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domingo, 18 de julho de 2010

De mãos atadas

Especialistas apoiam o fim da palmada

Antônio Marinho – O GLOBO

O projeto de lei do governo federal que acaba com castigos físicos ou qualquer ação que humilhe ou ridicularize crianças e adolescentes está tirando o sono de pais e responsáveis.

Se for aprovado pelo Congresso, até palmadas ou beliscões — mesmo com intenção de educar — podem ser motivo de sanções previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (o ECA, que completa 20 anos), desde advertência à perda de guarda. Especialistas apoiam a decisão e explicam por que os castigos — mesmo os mais leves — podem fazer mal à saúde das crianças e ao seu pleno desenvolvimento mental. A criança que apanha tem baixa autoestima, um olhar amedrontado.

A maioria dos pais, no entanto, não pensa assim. Numa pesquisa com leitores no site do GLOBO, 1.800 deram a sua opinião e apenas 16,3% concordam com o projeto; 6,97% acham que é uma violência bater, 4,77%, que é preciso conversar e ter paciência com as crianças, e 4,56% dizem que a criança não tem como se defender.
Porém, 44,15% afirmam que palmada ou castigo físico é uma forma de impor limites e 33,34% que os pais devem ter liberdade na educação. E, para 4,56%, a palmada fez parte de sua educação e, por isso, são contra a lei.
Marcia Oliveira, coordenadora do projeto “Campanha permanente não bata, eduque”, diz que é preciso mudar esse pensamento: — A lei não é para prender, nem o texto prevê isso. Queremos estimular a reflexão sobre o assunto.
O psicólogo Carlos Zuma, do Instituto Noos — que faz parte da rede “Não bata, eduque” — lembra que a criança exposta a agressões tem seu desenvolvimento mental prejudicado.

Algumas ficam apáticas, outras agitadas, e o rendimento escolar pode cair. Ele escuta juízes dizendo que não têm parâmetros legais para julgar casos de castigos em crianças.

Agora, poderão ter.
— Eles ficam na dúvida se os pais castigaram na intenção de educar ou foi agressão gratuita. Hoje é subjetivo.
Aqueles que reclamam que a nova lei é ingerência na educação dos filhos devem repensar isso. No caso Isabela Nardoni, por exemplo, vizinhos escutaram agressões à menina e não avisaram à polícia, talvez porque pensaram que não deveriam se meter. É momento de reflexão. Será que um tapinha é a coisa certa? Estamos ensinando a criança a responder a uma contrariedade com uma agressão — afirma.

Na opinião de Marcia, mesmo um tapinha eventual é uma mensagem equivocada à criança e não educa, porque tudo que causa dor é ruim.

— Fomos educados até hoje assim e achamos que não há outra maneira de disciplinar e ensinar. Esse comportamento agressivo só nos afasta das crianças — diz.

Ela admite que não é fácil e que todos podem perder a paciência, como tão bem descreve o poema de Cecília Meireles, “Uma palmada bem dada”, do livro “Ou isto ou aquilo”. Mas, segundo a especialista, é possível se controlar e segurar a raiva. Nada deve justificar o castigo físico.

— É melhor dialogar e negociar, estabelecendo sanções viáveis. Há pais que prometem proibir acesso à internet ou à TV por dois meses. Até eles sabem que não dá para cumprir isso. É preciso ter coerência nas ações e não abrir mão delas.

Vítimas tornam-se pessoas agressivas

Uma saída é mostrar às crianças que os seus atos têm consequências, que elas não podem tudo.

Quando os pais não conseguem isso sem agredir, devem buscar ajuda, sugere Carlos Zuma: — Se você tem pavor que batam em seus filhos, então por que agir da mesma maneira? Se não posso bater num adulto, por que agredir a criança, o adolescente? A Lei Maria da Penha levou a sociedade a não tolerar a violência contra a mulher e buscamos isso para as crianças.

Para o psicanalista Paulo Quinet, diretor de divulgação da Federação Brasileira de Psicanálise, ninguém deve aceitar maus-tratos à criança e o castigo físico mostra que é preciso usar a força física para resolver algo. Porém ele não critica um pai ou uma mãe que eventualmente dê uma palmadinha num filho: — Com a nova lei, até segurar uma criança mais firme para coibir algo pode parecer uma agressão. É preciso bom senso — diz.

O problema é associar disciplina e educação com bater, diz Rachel Niskier, diretora da Sociedade Brasileira de Pediatria e médica do Instituto Fernandes Figueira, no Rio. Hoje, 25 países têm legislação coibindo essa prática. Na América do Sul, só Uruguai e Venezuela adotaram lei semelhante: — Não se trata de culpar a família.

Educar requer muita paciência e diálogo, não atos violentos. Se a criança apanha de uma pessoa que diz que a ama e vice-versa, entende que pode bater em quem ela gosta.

Como diz o médico polonês Yanus Korchak, sem uma infância serena, todo o futuro será mutilado.
Ela tem relatos de crianças que dizem que apanham porque merecem.

É o prejuízo à saúde mental.

— Qual é o código que os pais querem passar aos filhos? Quando um adulto bate, explica Rachel, passa medo em vez de amor e respeito. Por isso é preciso dialogar a exaustão e até elevar o tom de voz para que a criança saiba que existe uma autoridade.

O relatório do serviço nacional de denúncias Disque 100, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, mostra que de janeiro a junho deste ano as denúncias de violência física e psicológica contra crianças e adolescentes representaram 35% do total.

Carmen Oliveira, subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, reforça que o projeto tem caráter preventivo e educativo. Não criminaliza, mas remete ao artigo 129 do ECA. A ideia é que a violência contra crianças e adolescentes deixe de ser vista como algo natural pela sociedade.

— Não estamos acabando com a palmada. Isso seria uma visão muito reducionista de nossa parte. O problema é a palmada evoluir para a surra ou o espancamento, fraturas.

As crianças tornam-se mais agressivas na infância e quando adultas.

A nova lei classifica como castigo corporal “ação de natureza disciplinar ou punitiva com uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou ao adolescente”. E tratamento cruel ou degradante: “conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize”.

Para evitar o castigo físico

INCENTIVO: Fale para as crianças palavras de incentivo. Em vez de um tapa, dê um abraço e um bom conselho. E procure acreditar no que as crianças dizem.

Quando a criança errar, ajude-a a entender seu erro.

CRÍTICAS: É sempre o comportamento que é criticado como sendo ruim, não a criança. Devese definir limites claros para temas relevantes, mas com abertura para negociar pontos menos importantes. As opiniões da criança devem ser tratadas de forma justa e respeitosa

SANÇÕES: Tire as coisas de que as crianças gostam depois de explicar o que elas fizeram de errado.
Explique as regras de casa e da escola. Marcia Oliveira defende a disciplina positiva, ou seja, a criança quer se comportar bem, mas precisa de ajuda para entender isso. E elas aprendem mais por meio da cooperação e da recompensa do que com castigos físicos ou humilhações.

INDIFERENÇA: Dê mais atenção aos filhos, participe e acompanhe a vida deles nos diversos espaços que frequentam. Não os trate com indiferença. Mostre seus direitos e deveres.

BIRRAS: Nos ataques de birras e escândalos os pais se sentem envergonhados. Mas especialistas da rede “Não bata, eduque” lembram que o seu relacionamento com o seu filho é muito mais importante do que o que outros podem pensar. Eles dizem que tentar controlar um escândalo é como evitar uma tempestade.

Ou seja, impossível. Segundo psicólogos, a criança age dessa forma porque não entende o motivo de o adulto estar proibindo algo que ela quer. E não sabe lidar com essa frustração. Se o adulto gritar ou bater nessas situações, ela ficará ainda mais frustrada e sentirá medo. É melhor esperar e ficar perto para que a criança se sinta segura. Algumas vezes, segurá-la com carinho acalma. Quando o escândalo terminar, sente-se com a criança e converse sobre o ocorrido. E explique o porquê de ter dito “não” e que você entende sua frustração. E conte o que faz para se tranquilizar e quando se sente frustrado. Não se esqueça de dizer que ama seu filho quando ele está feliz, triste ou zangado.

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