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domingo, 4 de julho de 2010

Oliver Stone contesta crítica do NYT a Ao Sul da Fronteira




Uma semana após ser lançado em Nova Iorque, o último documentário do cineasta Oliver Stone, Ao Sul da Fronteira, é alvo de polêmica, provocando um debate entre o diretor e o jornalista Larry Rohter, ex-correspondente do jornal New York Times no Brasil.
Em texto publicado na sexta-feira (25), Rohter apontou várias imprecisões ou erros no filme, acusando-o de apresentar uma visão deturpada sobre a “guinada à esquerda” dos governos latino-americanos, principalmente, do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Em resposta, Stone e os co-roteiristas Tariq Ali e Mark Weisbrot escreveram, nesta segunda (28), uma carta aberta ao NYT rebatendo as críticas.

No texto, Larry Rohter afirma que os 78 minutos de documentário de Stone não contêm apenas “erros e distorções, mas também detalhes que faltam, prejudicando o retrato de Chávez”. Nos 11 parágrafos seguintes, o ex-correspondente insiste que não foi apenas Stone que cometeu erros, mas também Tariq Ali.

No dia seguinte, Stone, Ali e o economista Mark Weisbrot escreveram a carta que responde cada acusação de Rohter. A réplica foi publicada no site oficial do filme, traduzida pelo Opera Mundi e publicada a abaixo.

Um dos argumentos usados por Rohter para desqualificar o documentário é o ponto de vista adotado pela narrativa para tratar das eleições de 1998, que levaram Chávez ao poder. Segundo ele, é um equivoco afirmar que a ex-miss universo Irene Saéz, então candidata à presidência, era a principal adversária do coronel, já que ela ficou em terceiro lugar, com 3% dos votos, e não o ex-governador Enrique Salas Romer, que teve 40%. Para os produtores do documentário, bastava ter feito uma análise mais abrangente do período eleitoral para entender o papel de Irene na campanha de 1998.

Detalhes
Sobre a escolha de ter mostrado imagens do documentário irlandês A Revolução Não Será Televisionada, que conta a história do golpe fracassado contra Chávez em 2002, Rohter afirma que Stone e Ali escolheram apenas uma das versões da história. Para o jornalista, o filme eliminou detalhes ao contar o processo da Revolução Bolivariana.

Respondendo aos comentários, Stone, Weisbrot e Ali alegam que as afirmações do jornalista são “falsas”, e que, "ironicamente, é Rohter quem abraça teorias conspiratórias".

"A mídia é tendenciosa e distorce as informações sobre a América Latina, o tema principal do documentário”, afirmam na carta, explicando que a tentativa de “desacreditar” o filme se deve a isso e ao fato de o jornalista, segundo os produtores, estar empenhando numa “campanha anti-Chávez".
Para Stone, os comentários do jornalista são enganosos e o NYT “deve desculpar-se por ter publicado aquele texto”.


Erros de Rohter
O jornalista norte-americano é conhecido por uma polêmica envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2004, quando era correspondente no Rio de Janeiro. Na época, fez uma reportagem com o título "Hábito de bebericar do presidente vira preocupação nacional", na qual descrevia supostos excessos alcoólicos do presidente.

O texto era acompanhado por uma foto de Lula bebendo cerveja na Oktoberfest no ano anterior. Em seguida, cometeu um erro em uma matéria sobre índice de obesidade na população brasileira, identificando em uma foto duas moças na praia como brasileiras mas, na verdade eram tchecas. O visto de jornalista de Rohter chegou a ser suspenso pelo Itamaraty, mas depois foi renovado.

Oliver Stone tem parte de sua produção focada na América Latina. O cineasta, vencedor do Oscar de melhor diretor por JFK – a pergunta que não quer calar (1991) e Nascido em 4 de Julho (1989), tem seis documentários sobre a região. Stone está produzindo atualmente um documentário sobre Fidel Castro e um filme com atores sobre o traficante de drogas colombiano Pablo Escobar.

Leia abaixo a carta aberta em resposta ao New York Times

Carta ao New York Times
Oliver Stone, Mark Weisbrot e Tariq Ali

Larry Rohter ataca nosso filme, Ao Sul da Fronteira, por “erros, afirmações incorretas e ausência de detalhes”. Mas um exame cuidadoso revela que os erros, afirmações incorretas e ausência de detalhes são dele, e que o filme é uma obra caprichada do ponto de vista factual.

Vamos documentar isto para cada um dos seus ataques. Vamos então mostrar que há provas de má-fé e conflito de interesses, em sua tentativa de desqualificar o filme.

Finalmente, pediremos a vocês que considerem os inúmeros erros factuais nos ataques de Rohter, registrados abaixo, e as claras evidências de má-fé e conflito de interesses em sua tentativa desqualificar o filme, e então pedimos ao New York Times que publique uma correção completa para esses erros.

1) Ao acusar o filme de “mal informado”, Rohter escreve que “um voo de Caracas a La Paz, Bolívia, cruza principalmente a Amazônia, e não os Andes”. Mas a nossa narração não diz que o voo cruza “principalmente” a Amazônia, e sim que ele voa sobre os Andes, o que é correto (fonte: Google Earth).

2) Também na categoria de “má informação”, Rohter escreve que “os Estados Unidos não importam mais petróleo da Venezuela do que de qualquer outra nação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo)”, e que a posição “pertenceu à Arábia Saudita no período de 2004-10”.

A frase citada por Rohter aqui foi dita no filme por um analista da indústria do petróleo, Phil Flynn, que aparece por cerca de 30 segundos em um clipe de programas de TV exibidos nos Estados Unidos. O que ocorre é que Rohter está errado, e Flynn, correto. Flynn fala em abril de 2002 (o que está claro no filme), portanto Rohter está errado ao citar a data de 2004-2010.

Se olharmos o período de 1997 a 2001, que é relevante para a afirmação de Flynn, ele está correto. Venezuela está à frente de todos os países da OPEP, incluindo Arábia Saudita, para o petróleo importado pelos Estados Unidos durante todo esse período. (fonte: Agência de Informações sobre Energia dos EUA, para a Venezuela e Arábia Saudita)

3) Rohter tenta desqualificar o filme por conta da breve descrição da corrida presidencial de 1998 na Venezuela:

“Segundo Ao Sul da Fronteira, a principal oponente de Chávez na corrida inicial pela presidência em 1998 era uma loira de 1,85 m, a ex-miss Universo Irene Sáez, e então a eleição ficou conhecida como a disputa entre a Bela e a Fera. Mas o principal oponente de Chávez não era a senhora Sáez, que terminou em terceiro lugar com menos de 3 porcento dos votos. Era Henrique Salas Romer, um agradável ex-governador que venceu com 40% dos votos”.

A crítica de Rohter está mal direcionada. A descrição da corrida presidencial no filme, citada por Rohter, é de Bart Jones, que cobria a Venezuela para a Associated Press, a partir de Caracas, nesta época. A descrição é acurada, apesar do resultado final da eleição. Para a maior parte da disputa, que começou em 1997, Irene Sáez era sim a principal oponente de Chávez, e a disputa foi reportada como a escolha entre “a Bela e a Fera”.

Nos seis meses que antecederam a eleição, ela começou a cair enquanto Salas Romer ganhava apoio; seus 40% expressam fortemente o resultado de uma decisão dos dois grandes partidos políticos venezuelanos da época, COPEI e AD, que comandaram o país por décadas, de apoiá-lo. (Veja, por exemplo, este artigo de 2008 da BBC, que descreve a corrida presidencial como faz o filme, e nem mesmo menciona Salas Romer).

A descrição de Rohter faz parecer que Saéz era uma candidata menor, o que é absurdo.

4) Rohter tenta enquadrar o tratamento dado pelo filme ao golpe de 2002 na Venezuela como uma “teoria da conspiração”. Ele escreve:

“Como o sr. Stone fez com o assassinato de Kennedy, esta parte de Ao Sul da Fronteira depende da identidade de um ou mais atiradores que podem ou não fazer parte de uma conspiração maior”.

A descrição é completamente falsa. O filme não faz afirmações sobre a identidade dos atiradores nem apresenta nenhuma teoria de uma “conspiração maior” de qualquer atirador.

Diferentemente, o filme registra duas questões sobre o golpe: 1) que a mídia venezuelana (e isso foi repetido pela mídia norte-americana e pela mídia internacional) manipulou imagens para fazer parecer que um grupo de apoiadores de Chávez estava armado e que atirou em 19 pessoas, que foram mortas no dia do golpe. Esta manipulação da filmagem foi demonstrada de forma muito clara no filme, e, portanto, não é colocada “apenas na conta de Gregory Wilpert”, como Rohter também falsamente alega. A gravação fala por si só. 2) que o governo dos Estados Unidos estava envolvido no golpe (veja http://southoftheborderdoc.com/2002-venezuela-coup/ e abaixo).

Ironicamente, é Rohter quem abraça teorias conspiratórias, citando versões discutíveis que, para ele, devíamos ter incluído no filme.

5) Rohter nos acusa de “juntar fatos e omitir informações” sobre a Argentina, permitindo a Néstor Kirchner e sua sucessora, Cristina Kirchner, declararar que “começaram antes uma política diferente”.

“Na realidade, o predecessor de Kirchner, Eduardo Duhalde, e seu ministro das Finanças, Roberto Lavagna, foram os arquitetos de uma mudança política e da subsequente recuperação econômica, que começou quando o sr. Kirchner era ainda um obscuro governador da pequena província da Patagônia”, escreve ele.

Esta crítica é em alguma medida obscura e, talvez, ridícula. Os Kirchners estiveram na presidência por cinco dos seis anos da destacada recuperação econômica argentina, em que o país cresceu 63%. Algumas das políticas que permitiram este crescimento começaram em 2002, e outras começaram em 2003, ou até depois. Onde exatamente estão “juntados” os fatos e “omitidas” as informações aqui?

6) Rohter tenta criar uma questão sobre o fato de que o logo da ONG Human Rights Watch aparece por dois segundos na tela durante a discussão dos "dois pesos, duas medidas" de Washington sobre direitos humanos. O filme não diz nem insinua nada sobre a HRW.

Mais importante que isso, em sua entrevista a Rohter, o diretor da HRW para as Américas, José Miguel Vivanco, confirma exatamente o que o filme diz: que há dois pesos e duas medidas nos EUA para enquadrar as denúncias de abusos de direitos humanos na Venezuela enquanto se ignora ou desmerece as muito mais numerosas e mais embasadas denúncias de abusos de direitos humanos na Colômbia.

"É verdade que vários dos mais ferozes críticos de Chávez em Washington fizeram vista grossa para o currículo impressionante de direitos humanos na Colômbia", diz Vivanco.

7) Rohter ataca o co-roteirista Tariq Ali por dizer que "O governo [da Bolívia] decidiu vender o fornecimento de água de Cochabamba para a Bechtel, uma empresa dos EUA". Rohter escreve: "Na verdade, o governo não vendeu o fornecimento de água: concedeu a um consórcio que incluía a Bechtel um contrato de concessão de 40 anos".

Rohter realmente força a barra neste ponto. "Vender o fornecimento de água" para mãos privadas é uma descrição honesta do que aconteceu, tão correta em termos práticos quanto "atribuir uma concessão de 40 anos". As empresas ganharam controle sobre o fornecimento de água da cidade e a renda que pode ser obtida de sua venda.

A má-fé e o conflito de interesses de Rohter: demos a Rohter uma quantidade gigantesca de informação factual para embasar os principais argumentos no filme. Ele não apenas os ignorou, mas, nas citações que escolheu para a matéria, escolheu apenas aquelas que não tinham relações com fatos que poderiam ser usados para ilustrar o que considerava serem o viés do diretor e do co-autor. Isto não é jornalismo ético; de fato, é questionável se isso é jornalismo em absoluto.

Por exemplo, Rohter recebeu evidência detalhada e documental do envolvimento dos EUA no golpe de 2002 (ver http://southoftheborderdoc.com/2002-venezuela-coup/). Este é um dos principais argumentos no filme, e foi embasado no filme pelo testemunho do então editor de internacional do Washington Post, Scott Wilson, que cobriu o golpe em Caracas. Em nossas conversas com Rohter, ele simplesmente descartou todas essas provas, e não aparece nada sobre isso na matéria.

Rohter deveria ter revelado seu próprio conflito de interesses nessa crítica. O filme critica o New York Times pelo respaldo de seu conselho editorial ao golpe militar de 11 de abril de 2002 contra o governo democraticamente eleito da Venezuela, o que foi constrangedor para o NYT. Além disso, o próprio Rohter escreveu uma matéria em 12 de abril que foi mais longe que o apoio do jornal ao golpe:

"Nem a derrubada de Chávez, um ex-coronel do exército, nem a de Mahuad, dois anos atrás, podem ser classificadas como um golpe militar latino-americano convencional. As forças armadas não tomaram o poder de fato na quinta-feira. Foram os apoiadores do presidente deposto que parecem ter sido responsáveis pelas mortes que não passaram de 12, em vez de centenas ou milhares, e os direitos políticos e garantias foram restaurados em vez de suspensos" - Larry Rohter, New York Times, 12 de abril de 2002.

Essas alegações de que "o golpe não foi um golpe" - não apenas por Rohter - provocou um desmentido por um colega de Rohter no New York Times, Tim Weiner, que escreveu uma matéria dominical dois dias depois, sob o título de “Um Golpe com Outro Nome” (New York Times, 14 de abril de 2002).

Ao contrário do conselho editorial do NYT, que publicou uma revisão rancorosa de sua posição pró-golpe de dias antes (incluída em nosso filme), Rohter parece ter-se apegado às fantasias direitistas sobre o golpe. Não surpreende que alguém que apoia a derrubada militar de um governo eleito democraticamente não iria gostar de um documentário como este, que comemora os triunfos da democracia eleitoral na América do Sul ao longo da última década.

Mas ele deveria ter pelo menos informado aos seus leitores que o New York Times estava sob ataque neste documentário, e também sobre seu próprio trabalho como repórter: em 1999 e 2000, ele cobriu a Venezuela para o NYT, escrevendo inúmeras matérias anti-Chávez. A representação enviesada e distorcida da Venezuela na América Latina é um dos grandes temas do documentário, o qual Rohter convenientemente ignora em sua tentativa de desqualificar o filme em 1.665 palavras.

Passamos horas com Rohter ao longo de dois dia e demos a ele toda a informação que ele pediu, ainda que sua hostilidade estivesse clara desde o início. Mas ele estava determinado a apresentar sua narrativa de repórter intrépido que revelaria uma direção desleixada. O resultado é uma tentativa muito desonesta de desqualificar o filme ao retratá-lo como factualmente impreciso - usando declarações falsas e enganosas, fora de contexto, citações seletivas de entrevistas com o diretor e escritores, e ataques pessoas.

O Times deveria pedir desculpas por ter publicado o texto.

Sinceramente,

Oliver Stone
Mark Weisbrot
Tariq Ali

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