Leitor desmascara manipulação de matéria sobre SUS
Autor: Miguel do Rosário no Tijolaço
O Nassif publicou neste sábado à noite um post interessante para se
entender a manipulação sistemática das notícias, sempre com um objetivo
político. Eu destaquei em negrito algumas passagens. Trata-se de uma
situação triste, porque é evidente que o sistema de saúde precisa ser
criticado, para melhorar. Mas também me parece evidente que as críticas
devam ser construtivas, feitas com boa fé e sem ranço partidário. É um
assunto grave demais para deixarmos que se contamine pelas paixões
políticas. É a vida de nossas crianças, a nossa vida, que está em jogo.
*
Eduardo Fagnani | GGN Jornal de Todos os Brasis
A manchete da primeira página da Folha (9/12/13) não deixa margem à
dúvida: “Ineficiência marca gestão do SUS, diz Banco Mundial”. A matéria
destaca que essa é “uma das conclusões de relatório inédito obtido com
exclusividade pela Folha”. Aos desavisados a mensagem subliminar é
clara: o SUS é um fracasso e o Ministro da Saúde, incompetente.
A curta matéria da suposta avaliação do Banco Mundial sobre vinte
anos do SUS é atravessada de “informações” sobre desorganização crônica,
financiamento insuficiente, deficiências estruturais, falta de
racionalidade do gasto, baixa eficiência da rede hospitalar,
subutilização de leitos e salas cirúrgicas, taxa média de ocupação
reduzida, superlotação de hospitais de referência, internações que
poderiam ser feitas em ambulatórios, falta de investimentos em
capacitação, criação de protocolos e regulação de demanda, entre outras.
Desconfiado, entrei no site do Banco Mundial e consegui acesso ao
“inédito” documento “exclusivo”**. Para meu espanto, consultando as
conclusões da síntese (Overview), deparei-me com a seguinte passagem que
sintetiza as conclusões do documento (página 10):
“Nos últimos 20 anos, o Brasil tem obtido melhorias
impressionantes nas condições de saúde, com reduções dramáticas na
mortalidade infantil e com aumento na expectativa de vida. Igualmente
importante, as disparidades geográficas e socioeconômicas tornaram-se
muito menos pronunciadas. Existem boas razões para se acreditar que o
SUS teve importante papel nessas mudanças. A rápida expansão da atenção
básica contribuiu para a mudança nos padrões de utilização dos serviços
de saúde com uma participação crescente de atendimentos que ocorrem nos
centros de saúde e em outras instalações de cuidados primários. Houve
também um crescimento global na utilização de serviços de saúde e uma
redução na proporção de famílias que tinham problemas de acesso aos
cuidados de saúde por razões financeiras. Em suma, as reformas do SUS
têm alcançado pelo menos parcialmente as metas de acesso universal e
equitativo aos cuidados de saúde”. (tradução rápida do autor)
Após ler essa passagem tive dúvidas se havia lido o mesmo documento
obtido pela jornalista. Fiz novos testes e cheguei à conclusão que sim.
Constatado que estava no rumo certo continuei a ler a avaliação do Banco
Mundial e percebi que as críticas são apontadas como “desafios a serem enfrentados no futuro”, visando o aperfeiçoamento do SUS.
Nesse caso, o órgão privilegia cinco pontos, a saber: ampliar o
acesso aos cuidados de saúde; melhorar a eficiência e a qualidade dos
serviços de saúde; redefinir os papéis e relações entre os diferentes
níveis de governo; elevar o nível e a eficácia dos gastos do governo; e melhorar os mecanismos de informações e monitoramento para o “apoio contínuo da reforma do sistema de saúde” brasileiro.
O Banco Mundial tem razão sobre os desafios futuros, mas acrescenta
pouco ao que os especialistas brasileiros têm dito nas últimas décadas. Não
obstante, é paradoxal que esses pontos críticos ainda são, de fato,
críticos, em grande medida, pela ferrenha oposição que o Banco Mundial
sempre fez ao SUS, desde a sua criação em 1988: o sistema universal
brasileiro estava na contramão do “Consenso de Washington” e do modelo
dos “três pilares” recomendado pelo órgão aos países
subdesenvolvidos.*** É preciso advertir aos leitores jovens que, desde o
final dos anos de 1980, Banco Mundial sempre foi prejudicial à saúde
brasileira.
É uma pena que o debate sobre temas nacionais relevantes – como o
sistema público de saúde, por exemplo – seja interditado pela
desinformação movida pelo antagonismo das posições políticas, muitas
vezes travestido de ódio, que perpassa a sociedade, incluindo a mídia.
Que o espírito reconciliador Mandela ilumine os brasileiros – e o pobre debate nacional.
BAIXE O DOCUMENTO DO BANCO MUNDIAL AQUI.
*Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro
de Estudos Sindicais e do Trabalho (CESIT/IE-UNICAMP) e coordenador da
rede Plataforma Política Social – Agenda para o Desenvolvimento
(www.politicasocial.net.br).
** Twenty Years of Health System Reform in Brazil – An Assessment of
the Sistema Único de Saúde. Michele Gragnolati, Magnus Lindelow, and
Bernard Couttolenc. Human Development. 2013 International Bank for
Reconstruction and Development / The World Bank 1818 H Street NW,
Washington DC.
*** Consultar, especialmente: BANCO MUNDIAL (1990). World Development
Report: Poverty. Washington, D.C; BANCO MUNDIAL (1991). Brasil: novo
desafio à saúde do adulto. Washington, D.C. 1991; BANCO MUNDIAL (1993).
World Development Report: Investing in Health. Washington, D.C; BANCO
MUNDIAL (1994). Envejecimiento sin crisis: Políticas para la protección
de los ancianos y la promoción del crecimiento. Washington, D.C; e BANCO
MUNDIAL (1995). A Organização, Prestação e Financiamento da Saúde no
Brasil: uma agenda para os anos 90. Washington, D.C.
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