No dia em que seis marginais foram fuzilados pela Polícia Militar de
São Paulo, o governador Geraldo Alckmin liberou geral: "Só morreu quem
resistiu".
Assinava, ali, a sentença de morte não apenas de mais marginais - e
de inocentes também -, mas dos PMs que, desde então, foram fuzilados,
por vingança, muitos em roupas civis e nas suas próprias casas.
É exemplo acabado da irresponsabilidade e falta de discernimento de quem ocupa cargos públicos relevantes.
Na luta convencional entre polícia e marginais, policiais gozam de
uma espécie de salvo-conduto. Morrem em conflitos, sim. São as chamadas
mortes inevitáveis. Mas as organizações criminosas coíbem mortes
desnecessárias, inclusive de criminosos não-organizados. Além de
provocar a ira policial, cada morte atrai a atenção para a região onde
ocorreu, atrapalhando seus negócios.
Quando o governador libera para matar, o cenário muda.
De um lado, desperta o sentimento de vingança da PM. Não mais se
seguem estratégias, planos de ação para desarticular o crime, mas um
vale-tudo irracional. Compromete-se a própria hierarquia da corporação,
já que qualquer PM pode se respaldar nas declarações do governador para
executar suspeitos.
De outro lado, libera as organizações criminosas para as represálias
individuais contra policiais, muitos fuzilados em sua própria casa. De
lado a lado, troca-se a ação racional pela vingança indiscriminada. E se
vai em um crescendo até chegar ao ponto atual, de perda do controle.
Alckmin e o Secretário de Segurança de São Paulo gozam de proteção
permanente. São inalcançáveis pelas balas dos bandidos. Os PMs, não.
Moram em periferias, em locais expostos a todo tipo de represália. E
tem-se, na outra ponta, não um punhado de bandidos desorganizados, mas
uma organização criminosa que se nutre de alguns ingredientes típicos de
toda organização criminosa, comando, sistema de informações e a falta
de confiança das comunidades carentes no aparato público. Falta de
confiança, aliás, que aumenta quando a PM se transforma em uma máquina
de assassinatos.
O caso das Mães de Maio
Alckmin é responsável por essa matança, de bandidos perigosos,
pequenos meliantes, pobres não bandidos e de PMs. Assim como o
ex-vice-governador Cláudio Lembo foi o responsável pelos mais de 500
assassinatos da PM paulista durante o ano de 2006.
Na época, tinha-se um Secretário de Segurança alucinado, Saulo de
Castro Abreu Filho. Pouco antes, chegara ao cúmulo de invadir a
Assembleia Legislativa acompanhado de um séquito de policiais militares à
paisana. Com a polícia perdendo o controle sobre o PCC, conversei com o
Secretário de Administração Penitenciária, Nagashi, e com o Secretário
de Defesa da Cidadania.. E ambos confirmaram o quadro de desequilíbrio
de seu colega.
Assumindo o governo, Lembo colocou Nagashi para fora e fortaleceu
Saulo. Fui até o Palácio dos Bandeirantes para alertá-lo para a loucura
que estava cometendo. Conheço Nagashi desde os anos 80, quando era juiz
de direito em Bragança Paulista. Depois, fui jurado em Prêmios de
Qualidade do estado de São Paulo, podendo admirar seu trabalho inovador.
Alertei Lembo para a diferença entre os dois, para o quadro de
desequilíbrio de Saulo e para o risco que seria avalizar sua conduta na
Secretaria. Lembo limitou-se a argumentar que recebera informações de
que Saulo era competente.
De fato, no início de gestão Saulo impressionou pela fluência verbal.
Depois, as estatísticas foram aparecendo. São Paulo viu-se tomado por
uma onda de assaltos que não poupou sequer esquinas da Paulista com
Augusta. Perdendo o controle da situação, passou a esconder as
estatísticas e enlouqueceu. As atitudes que tomou na época, mandando
prender dono de restaurante que bloqueou uma rua, invadindo a ALESP,
denotavam um desequilíbrio incompatível com a função.
Os alertas a Lembo foram em vão. Seguiu-se um massacre terrível,
talvez o maior crime coletivo já cometido no país, maior que o massacre
de Carandiru e que até hoje permanece sem apuração. Durante uma semana
os rádios das viaturas foram desligados, para que ninguém pudesse
interceptar os comandos. PMs ensandecidos se espalharam pela periferia,
assassinando indiscriminadamente criminosos, não criminosos e quem mais
passasse pela frente.
A matança só foi interrompida quando bravos medicos do CRM E
Procuradores da República foram dar plantão no Instituto Médico Legal
(IML).
A ficha de Lembo caiu com atraso. Deixou o governo denunciando a
"elite branca". Como autêntico liberal, tornou-se uma voz crítica da
parcela mais atrasada do comando político paulista. Mas vai levar para o
túmulo a responsabilidade de ter permitido a matança de mais de 500
pessoas. Ele e eu sabemos que foi alertado para o que poderia acontecer.
Espera-se, agora, que Poder Judiciário e mídia acordem. Há que se
combater o crime, sim, com ações firmes. Mas sem deixar o comando em
mãos alucinadas, avalizadas por um governador sem-noção do peso de suas
palavras, a barbárie vencerá.
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