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domingo, 4 de julho de 2010

Um pouco da história de Dilma

Como era a vida de Dilma Rousseff na masmorra que abrigava presas políticas durante o regime militar no presídio Tiradentes

Luiza Villaméa e Claudio Dantas Sequeira ( REVISTA ISTO É )
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MARCO
Portal tombado pelo patrimônio histórico é o que restou do presídio
Durante quase três anos, Dilma Rousseff, a candidata do PT à Presidência da República, morou na Torre das Donzelas. A construção colonial não pertencia a nenhum palácio. Encravada no presídio Tiradentes, em São Paulo, ganhou o singelo nome por abrigar presas políticas do regime militar. Para chegar à Torre, Dilma e suas companheiras atravessavam um corredor com celas em uma das laterais. Os cubículos eram ocupados pelas corrós, as presas correcionais, tiradas de circulação por um mês, em geral por vadiagem ou prostituição. Essas mulheres costumavam ficar seminuas ou com a roupa virada pelo avesso, para se apresentarem em trajes limpos quando liberadas.
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COMPANHEIRAS DE CADEIA
Dilma, Eleonora, Guiomar, Rose e Cida na época em que foram presas
“Terrorista! Linda! O que você está fazendo aqui?”, gritavam as corrós ao verem passar uma nova presa política. Depois do corredor, havia um pequeno pátio. Em seguida, vinha a Torre. Dilma atravessou o corredor das corrós em fevereiro de 1970, aos 23 anos, após mais de 20 dias nos porões da repressão política. “Ela chegou fragilizada pela tortura, mas logo se recuperou”, lembra a jornalista Rose Nogueira, 64 anos, que passara pelo mesmo processo três meses antes.
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O presídio Tiradentes, onde Dilma esteve presa, já havia sido usado para encarcerar
os estudantes detidos no Congresso da UNE em Ibiúna (SP), em 1968.
Na era Vargas também abrigara presos políticos, entre eles o escritor
Monteiro Lobato
Ao entrar pela primeira vez na Torre, Dilma viu as celas pequenas do térreo e duas escadarias laterais que saíam de uma espécie de hall e se encontravam no piso superior. Nesse andar, havia a cela 4, chamada de celão, pois se espalhava por 80 metros quadrados. Tinha também a cela 5, mais tarde adaptada como cozinha, e a 6, que Dilma dividiu com outras mulheres. “No começo, ficávamos na tranca o tempo todo”, conta a advogada Maria Aparecida Costa, a Cida Costa, 65 anos, uma das ocupantes da cela 6. Depois de algumas semanas e muitas reivindicações, as celas passaram a ficar abertas durante o dia.
Não demorou para que as donzelas da Torre se agrupassem, primeiro com base nas organizações clandestinas às quais pertenciam no “mundão”. Porque a Torre, no vocabulário das presas, era o “mundinho”. Mas as afinidades pessoais também contavam muito, como relata a médica e pesquisadora Guiomar Silva Lopes, 66 anos. “No mundão, o vínculo era de vida e morte”, diz Guiomar. “Na cadeia, estabelecemos uma relação de confiança inabalável.” Dilma é até hoje lembrada pelo espírito solidário. Durante um período, cuidou de uma estudante de arquitetura. “Quando a menina chegou da tortura, estava muito desestruturada emocionalmente”, afirma a advogada Rita Sipahi, 72 anos. “A Dilma ficou de olho nela o tempo todo para evitar que cometesse algum desatino.”
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Com a possibilidade de circular entre as celas, as presas políticas tentavam curar as feridas umas das outras e também se organizavam. Havia escala para as tarefas da limpeza e da cozinha. Com os víveres levados pelas famílias, elas preparavam as próprias refeições. Algumas conseguiam bons resultados, embora só contassem com dois fogareiros elétricos. Outras, nem tanto. A dupla mais desastrada na cozinha era formada por Dilma e Cida. “Não dominávamos a arte do tempero”, reconhece Cida. Numa ocasião, as duas resolveram caprichar no preparo de um prato de legumes. Acabaram servindo uma sopa de quiabo intragável. “Ficamos um pouco frustradas com o resultado, pois havíamos nos esforçado.”
Dilma se sobressaía nos grupos de estudo. “Ela é muito engenhosa na macroeconomia”, elogia outra companheira da Torre, a economista Diva Burnier, 63 anos. Na cadeia, Dilma, que abandonara a faculdade por causa da clandestinidade, dava aulas de economia para as colegas e participava dos debates. Num deles, defendeu a ampliação dos limites marítimos do Brasil. “Embora fosse uma iniciativa dos militares, Dilma apoiava, pois acreditava ser uma questão de soberania”, recorda Rose. “Hoje é fácil perceber a importância daquela decisão, tanto por causa da biodiversidade como pelo pré-sal.”
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Diante do Tiradentes, mães de estudantes fazem protesto contra a prisão de seus filhos. As mães das “donzelas da Torre” chegavam para as visitas nas tardes de sábado. Era o contato delas com o “mundão”
Aos 82 anos, a advogada Therezinha Zerbini, mulher do general Euryale de Jesus Zerbini, cassado em 1964, também recorda de Dilma com admiração. Presa na Torre durante o ano de 1970, Therezinha se destacava tanto pela origem quanto por ser uma senhora entre a população carcerária extremamente jovem. “As amigas dela me chamavam de ‘burguesona’ e ela me defendeu. Ela tinha uma liderança nata”, diz Therezinha. Quando precisava, Dilma endurecia. No final do ano, Therezinha estava bordando o vestido que a filha usaria no Réveillon quando um grupo de militares a procurou. “Acho que queriam me convencer a entrar num programa de arrependidos”, diz, referindo-se aos presos que foram à tevê renegar a opção pela resistência ao regime. “Não quis atendê-los. Eles voltaram mais tarde e, quando eu estava mandando-os ir embora, a Dilma gritou: ‘Dá duro neles, Therezinha. Se precisar, nós colocamos todos para fora’ .”
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Naqueles tempos, a atitude desafiadora só seria possível mesmo no presídio Tiradentes. Como muitos torturadores costumavam repetir durante as sessões que promoviam, o Tiradentes “era o paraíso”. Isso porque, ao entrar no presídio, a pessoa estava com a prisão reconhecida pelo Estado. Às vezes, era levada para interrogatórios em outras instituições, mas praticamente não corria risco de morrer ou “desaparecer”. Na escala macabra estabelecida nos porões do regime, a Operação Bandeirante (Oban) era o inferno, ficando o purgatório por conta da Delegacia Estadual de Ordem Política e Social (Deops). Como várias companheiras de cadeia, Dilma passou pelo inferno e pelo purgatório antes de chegar à Torre.
Por conta das sevícias, sofreu uma disfunção hormonal que levou anos para ser curada. Não perdeu, porém, o gosto pela vida. Com Cida, passava horas lendo os livros de ficção científica. Quando o rodízio do único aparelho de tevê da Torre caía em sua cela, entrava na madrugada vendo os filmes da sessão “Varig, a dona da noite”. Aprendeu até a bordar. “Ela fez uma tapeçaria com flores coloridas, que colocamos na parede”, lembra Rose. Na Copa do Mundo de 1970, acompanhou os jogos de perto. “A Dilma torceu muito pela Seleção Brasileira”, diz a socióloga Rosalba de Almeida Moledo, 66 anos.
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Criado em 1852, o presídio Tiradentes recebeu no começo escravos recapturados.
A Torre das Donzelas, onde ficaram Dilma e suas companheiras, é a construção redonda ao centro. Todo o complexo foi demolido a partir de 1973, durante a construção do metrô
No período em que o advogado Carlos Franklin Paixão de Araújo, seu companheiro, permaneceu encarcerado no Tiradentes, Dilma se comunicava com ele com a ajuda dos presos comuns. A rota usada por ela e outras presas políticas consistia em baixar mensagens por meio de uma corda artesanal, chamada “teresa”, para a carceragem dos “comuns”, que ficava embaixo da Torre. “De cela em cela, as mensagens chegavam ao destinatário, na ala dos presos políticos”, comenta Guiomar. “O recurso também era fundamental para sabermos o que estava acontecendo lá fora.”
Outro canal com o “mundão” eram as visitas, nas tardes de sábado, a maioria proveniente da capital paulista. “Nossas famílias, de Belo Horizonte, não conseguiam viajar com tanta frequência”, diz a pró-reitora da Universidade Federal de São Paulo, Eleonora Menicucci de Oliveira, 66 anos. “De qualquer forma, a mãe da Dilma e o irmão dela conseguiam vir bastante. Era uma alegria.” Para a mãe e as irmãs de Eleonora, viajar era mais complicado. Elas cuidavam de Maria, a filha de Eleonora, que tinha apenas um ano e dez meses quando a mãe foi presa.
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Conhecidas desde os tempos em que estudavam em Belo Horizonte, Dilma e Eleonora comemoravam com as meninas da Torre o Natal, o Réveillon e o Carnaval. As fantasias eram improvisadas, é claro, mas havia até desfile no “celão”. No caso de Dilma, as estratégias para manter o moral elevado atrás das grades também passava pelo humor. “Ela pôs apelido em todas nós”, conta Rita. “Uma era a Ervilha, outra a Moló, porque tinha jogado um coquetel-molotov em uma ação.” Essa faceta pouco conhecida de Dilma é ressaltada por outras entrevistadas. “Ela tem um humor impagável”, garante Eleonora. Quando a hoje presidenciável deixou a Torre, as companheiras de cadeia repetiram o ritual criado para o momento da libertação: cantaram “Suíte do Pescador”, de Dorival Caymmi, que começa com o verso “Minha jangada vai sair pro mar”. Quase 40 anos depois, tudo o que sobrou do presídio foi o portal de pedra, tombado como patrimônio histórico. No final de 1972, a construção de 1852 começou a ser demolida, para a construção do metrô paulistano
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