Maria Inês Nassif – VALOR
As condições de José Serra hoje são muito menos favoráveis que as de 2002
Exceto pelas eleições em São Paulo, não existiam evidências de que o candidato tucano a presidente, José Serra, tivesse se transformado num grande líder nacional, num passe de mágicas, de 2002 para 2010. O PSDB tem tradição no Estado e consolidou uma hegemonia, construída sob um discurso conservador que não tem a mesma receptividade no resto do país. Oito anos de governo Lula, a perda de poder do aliado preferencial, o DEM, no Nordeste, a ausência do PMDB na coligação e o avanço petista nas áreas de eleitorado mais pobre e menos escolarizado levavam a crer, isto sim, que o PSDB teria chances mais reduzidas de se contrapor a uma candidatura apoiada pelo presidente-metalúrgico.
Serra, paulista – nesse momento em que o voto nacional tende a ser exercido contra o Estado mais rico da Federação -, com carisma nulo e um partido desprovido de militância partidária, dificilmente teria condições de ter um desempenho melhor do que em 2002. Nas eleições em que disputou com Lula, teve 38,72% dos votos, contra 61,27% do petista, no segundo turno. No primeiro turno, obteve apenas 23,2% dos votos – o então candidato do PSB, Anthony Garotinho, quase um franco-atirador, conseguiu 17,87% dos votos; Ciro Gomes, então no PPS, chegou no final da disputa do primeiro turno com 11,97%.
Dilma não tem mais carisma que Serra, mas o fiador de sua candidatura, o presidente Lula, tem de sobra. O tucano não teria de onde tirar um padrinho como esse, nem se revirasse os muitos quadros políticos do PSDB e do ex-PFL. Quando tinha um fiador no governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002, a situação já não foi boa. O candidato governista disputou o segundo lugar nas pesquisas, condição para ir ao segundo turno com Lula, durante todo o processo eleitoral que desaguou no primeiro turno. Ao final do pleito, havia feito grandes favores ao seu adversário: o escândalo Lunus é atribuído a pessoas ligadas a ele, e tirou da disputa Roseana Sarney (PFL), candidata que começava a decolar, o que levou ao rompimento com o partido de Jorge Bornhausen; e acabou com a candidatura de Ciro Gomes, que competiria em carisma com Lula e tinha menos resistências do eleitorado conservador do que o petista que perdeu as eleições em 1989, 1994 e 1998.
Nas eleições que deram o primeiro mandato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT começou a eleição na frente, nas pesquisas de opinião; foi o primeiro colocado na disputa no primeiro turno e ganhou no segundo turno. Em abril de 2002, quando a eleição engatinhava, Lula tinha 35% das preferências e Serra, 18%, na pesquisa do Ibope. Em agosto, depois do início do horário eleitoral de rádio e televisão, o candidato Ciro Gomes, então no PPS, já havia saltado dos 11% que tinha em abril para 26%, assumindo o segundo lugar na disputa. Serra baixou de 18% para 11%, empatando com o candidato Anthony Garotinho, então no PSB, que tinha 10% (chegou a 17% em abril).
Garotinho, no Rio, e Ciro, no eleitorado nordestino, tiraram a vitória em primeiro turno de Lula. No segundo turno, com os dois aliados a Lula, Serra apenas teve mais votos que o PT em Alagoas.
O tucano conseguiu esse resultado em condições muito mais favoráveis que as de hoje: tinha maior tempo de televisão que Lula e mais dinheiro para fazer campanha. Competia com um adversário cujo partido era estigmatizado como esquerdista. Teve a seu favor uma crise econômica criada por bolhas especulativas em torno do “Risco Lula”, a cada pesquisa em que o petista subia. Nem as ondas de pânico criadas pelo ataque financeiro reverteram em favor de Serra.
Para ir para o segundo turno em 2002, o tucano centrou sua estratégia de marketing na destruição da imagem de Ciro. Era, ao menos, uma estratégia eleitoral. Nessas eleições, tem oscilado entre a excessiva condescendência com Lula e um discurso agressivo destinado a um governo que é comandado por Lula. Em relação à candidata Dilma Rousseff (PT), vai da acusação de que ela será manietada por Lula à afirmação de que ela é autoritária, duas declarações que não combinam.
O marketing político parece estar funcionando às avessas. Lula, que era dono de uma grande rejeição antes de sua primeira eleição, em 2002, manteve esse índice no nível dos 30%. Entre a penúltima pesquisa CNT-Sensus, colhida entre o dia 31 de julho e 1 de agosto, e a última, feita entre 20 e 22 de agosto, a rejeição a Serra subiu 10 pontos, atingindo 40,7%. Em agosto de 2002, a avaliação do governo de Fernando Henrique Cardoso, aliado de Serra, era considerada positiva por 27,6% pela mesma pesquisa. Agora, a avaliação do positiva do governo Lula, adversário de Serra, pelo mesmo CNT Sensus, chega a 77,5%. O índice de aprovação do presidente FHC, há exatos oito anos, era de 37,3%; a de Lula, hoje, é de 80,5%.
Isso quer dizer que Serra tem contra ele, nessas eleições, ele próprio, na figura do muro de rejeição que se levantou ao seu redor, e o presidente Lula, com uma popularidade que o padrinho de Serra em 2002, FHC, jamais passou perto.
A transferência de votos, de Lula para Dilma, tem acontecido de forma natural. O presidente está sendo bem-sucedido ao ligar o seu nome ao de sua candidata. Serra não teve isso em 2002. Assim como agora, os quadros do PSDB, quando a derrota se aproximou, trataram de salvar a si próprios. O Serra de hoje é um candidato solitário. Assim como em 2002.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
E-mail: maria.inesnassif@valor.com.br
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