“E a companheira do Salvador é Maria Madalena...
Ele a amava mais do que a todos os discípulos e frequentemente a beijava na
[boca].”
Evangelho de Filipe
Os evangelhos
gnósticos são como janelas abertas para um cristianismo esquecido, mais
místico, interior e simbólico. Neles, encontramos uma figura surpreendente:
Maria Madalena. Não como pecadora arrependida, mas como mestra, companheira
espiritual de Jesus e portadora de um conhecimento profundo, transmitido não
por palavras, mas por gestos sagrados, como o beijo.
Um dos textos mais
enigmáticos da coleção de Nag Hammadi, o Evangelho
de Filipe, nos apresenta Madalena como koinōnos,
palavra grega que pode ser traduzida como "companheira",
"parceira espiritual" ou "consorte mística". Segundo o
manuscrito, ela era amada de forma especial por Jesus, que a beijava com
frequência. Mas o que significava esse beijo?
O beijo como sopro de sabedoria
Ao contrário do que
a leitura moderna pode sugerir, o beijo aqui não é um gesto erótico. Nos contextos
espirituais da época, tanto entre gnósticos como em outras tradições de
mistério — o beijo era símbolo de transmissão de
conhecimento, de compartilhamento do espírito.
O próprio Evangelho de Filipe afirma que o beijo entre
iniciados era um modo de receber a graça que há um
no outro, como um sopro de vida entre almas despertas. O beijo
entre Jesus e Maria seria, então, um gesto de profunda comunhão
espiritual, um sacramento invisível.
Maria, a mulher gnóstica
No Evangelho de Maria Madalena, ela é
apresentada como aquela que compreendeu os ensinamentos mais profundos de Jesus
— e que, por isso, foi rejeitada pelos outros discípulos, especialmente por
Pedro. Esse embate simboliza a tensão entre a espiritualidade
institucionalizada e a revelação interior, que Madalena representa.
Ela não é apenas a
discípula amada — é a guardiã do sagrado feminino, a Sophia,
personificação da sabedoria divina na tradição gnóstica. Ela revela que o
caminho para o Reino de Deus passa por dentro, pelo autoconhecimento, e não por
normas externas.
A câmara nupcial: união de opostos
Outro símbolo
central no Evangelho de Filipe é a câmara nupcial — um espaço iniciático onde ocorre a união
entre alma e espírito, feminino e masculino, humano e divino. Essa “união
sagrada” é o verdadeiro sacramento da salvação gnóstica.
Ao retratar Maria
como a companheira de Jesus nessa união, o texto não sugere um romance terreno,
mas uma síntese espiritual, onde o amor é
força de reintegração cósmica. Em Maria, a gnose encontra sua expressão mais
íntima e transformadora.
Reflexão final
Os evangelhos
gnósticos não apenas nos contam histórias esquecidas — eles nos desafiam a ver
além das palavras, além das estruturas fixas da religião. Neles, Maria Madalena
não é silenciada. Ela fala. Ensina. Beija. E nos convida a despertar para a
verdade viva que habita em nós.
Talvez o beijo
entre ela e o mestre seja também um convite para nós: o de reencontrar a
centelha divina em nosso interior. Um beijo místico. Um gesto de alma para
alma.
📚 Sugestões de leitura:
- Evangelho de Filipe – Biblioteca de Nag Hammadi
- Elaine Pagels – Os Evangelhos Gnósticos
- Karen King – O Evangelho de Maria de Magdala: Jesus e a Primeira Mulher Apóstola
- Evangelho de Maria – traduções disponíveis online

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