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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Diálogos sobre teorias pedagógicas de alfabetização

Antagonismos, discrepâncias, incongruências. Esse é o quadro com o qual nos deparamos quando analisamos e refletimos sobre as diversas linhas pedagógicas introduzidas no Brasil, a partir de 1549. Analisar estas linhas pedagógicas sem refletir sobre seus pressupostos filosóficos, sociológicos e pedagógicos, embora de forma reduzida, seria incoerência acadêmica.



A Pedagogia Tradicional, cujo contexto histórico está compreendido entre 1549 até 1930, tem uma visão essencialista do homem. O homem é constituído por uma essência imutável, cabendo à educação conformar-se a ela. A sociedade é essencialmente harmoniosa, buscando a integração de seus membros. A educação é instrumento de correção das desigualdades sociais. A escola tem a função de difundir a instrução, transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente. A metolologia empregada na escola é mecânica, repetitiva e desvinculada da prática social dos alunos. A relação professor-aluno é verticalista/autoritária. O aluno é ser passivo que escuta, cala e obedece. O professor é detentor de todo saber, um transmissor de conhecimentos.


A avaliação é classificatória e seletiva.


O foco desta pedagogia é aprender.


A Pedagogia Renovada, que se estende de 1930 até 1960, tem uma visão existencialista do homem, centrada na existência, na vida, na atividade. A educação é um instrumento para formar o homem democrático. Passa a centrar-se nos educandos, nos seus interesses e necessidades, respeitando-se sua fase de desenvolvimento. A visão da sociedade é de uma realidade em transformação. Cabe à educação corrigir as desigualdades na sociedade. A escola deve retratar a vida, deve ser ativa. Na relação professor-aluno, o professor assume o papel de auxiliar do desenvolvimento livre da criança. A disciplina é o resultado da uma tomada de consciência dos limites da vida grupal. O relacionamento positivo é uma forma de instaurar a vivência democrática. O foco dessa pedagogia é aprender a aprender. Aprender fazendo.


A Pedagogia Tecnicista, que abrange o período compreendido entre 1960 a 1979, coloca o homem como ser passivo, modelável, acrítico. A visão da sociedade é sistêmica, onde cada parte tem sua função tecnocrática. O papel da educação é proporcional a um eficiente treinamento para a execução de múltiplas tarefas demandadas continuamente pelos sistemas sociais. À escola cabe a tarefa de produzir indivíduos competentes para o mercado de trabalho. A atuação da escola é explicitamente voltada para o aperfeiçoamento da ordem social vigente. A relação professor-aluno é estruturada e objetiva. O professor administra e controla o sistema instrucional, o aluno recebe e fixa os conhecimentos. O foco dessa pedagogia é aprender a fazer.


A Teoria Libertadora dá início ao trabalho desenvolvido pelas teorias ditas críticas. Tem sua história a partir de 1960 e se estende aos nossos dias. O homem, nesta pedagogia, é um ser de relações, inacabado, que reflete sobre si e o mundo; é criativo e sujeito de sua ação, capaz de transformar a sociedade. Está sempre na busca de “ser mais”. A sociedade é conflituosa e dividida em classes sociais. A educação é instrumento de emancipação. Os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. A escola é um espaço contraditório e de luta, onde também pode ocorrer um processo de conscientização. A relação professor-aluno é embasada no diálogo. A relação é horizontal. Educador e educando se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. O foco dessa teoria é a conscientização.


A Pedagogia Histórico-Crítica tem início em 1979 e atua até nossos dias. A Pedagogia Histórico-Crítica recusa-se a colocar como ponto de partida determinada visão de homem. Interessa-se pelo homem concreto, síntese de múltiplas determinações (conjunto de relações sociais). O papel da educação é colocar-se a serviço de uma nova formação social em gestação no seio da velha formação social dominante. Educação é um processo mediador que integra as práticas sociais. A escola é a forma principal dominante de educação, porque é insubstituível para prover conhecimentos de base e habilidades cognitivas e operativas, necessárias à participação na vida social. O papel principal da escola é a socialização do saber sistemático, elaborado, científico, erudito. A relação professor-aluno é de orientação. O professor deve orientar o aluno, abrindo perspectivas a partir dos conteúdos, implicando um envolvimento com o estilo de vida do aluno, tendo consciência do próprio contraste professor-aluno. O professor deve despertar necessidade e exigir esforço do aluno. O foco desta pedagogia é aprender para transformar.


No final do período histórico da prática da pedagogia renovada, surge no Brasil, e ainda hoje é adotada em muitas escolas, a pedagogia montessoriana (1960-1970), criada pela italiana Maria Montessori (1870-1952). Pedagogia empirista e inatista, opõe-se à pedagogia interacionista. Montessori trabalhou com a idéia de que o conhecimento vem de fora para dentro, num processo que se dá através dos sentidos. Na proposta montessoriana de aprendizagem, a repetição é elemento-chave, assim como a forma que vem antes do conteúdo. A criança já recebe um padrão de letra: a letra cursiva e aprende repetindo.


Para alguns críticos, o primeiro grande equívoco da teoria montessoriana é o primado dos sentidos na origem das funções psíquicas. Para Montessori, a educação é motora, sensorial, depende de treinamento. Hoje, sabemos que o grande desafio para a criança é a construção do conceito, a elaboração das hipóteses. E isso ninguém ensina nem treina, ela faz por si.


Sintetizando as diferenças entre o que Montessori defendia e o que é aceito hoje, podemos dizer que a mente vazia de Montessori contrapõe-se a base genética e biológica. Ao primado dos sentidos, o primado do intelecto. Ao treinamento motor, o treinamento como apoio. À criação individual, à construção coletiva.


Finalmente, não poderíamos deixar de analisar e explicitar a teoria que, atualmente, agita as escolas brasileiras: a teoria construtivista, criada, ou melhor, adotada no Brasil, há pouco mais de uma década. No construtivismo o aluno, entre outros procedimentos, participa ativamente do próprio aprendizado, mediante a experimentação, a pesquisa em grupo, o estímulo à dúvida e o desenvolvimento do raciocínio. O construtivismo rejeita a apresentação de conhecimentos prontos ao estudante, como por exemplo, a memorização. O construtivismo enfatiza a importância do erro, não como um tropeço, mas como um trampolim na rota da aprendizagem. Condena a rigidez nos procedimentos de ensino, as avaliações padronizadas e a utilização de material didático demasiadamente estranho ao universo pessoal do aluno. Compreende o conhecimento como algo que está sempre em processo de construção, transformando-se mediante a ação do sujeito no mundo, a experiência dele sobre o objeto, sua transformação em um sujeito ativo em processo de permanente construção, interagindo sujeito e meio ambiente mediante processos interativos modificadores das relações sujeito-objeto, no qual um modifica o outro e os indivíduos se modificam entre si.


Adotado e tornado conhecido por Emília Ferreiro, aluna e colaboradora de Jean Piaget, o construtivismo pesquisou especificamente o processo intelectual pelo qual as crianças aprendem a ler e a escrever na faixa etária de 4 a 6 anos. Para Ferreiro, “a criança aprende segundo sua própria lógica até mesmo quando ela se choca com a lógica do método da alfabetização”.

Ferreiro verificou uma seqüência lógica básica na faixa de 4 a 6 anos. Numa primeira fase, a fase silábica, a criança não relaciona as letras com os sons da língua falada e se agarra a uma letra mais simpática para “escrever”. Por exemplo, pode escrever Marcelo com MMMMM ou AAAAA. Na fase silábica, a criança tem uma interpretação própria, a seu modo, da letra, atribuindo valor silábico a cada uma. (Para ela, COM pode ser a grafia de Mar-ce-lo, em que M = mar; C = ce e O = lo. Na fase silábico-alfabética, mistura a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas propriamente ditas. Finalmente, na última fase, a fase alfabética, já consegue dominar plenamente o valor das letras e das sílabas.


Sintetizando, o que foi exposto acima, Ferreiro e sua colega de pesquisas, Ana Teberosky, consideram que as crianças constróem seus próprios conhecimentos no processo da leitura e escrita vivendo e passando por conflitos cognitivos continuamente elaborando e reelaborando, até chegar ao sistema alfabético. Enfatizam ainda, que as crianças aprendem ler e escrever porque trabalham cognitivamente com o que o meio lhes oferece. Nessa visão construtivista, o aluno (criança) que escreve BETA e ler BOR – BO – LE – TA está dentro de uma lógica de formulação de hipóteses do nível silábico. Portanto é fundamental aos professores terem esses conhecimentos científicos, terem noções do construtivismo e de como atuar nas hipóteses das crianças. Se eles entenderem todo esse processo, saberão proporcionar atividades estimuladoras usando o computador em grupo de dois, num ambiente enriquecedor, que possibilite colocar as crianças em conflitos e reflexões para evoluir até chegar a uma ordem alfabética. É portanto, nessa visão interacionista, que o sujeito é concebido no processo de interação com o meio, já que os empiristas consideram muito mais com o tipo de estímulos a serem fornecidos para as crianças juntamente com a carga de reforços recebidos do que com a individualidade de cada uma delas. O que se contrapõe os construtivistas que têm nas crianças o sujeito em ação, ativo, incentivando-se ao processo de aprendizagem e portanto um ser arquiteto do conhecimento.
Os behavioristas ignoraram totalmente a interação mútua e a interdependência entre um organismo vivo e seu ambiente natural, do qual é parte integrante. (...) do ponto de vista psicológico, animais e seres humanos são máquinas cujas atividades estão limitadas às respostas condicionadas aos estímulos ambientais.


Subjacente ao princípio estímulo-resposta do comportamentalismo está a causalidade mecanicista, em que, para cada efeito, deve haver uma causa anterior, e a mesma causa produz sempre o mesmo efeito (MORAES, ,1997, p. 102).


No construtivismo, as tomadas de decisões do processo de aprendizagem estão na criança enquanto ser que interage e aprende e não na figura do professor. Por isso, partimos do pressuposto de que é relevante a atividade da criança, seu pensamento em ação - porquanto, o computador pode estimular a criatividade, ajudar a desenvolver o raciocínio e dar um sentido de organização mais eficiente à criança - uma ação que é refletida, interiorizada em suas estruturas mentais, reconhecendo que ela é inteligente, é ativa, irrequieta, um organismo vivo em permanente troca com seu meio social, que toma iniciativas ao interagir com o mundo ao redor. Portanto, não é o mundo que age sobre a criança, como pressupõe os impiristas, mas sim a criança que age sobre o mundo, que constrói suas estruturas mentais a partir de situações que elas criam em seu tateamento experimental.


O construtivismo procura formar pessoas (crianças) de espírito participativo, inquisitivo e cooperativo, com mais desembaraço na elaboração do próprio conhecimento. Implica na aceitação da idéia de que a criança é capaz de construir conhecimentos juntamente com seus professores pesquisadores, os quais desenvolvem relações nas formas de aprender e ensinar. Além disso, estando envolvidos num processo de mudanças constantes do conhecimento, sendo a interação da criança com o meio ambiente, pela sua ação e atuação, a leitura e escrita são trabalhadas de maneira contextualizadas. Quanto à linguagem oral, a criança adquire pelo seu diálogo com o meio sócio-cultural, quando suas estruturas mentais são desenvolvidas por meio de “esquemas de ação” que são seqüências bem definidas de ações físicas e mentais, que vão se transformando no processo de construção do conhecimento, mediante interação com o meio social e que Moraes explicita muito bem:

Uma proposta construtivista parte do fundamento de que o ser humano vai aprendendo, conhecendo, construindo sua inteligência, desenvolvendo-se continuamente por meio de processos de assimilação e acomodação. Parte do pressuposto iluminista de que o homem é um ser dotado de razão, tem um potencial cognitivo de pensar o mundo, de reconstruir no pensamento o mundo da natureza e de ordenar esse mundo com o auxílio de critérios racionais. (...) O indivíduo aprende pela interação das estruturas nervosas ao estabelecer conexões com os símbolos, ao utilizar os sistemas simbólicos oferecidos pela cultura (MORAES, 1997, p. 203).


Nessa visão construtivista, entendemos que umas das principais características que distinguem os seres humanos dos animais é sua capacidade de pensar, de criar, de refletir sobre coisas novas a partir de conhecimentos prévios. Por isso, acreditamos em uma educação que contribui para que a criança possa ter a virtude de pensar, ter um ambiente de aprendizagem aberto à expressão livre do pensamento. Nessa perspectiva, a aprendizagem só se manifesta a partir da interação da criança sobre os conhecimentos científicos no processo de construção e reconstrução do conhecimento.


Para isso, é necessário que a escola pública forneça salas de aulas, com espaços suficientes para que se promova desenvolvimento de experiências, manipulação de materiais. Além disso, permita que as crianças possam se movimentar, ter o acesso a leitura e escrita, que elas não fiquem em um processo de passividade, já que são construtoras de suas próprias obras em ambiente de aprendizagem interdisciplinar.

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