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domingo, 29 de junho de 2025

Entre diásporas e bancos: A questão judaica e os ecos do antissemitismo no espelho da história

 Por Luis Moreira Oliveira Filho – Blog Olhos do Sertão

“O exílio é mais do que uma ausência.

É uma ferida que caminha com o corpo.”

— Mahmoud Darwish

Nos sertões da memória, também habitam os exilados. Povos sem chão, sem casa, sem pátria. Alguns criam na religião a bússola de retorno. Outros constroem muros e muros de esquecimento. A história dos judeus, marcada por dor e resistência, caminha entre esses extremos: da diáspora ao domínio, da perseguição ao poder, do gueto ao banco, do templo ao tanque.

Este texto não é contra um povo. É contra o uso político e econômico da memória. É contra a violência que se esconde atrás de nomes sagrados. É contra o silêncio. É contra o apagamento.

 

As raízes do antissemitismo: antes da palavra, o ódio

 

O antissemitismo é antigo. O nome é moderno, cunhado no século XIX, mas o sentimento já era medieval. Desde os tempos do Império Romano e da cristandade europeia, os judeus foram alvo preferencial do medo, da ignorância e da intolerância.

·        Perseguidos por “matar Cristo”;

·        Acusados de rituais macabros;

·        Confinados em guetos;

·        Proibidos de possuir terras ou cargos públicos.

Nas épocas de peste, fome e guerra, os judeus viravam bode expiatório. A culpa do mundo recaía sobre seus ombros.

 

A "questão judaica": o corpo estranho na nação

 

Com a modernidade e o surgimento dos Estados-nação, surge o dilema: o que fazer com os judeus?

·        Integrá-los? Exigir que abandonem sua fé?

·        Expulsá-los? Ignorá-los?

·        Ou criar um Estado só para eles?

Esse debate foi chamado de “a questão judaica”. E dela nasceram propostas distintas: o sionismo territorial (criar um Estado judeu) e o antissemitismo racial moderno, que culminaria no Holocausto.

 

De Judá a judeu: a construção de uma identidade resistente

 

A palavra “judeu” deriva de Judá, uma das doze tribos de Israel. Com a destruição do reino de Judá pelos babilônios em 586 a.C., o povo foi exilado, e sua identidade se fortaleceu sem rei, sem terra e sem templo. Ali nasceu a alma do judaísmo: uma religião do exílio.

Séculos depois, Ciro, o Grande, rei da Pérsia, permitiu que voltassem. Mas vieram novas destruições, sobretudo pela mão do Império Romano. Em 70 d.C., Jerusalém é arrasada, o templo destruído. E a terra de Judá recebe novo nome: Palestina, homenagem aos antigos filisteus — um gesto simbólico de apagar o povo vencido.

 

Bancos, finanças e o mito do judeu usurário

 

Na Europa medieval, a Igreja proibia os cristãos de cobrar juros. Mas o comércio precisava de crédito. Os judeus, proibidos de ter terras, passaram a atuar nas finanças.

Daí nasceu o mito do “judeu banqueiro”. Sentavam-se em bancos de madeira nas praças, negociando moedas e empréstimos — origem etimológica do termo “banco” enquanto instituição financeira. Mas essa prática, ainda que legal, gerava ódio, inveja e acusações de agiotagem.

Com o tempo, essa função imposta virou estigma e teoria da conspiração. O judeu passou de vítima à figura do “grande manipulador”, “dono do dinheiro”, “inimigo oculto”. Um estereótipo que seria letal no século XX.

 

Sionismo: do refúgio ao colonialismo

 

Após séculos de perseguições, surgiu o sionismo, movimento que propunha um retorno à “Terra Prometida” — a Palestina. Mas ali já havia um povo.

A criação do Estado de Israel, em 1948, se deu sob a sombra do trauma do Holocausto. Mas, desde o início, implicou deslocamento, expulsão e ocupação de terras palestinas.

Hoje, o sionismo — que deveria ser libertação — transformou-se em ideologia de exclusão, supremacia e apartheid. E muitos judeus, críticos do sionismo, denunciam essa contradição com coragem.

 

A memória usada como escudo

É legítimo lembrar o Holocausto. É necessário. Mas não se pode usar a memória da dor para justificar a dor dos outros.

Criticar Israel não é ser antissemita. É ser humano. O antissemitismo existe, deve ser combatido. Mas usar o antissemitismo como justificativa para calar a crítica ao genocídio em Gaza é uma torção moral grave. O povo palestino não pode pagar pelo que os nazistas fizeram aos judeus.

 

Conclusão: com os olhos do sertão

 

O sertanejo conhece o exílio. Conhece a fome. Conhece o silêncio forçado. E por isso, talvez, possa ver com mais clareza o que o mundo insiste em negar:

Não existe justiça sem memória, mas também não existe paz sem reparação.

A história dos judeus é grandiosa, sofrida, bela. Mas isso não dá a nenhum governo o direito de se tornar carrasco.

De Ur à Palestina, de Jerusalém à diáspora, dos guetos aos bancos — essa história precisa ser contada com coragem, sem filtros. Com os olhos do sertão, que veem além da poeira.

📚 Referências complementares sugeridas para leitura:

·        Edward Said – Orientalismo / A Questão da Palestina

·        Ilan Pappé – A Limpeza Étnica da Palestina

·        Shlomo Sand – A Invenção do Povo Judeu

·        Judith Butler – Parting Ways: Jewishness and the Critique of Zionism

·        Mahmoud Darwish – Memória para o Esquecimento

 

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