Amigos(as), sugiro a leitura na íntegra do texto de Leonardo Boff sobre o momento em que país está vivendo. Vivemos o momento de grandes reflexões. Vejamos o artigo - Uma justiça sem venda, sem balança e só com a espada?
Tradicionalmente a Justiça é representada por uma estátua que
tem os olhos vendados para simbolizar a imparcialidade e a
objetividade; a balança, a ponderação e a equidade; e a espada, a força e
a coerção para impor o veredito.
Ao analisarmos o longo processo da Ação Penal 470 que julgou os
envolvidos na dita compra de votos para os projetos do governo do PT,
dentro de uma montada espetacularização mediática, notáveis juristas, de
várias tendências, criticaram a falta de isenção e o caráter político
do julgamento.
Não vamos entrar no mérito da Ação Penal 470 que acusou 40 pessoas.
Admitamos que houve crimes, sujeitos às penas da lei. Mas todo processo
judicial deve respeitar as duas regras básicas do direito: a pressunção
da inocência e, em caso de dúvida, esta deve favorecer o réu.
Em outras palavras, ninguém pode ser condenado senão mediante provas
materiais consistentes; não pode ser por indícios e ilações. Se
persistir a dúvida, o réu é beneficiado para evitar condenações
injustas. A Justiça como instituição, desde tempos imemoriais, foi
estatuída extamente para evitar que o justiciamento fosse feito pelas
próprias mãos e inocentes fossem injustamente condenados mas sempre no
respeito a estes dois princípios fundantes.
Parece não ter prevalecido, em alguns Ministros de nossa Corte
Suprema esta norma básica do Direito Universal. Não sou eu quem o diz
mas notáveis juristas de várias procedências. Valho-me de dois de
notório saber e pela alta respectabilidade que granjearam entre seus
pares. Deixo de citar as críticas do notável jurista Tarso Genro por ser
do PT e Governador do Rio Grande do Sul.
O primeiro é Ives Gandra Martins, 88 anos, jurista,
autor de dezenas de livros, Professor da Mackenzie, do Estado Maior do
Exército e da Escola Superior de Guerra. Politicamente se situa no pólo
oposto ao PT sem sacrificar em nada seu espírito de isenção. No da 22 de
setembro de 2012 na FSP numa entrevista à Mônica Bérgamo disse
claramente com referência à condenação de José Direceu por formação de
quadrilha: todo o processo lido por mim não contem nenhuma prova. A
condenação se fez por indícios e deduções com a utilização de uma
categoria jurídica questionável, utilizada no tempo do nazismo, a
“teoria do domínio do fato.” José Dirceu, pela função que exercia
“deveria saber”. Dispensando as provas materiais e negando o princípio
da presunção de inocência e do “in dubio pro reo”, foi enquadrado na tal
teoria. Claus Roxin, jurista alemão que se aprofundou nesta teoria, em
entrevista à FSP de 11/11/2012 alertou para o erro de o STF te-la
aplicado sem amparo em provas. De forma displicente, a Ministra Rosa
Weber disse em seu voto:”Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou
condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Qual literatura
jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl Schmitt?
Pode uma juiza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal leviandade
ético-jurídica?
Gandra é contundente:”Se eu tiver a prova material do crime, não
preciso da teoria do domínio do fato para condenar”. Essa prova foi
desprezada. Os juízes ficaram nos indícios e nas deduções. Adverte para a
“monumental insegurança jurídica” que pode a partir de agora vigorar.
Se algum subalterno de um diretor cometer um crime qualquer e acusar o
diretor, a este se aplica a “teoria do domínio do fato” porque “deveria
saber”. Basta esta acusação para condená-lo.
Outro notável é o jurista Antônio Bandeira de Mello,
77, professor da PUC-SP na mesma FSP do dia 22/11/2013. Assevera:”Esse
julgamento foi viciado do começo ao fim. As condenações foram políticas.
Foram feitas porque a mídia determinou. Na verdade, o Supremo funcionou
como a longa manus da mídia. Foi um ponto fora da curva”.
Escandalosa e autocrática, sem consultar seus pares, foi a
determinação do Ministro Joaquim Barbosa. Em princípio, os condenados
deveriam cumprir a pena o mais próximo possível das residências deles.
“Se eu fosse do PT” – diz Bandeira de Mello – “ou da família pediria que
o presidente do Supremo fosse processado. Ele parece mais partidário do
que um homem isento”. Escolheu o dia 15 de novembro, feriado nacional,
para transportar para Brasília, de forma aparatosa num avião militar, os
presos, acorrentados e proibidos de se comunicar. José Genuino, doente e
desaconselhado de voar, podia correr risco de vida. Colocou a todos em
prisão fechada mesmo aqueles que estariam em prisão semi-aberta.
Ilegalmente prendeu-os antes de concluir o processo com a análise dos
“embargos infringentes”.
O animus condemnandi (a vontade de condenar) e de atingir letalmente o
PT é inegável nas atitudes açodadas e irritadiças do Ministro Barbosa. E
nós tivemos ainda que defendê-lo contra tantos preconceitos que de
muitas partes ouvimos pelo fato de sua ascendência afrobrasileira.
Contra isso afirmo sempre:“somos todos africanos”porque foi lá que
irrompemos como espécie humana. Mas não endossamos as arbitrariedades
deste Ministro culto mas raivoso. Com o Ministro Barbosa a Justiça ficou
sem as vendas porque não foi imparcial, aboliu a balança porque ele não
foi equilibrado. Só usou a espada para punir mesmo contra os princípios
do direito. Não honra seu cargo e apequena a mais alta instância
jurídica da Nação.
Ele, como diz São Paulo aos Romanos:”aprisionou a verdade na
injustiça”(1,18). A frase completa do Apóstolo, considero-a dura demais
para ser aplicada ao Ministro.
Leonardo Boff foi professor de Etica na UERJ e escreveu Etica e Moral: em busca dos fundamentos, Vozes 2003.
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