Por Luis Moreira Oliveira Filho – Blog Olhos do Sertão
“O exílio é mais do que uma ausência.
É
uma ferida que caminha com o corpo.”
—
Mahmoud Darwish
Nos sertões da memória, também habitam os exilados.
Povos sem chão, sem casa, sem pátria. Alguns criam na religião a bússola de
retorno. Outros constroem muros e muros de esquecimento. A história dos judeus,
marcada por dor e resistência, caminha entre esses extremos: da diáspora ao
domínio, da perseguição ao poder, do gueto ao banco, do templo ao tanque.
Este texto não é contra um povo. É contra o uso político e econômico da memória. É contra a violência
que se esconde atrás de nomes sagrados. É contra o silêncio. É contra o
apagamento.
As raízes do
antissemitismo: antes da palavra, o ódio
O antissemitismo
é antigo. O nome é moderno, cunhado no século XIX, mas o sentimento já era
medieval. Desde os tempos do Império Romano e da cristandade europeia, os
judeus foram alvo preferencial do medo, da ignorância e da
intolerância.
·
Perseguidos por “matar Cristo”;
·
Acusados de rituais macabros;
·
Confinados em guetos;
·
Proibidos de possuir terras ou cargos públicos.
Nas épocas de peste, fome e guerra, os judeus
viravam bode expiatório. A culpa do mundo
recaía sobre seus ombros.
A "questão judaica": o corpo estranho
na nação
Com
a modernidade e o surgimento dos Estados-nação, surge o dilema: o que fazer com os judeus?
·
Integrá-los? Exigir que abandonem sua fé?
·
Expulsá-los? Ignorá-los?
·
Ou criar um Estado só para eles?
Esse debate foi chamado de “a questão judaica”. E dela nasceram propostas distintas: o sionismo territorial (criar um Estado judeu) e o antissemitismo racial moderno, que culminaria no
Holocausto.
De Judá a judeu: a
construção de uma identidade resistente
A palavra “judeu” deriva de Judá, uma das doze tribos de Israel. Com a destruição do
reino de Judá pelos babilônios em 586 a.C., o povo foi exilado, e sua
identidade se fortaleceu sem rei, sem terra e sem
templo. Ali nasceu a alma do judaísmo: uma
religião do exílio.
Séculos depois, Ciro,
o Grande, rei da Pérsia, permitiu que voltassem. Mas vieram
novas destruições, sobretudo pela mão do Império Romano. Em 70 d.C., Jerusalém
é arrasada, o templo destruído. E a terra de Judá recebe novo nome: Palestina, homenagem aos antigos filisteus — um gesto
simbólico de apagar o povo vencido.
Bancos, finanças e o mito
do judeu usurário
Na Europa medieval, a
Igreja proibia os cristãos de cobrar juros. Mas o comércio
precisava de crédito. Os judeus, proibidos de ter terras, passaram a atuar nas finanças.
Daí nasceu o mito do “judeu banqueiro”.
Sentavam-se em bancos de madeira nas praças,
negociando moedas e empréstimos — origem etimológica do termo “banco” enquanto
instituição financeira. Mas essa prática, ainda que legal, gerava ódio, inveja e acusações de agiotagem.
Com o tempo, essa função imposta virou estigma e teoria da conspiração. O judeu passou de vítima
à figura do “grande manipulador”, “dono do dinheiro”, “inimigo oculto”. Um
estereótipo que seria letal no século XX.
Sionismo: do refúgio ao
colonialismo
Após séculos de perseguições, surgiu o sionismo, movimento que propunha um retorno à “Terra
Prometida” — a Palestina. Mas ali já havia um povo.
A criação do Estado de Israel, em 1948, se deu
sob a sombra do trauma do Holocausto. Mas, desde o início, implicou deslocamento, expulsão e ocupação de terras palestinas.
Hoje, o sionismo — que deveria ser libertação —
transformou-se em ideologia de exclusão, supremacia e
apartheid. E muitos judeus, críticos do sionismo, denunciam
essa contradição com coragem.
A memória usada como escudo
É legítimo lembrar o Holocausto. É necessário.
Mas não se pode usar a memória da dor para justificar a
dor dos outros.
Criticar Israel não é ser antissemita. É ser
humano. O antissemitismo existe, deve ser combatido. Mas usar o antissemitismo como justificativa para calar a crítica ao
genocídio em Gaza é uma torção moral grave. O povo palestino
não pode pagar pelo que os nazistas fizeram aos judeus.
Conclusão: com os olhos
do sertão
O
sertanejo conhece o exílio. Conhece a fome. Conhece o silêncio forçado. E por
isso, talvez, possa ver com mais clareza o que o mundo insiste em negar:
Não existe justiça sem
memória, mas também não existe paz sem reparação.
A história dos judeus é grandiosa, sofrida, bela.
Mas isso não dá a nenhum governo o direito de se tornar carrasco.
De Ur à Palestina, de Jerusalém à diáspora, dos
guetos aos bancos — essa história precisa ser contada com coragem, sem filtros.
Com os olhos do sertão, que veem além da poeira.
📚 Referências complementares sugeridas para leitura:
·
Edward Said – Orientalismo
/ A Questão da Palestina
·
Ilan Pappé – A
Limpeza Étnica da Palestina
·
Shlomo Sand – A
Invenção do Povo Judeu
·
Judith Butler – Parting Ways: Jewishness and the Critique of Zionism
·
Mahmoud Darwish – Memória para o Esquecimento
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