Veja "foi longe demais em sua busca de notícias" ao usar
Cachoeira como uma de suas principais fontes.
Leia a íntegra de seu artigo, publicado no blog Diário do Centro do Mundo:
Por que é certo indiciar Policarpo
Quando jornalistas viram amigos de suas fontes, o interesse público é sempre o maior perdedor
Antes de tudo: não acredito que o jornalista Policarpo Júnior tenha
tido, em suas relações com Carlinhos Cachoeira, a intenção de obter nada
além de furos.
Isto posto, do ponto de vista estritamente jornalístico, Policarpo
foi longe demais em sua busca de notícias, como os fatos deixaram claro.
Policarpo infringiu uma lei capital do bom jornalismo, enunciada há
mais de um século por um dos mais brilhantes jornalistas da história,
Joseph Pulitzer: "Jornalista não tem amigo".
Pulitzer sabia que a amizade acaba influenciando o discernimento do
jornalista, e subtraindo dele a capacidade de enxergar objetivamente sua
fonte. É um preço muito alto para o bom jornalismo.
Os telefonemas trocados entre Cachoeira e Policarpo não mostram
cumplicidade, no sentido pejorativo de companheirismo em delinquências.
Mas revelam uma intimidade inaceitável no bom jornalismo, uma
camaradagem que vai além dos limites do que é razoável.
Tiremos o excesso das palavras que têm varrido as discussões
políticas, jurídicas e ideológicas no Brasil. Somos, subitamente, a
pátria dos "quadrilheiros". Policarpo está longe de se enquadrar,
tecnicamente, nesta categoria, e disso estou certo. Não vararia
madrugada em redação se recebesse de Cachoeira mais que dossiês.
Mas, por ter se tornado tão próximo de Cachoeira, ele acabou se
deixando usar por um grupo no qual o interesse público era provavelmente
a última coisa que importava. Logo, havia um envenenamento, já na
origem, nas informações que ele recebia e publicava. Que Policarpo não
se tenha dado conta do pântano em que pescava denúncias não depõe a
favor de sua capacidade de observar, mas miopia não é crime.
Minha convicção é que ele não terá dificuldades, perante a justiça
tão louvada pela mídia por sua atuação no Mensalão, em provar que fez
apenas jornalismo com Cachoeira – ainda que mau jornalismo.
Mas é necessário que Policarpo enfrente o mesmo percurso de outros
envolvidos neste caso. Ele deve à sociedade, e ao jornalismo,
explicações.
Teria sido infame não arrolá-lo. Isso teria reforçado a ideia de que
jornalista é uma categoria à parte, acima do bem e do mal, acima da lei.
Não existe nenhuma ameaça à "imprensa livre", "imprensa independente"
ou "imprensa crítica" quando jornalistas são instados a se explicar à
justiça. Esta é uma espécie de chantagem emocional e cínica que a grande
mídia vem fazendo na defesa de sua própria impunidade e intocabilidade.
Todos sabemos quantos horrores e desatinos editoriais são cometidos
sob o escudo oportuno da "imprensa crítica". Nos países desenvolvidos, o
quadro é outro.
Nesta mesma semana, a jornalista inglesa Rebekah Brooks, a até pouco
atrás "Rainha dos Tabloides" e favorita de seu ex-patrão Rupert Murdoch,
foi indiciada pela justiça britânica sob a acusação de ter pagado
propinas para policiais em troca de furos para um dos jornais que
dirigiu, o Sun.
Nem Murdoch, com sua quase comovente devoção por Rebekah, cuja
cabeleira rubra enfeitiça muita gente, se atreveu a dizer que a
"imprensa independente" estava sendo agredida. Todos os jornais
noticiaram o caso serenamente, com o merecido destaque.
Empresas jornalísticas não são instituições filantrópicas. Vivem dos
lucros, e nisso evidentemente não existe mal nenhum – desde que os
limites legais e éticos sejam respeitados. Em todas as circunstâncias,
mesmo nas mais simples. Esta semana, para ficar num pequeno grande caso,
o comediante Paulo Gustavo afirmou no twitter que a Veja fez uma
reportagem com ele na qual o fotografou com uma camiseta amarela em que
estava estampado Che Guevara. Segundo ele, Che foi retirado da foto.
Do ponto de vista de ética jornalística, isso é admissível? Ou é uma
pequena trapaça que pode dar origem a grandes? Tudo isso exige debate.
O episódio Policarpo é uma excelente oportunidade para que o Brasil
discuta com transparência, como está acontecendo na Inglaterra, quais
são mesmo estes limites, para o bem da sociedade e do interesse público.
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