Por Luis Moreira de Oliveira Filho
Em 1945, no deserto egípcio de Nag Hammadi,
camponeses encontraram jarros antigos com manuscritos escondidos havia séculos.
Um achado semelhante ocorreria pouco depois, em 1947, próximo ao Mar Morto, em
cavernas da Cisjordânia. Em ambos os casos, o que veio à tona não foram apenas
velhos textos religiosos — mas fragmentos esquecidos de
uma espiritualidade viva, libertadora e radicalmente diferente daquela que
conhecemos como “cristianismo oficial”.
Esses textos falam de um Jesus mais humano e
sábio do que divino e hierárquico. Um mestre espiritual que convida seus
discípulos a mergulharem no autoconhecimento, a reencontrarem a centelha divina
que habita em cada um, a libertarem-se da ignorância — não pela fé cega, mas
pela gnose, o conhecimento interior.
O Jesus da
gnose
Nos evangelhos gnósticos — como os de Tomé,
Maria Madalena e Filipe — o Reino de Deus não está nos altares nem nos palácios
da Igreja, mas dentro de nós. Jesus, nesses
textos, não exige adoração, mas desperta. Ele não constrói templos nem funda igrejas —
ele acende a chama da verdade no coração humano.
Maria Madalena, nesses manuscritos, não é uma
pecadora redimida, mas a discípula mais amada,
a única que compreendeu plenamente seus ensinamentos.
Ela é símbolo do sagrado feminino que foi silenciado, ocultado e deturpado por
uma tradição patriarcal que não podia aceitar mulheres como líderes
espirituais.
O silêncio imposto pela Igreja
O que aconteceu com esses textos? Foram queimados,
enterrados, proscritos como heresia. A partir do século IV,
quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, uma nova
aliança entre fé e poder se consolidou. Era necessário controlar as narrativas,
fixar dogmas, unificar verdades.
A fé que nascera nas margens — entre
pescadores, mulheres, andarilhos, rebeldes e místicos — foi capturada por imperadores, bispos e exércitos. Jesus deixou de ser o
mestre da luz interior para se tornar um rei glorificado nas catedrais do
mundo.
Religião ou
dominação?
A pergunta é antiga, mas ainda ecoa: quantas guerras foram feitas em nome de Deus? Cruzadas,
inquisições, colonizações, perseguições. A fé que deveria libertar passou a
servir como instrumento de controle. Em vez do Cristo que lava os pés dos
discípulos, erguemos imagens douradas do Cristo que “reina com poder”.
Mas os manuscritos esquecidos continuam
falando. Em silêncio, em fragmentos, em parábolas simples, eles nos dizem:
“Se vos
conhecerdes, sereis conhecidos, e sabereis que sois filhos do Pai vivente.”
(Evangelho de Tomé)
Redescobrir o
sagrado
Talvez este seja o tempo de retomar o fio perdido da espiritualidade. De reconhecer
que houve muitos “cristianismos” — e que o oficial não é o único possível.
Talvez seja hora de ouvir Maria Madalena, de lembrar que Deus não precisa de
tronos, mas de corações abertos.
Os manuscritos de Nag Hammadi e do Mar Morto
não são apenas relíquias arqueológicas. Eles são espelhos. Neles vemos uma fé que resiste à domesticação. Uma fé que não se curva ao poder, nem ao medo, nem ao lucro. Uma fé
que chama pelo nome cada ser humano e o convida a
lembrar quem é: luz, amor, presença viva do mistério.
📌 Quer
aprofundar? Nos próximos textos, exploraremos o Evangelho de Tomé, a figura de
Maria Madalena e o mistério da gnose silenciada.
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