Não acredito em coincidências’, diz analista sobre interesse dos EUA na queda de Dilma - Sul21
Da RBA
A tentativa de derrubar a chefe de Estado brasileiro, que evolui a
passos largos, não está dissociada dos interesses norte-americanos. Não
fosse isso, o pré-candidato à presidência dos EUA pelo Partido
Democrata, Bernie Sanders, não teria afirmado que seu país “não pode
continuar derrubando governos na América Latina”, embora não tenha
citado a conspiração contra Dilma”, diz Analúcia Danilevicz Pereira,
professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), em entrevista à RBA.
“O que a gente pode inferir disso tudo? Que realmente há interesse
numa mudança no governo brasileiro. O próprio PMDB já divulgou um
relatório com aquilo que eles pretendem fazer, caso assumam o governo. A
principal ameaça é a reforma do Estado, a privatização, mudar a
política nacional e redirecioná-la àquilo que foi no passado.
Para ela, as mídias sociais desempenham hoje um papel importante nas
estratégias de desestabilização de nações que incomodam os Estados
Unidos. “Todas as mídias sociais, seja Facebook, Twiter ou WhatsApp, são
formas de intervenção”, afirma. “É uma forma muito eficiente de
fragmentar uma sociedade.”
Logo após as eleições de 2014, Frederick William Engdahl, intelectual
de Princeton e pesquisador de economia, geopolítica e geologia,
escreveu um artigo intitulado “Presidente do Brasil é o próximo alvo de
Washington”. Nele, Engdahl escreveu: “A razão pela qual Washington quer
se livrar de Rousseff é clara. Como presidente, ela é uma das cinco
cabeças dos Brics que assinaram a formação de um crédito de US $ 100
bilhões do Banco de Desenvolvimento”.
“É interessante observar que a mesma coisa (que se passou no Brasil)
aconteceu na chamada Primavera Árabe”, também diz a professora da UFRGS.
Leia a entrevista:
Existem indícios ou sinais de que o golpe no Brasil interessa aos Estados Unidos?
Algumas ações indicam o interesse muito claro em uma mudança de poder
no Brasil. Já um tempo atrás – as pessoas acabam esquecendo –, houve
denúncias que vazaram pelo Wikileaks sobre espionagem em uma das
principais empresas brasileiras, que é a Petrobras e o próprio
monitoramento da presidenta da República.. Logo em seguida, inicia-se um
processo de denúncias em torno das atividades dentro da empresa.
Os Estados Unidos estão presentes em diferentes países e das mais
diferentes formas. No Brasil, seja por meio da utilização de alta
tecnologia, que permite espionagem, seja por meio de figuras que de fato
atuam dentro do país e tentam se aproximar do governo. Isso pode
acontecer por meio de organizações não governamentais, por exemplo. A
igreja evangélica norte-americana tem um poder financeiro e de atuação
internacional muito grande. Não é pro acaso que a Igreja Evangélica no
Brasil foi ganhando terreno político. Ou seja, são ações que não são
facilmente confirmadas, concretamente, mas sabemos que existe.
O Brasil estava consolidando seu poder nacional, e acumulando
condições de projeção de poder internacional. Aí ele se torna um
problema para os Estados Unidos. Anunciamos, um tempo atrás, a autonomia
em relação à produção de petróleo, houve a questão relacionada ao
pagamento da dívida externa. Foram várias declarações de autonomia que,
evidentemente, incomodam os Estados Unidos.
Então, o que a gente pode inferir disso tudo? Que realmente há
interesse numa mudança no governo brasileiro. O próprio PMDB já divulgou
um relatório com aquilo que eles pretendem caso assumam o governo. A
principal ameaça é a reforma do Estado, a privatização, mudar a política
nacional e redirecioná-la àquilo que foi no passado. As evidências
existem, mas como vamos fundamentar, documentar isso? Isso faz parte de
relações que começam a ocorrer de uma nova forma, mas que reproduzem
velhos mecanismos de controle e monitoramento externo, evidentemente.
Bernie Sanders, esta semana, disse que seu país precisa parar
de derrubar governos na América Latina, embora não tenha citado o
Brasil…
Sim, este interesse existe. E assim se consegue capitalizar e abrir
espaço para que a oposição, que estava extremamente fragilizada, consiga
rapidamente um espaço de atuação. Se nós formos considerar o momento em
que essas coisas acontecem, mais claramente a partir de 2013, em três
anos a oposição virou o jogo no Brasil.
Claro que essas coisas foram se processando há mais tempo. Tem uma
análise que a gente precisa fazer, que é a seguinte: o primeiro governo
Lula foi relativamente duro no sentido de dar continuidade a políticas
iniciadas pelo PSDB. Mas a segunda gestão foi social. Acho que isso fez
parte de um pacto político. A partir daí se fortaleceram possibilidades
importantes do Brasil se consolidar como um polo de poder na América
Latina. E foi aí que as coisas começaram a se tornar um incômodo.
A visita do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) a
Washington (para onde viajou no dia seguinte à sessão da Câmara que
aprovou a admissibilidade do processo de impedimento de Dilma Rousseff)
tem a ver com tudo isso, ou é uma simples coincidência?
Não tem nenhuma coincidência. Eu não acredito em coincidências. Tudo é
um grande jogo político. O próprio juiz Sérgio Moro tem instrução
norte-americana. Moro estudou, teve contato muito próximo com o
Departamento de Estado norte-americano.
O problema é que as coisas acabam acontecendo muito nos bastidores e a
mídia divulga aquilo que interessa. Os grandes meios de comunicação não
estão isentos na oferta de informação. Existe esse trânsito de
políticos brasileiros nos EUA, as conversas que não vamos realmente ter
como documentar. Não podemos esquecer que o Brasil tem recursos
importantes e, no momento em que as empresas estatais se fortalecem,
minimizam o poder de atuação de empresas estrangeiras. A gente pode
observar que todo o movimento foi no sentido de quebrar todas as
principais empresas nacionais, sejam elas públicas, mistas ou até
privadas, mas que tinham projeção internacional. Esse movimento
evidentemente está ligado aos interesses norte-americanos.
Frederick William Engdahl faz uma associação entre o
crescimento das manifestações populares a partir de 2013 e a queda da
popularidade da Dilma, que coincidiu, segundo ele, com “desestabilização
via Twitter” e a presença do vice dos Estados Unidos, Joe Biden,
naquele momento no Brasil…
Os principais controles da tecnologia da informação, e não é só um
controle técnico, mas também o controle da tecnologia e da forma como
essa tecnologia está aplicada, isso tudo está nas mãos das empresas
americanas. E isso é tão forte que, por exemplo, elas ousam obstruir
qualquer medida legal dentro de um Estado. Há uma intervenção aceita,
uma intervenção que consegue burlar as condições soberanas de um Estado,
sem grandes conflitos.
Todas as mídias sociais, seja Facebook, Twiter ou WhatsApp, são
formas de intervenção, no momento em que a tecnologia vai ser usada sem
nenhum respeito às legislações nacionais. Mais uma vez: as coisas não
são coincidência. Essas mídias são uma forma de estabelecer agendas
políticas que mobilizam a sociedade de uma maneira geral.
É interessante observar que a mesma coisa aconteceu na chamada
Primavera Árabe, quando muito se falou na importância e no papel
benéfico das mídiais sociais nas mobilizações. As pessoas que foram
mobilizadas são as que tem acesso à internet. E a grande maioria das
populações dos países em desenvolvimento não têm acesso à internet. Isso
é um dado. Estamos falando de mobilizações de determinadas classes
sociais que acabam representando uma vontade popular ou definindo-se
como representante de uma vontade popular, e isso não é uma realidade.
Então a associação feita por Engdahl faz sentido?
E vou te dizer mais: hoje, (as mídiais sociais) têm um papel nefasto
para a definição ou pelo menos a manutenção de projetos nacionais. É uma
forma muito eficiente de fragmentar uma sociedade. Criam-se agendas que
vão ser seguidas por determinados grupos, e isso vai aparecer para o
grande público como uma representação ampla da sociedade, e não é. Na
verdade é uma falácia.
Por exemplo, manifestantes a favor do impeachment. Aí mostram aquela
massa em determinada cidade como se aquilo ali representasse
efetivamente uma vontade popular. E na verdade você tem ali determinados
grupos muito claramente identificáveis, com um pouco de boa vontade.
Isso é muito complicado, porque tem a ver com a soberania nacional, com
as condições de um país de regular o acesso à internet, de regular
aquilo que é interessante ou não. Toda vez que se discute isso, se
discute como se a internet fosse o espaço mais democrático do mundo, e
ela não é. Temos alunos fazendo pesquisa sobre isso e fica claro, no
levantamento de dados, que quem controla a tecnologia e a utilização
dessa tecnologia são fundamentalmente Estados Unidos, França e
Inglaterra.
Os outros países, quando tentam criar suas alternativas, são taxados
de ditaduras. Como a China, por exemplo, que tem todo seu regulamento
para a utilização da internet. Porque se tem consciência disso, de que
esse é um espaço controlado por um determinado grupo de países. Mas essa
discussão não é pública, ao contrário. É altamente controlado por um
grupo privado de praticamente três países.
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