Vygotsky nasceu na cidade de Orsha, cidade da Bielo-Russia, antiga república da extinta União Soviética. A essência das pesquisas deste grande pesquisador e psicólogo é que o aprendizado se dá, acima de tudo, pela interação social, quando a criança utiliza seu instrumento biológico mental e com ele interage.
Aspirava unir numa mesma concepção os mecanismos de funcionamento da mente com o desenvolvimento do indivíduo e da espécie. Para isso, sustentava a idéia da construção coletiva do saber que é acompanhado intrinsecamente pelo afeto.
Para KRAMER, apud LAGÔA (1994nº81), “A beleza de Vygotsky está em trazer para dentro do conceito de conhecimento essa dimensão da paixão, do prazer e da sensibilidade”.
Nesse sentido o autor postula que a criança aprende por um processo que associa o conhecimento ao sentimento. Essa apropriação se dá como uma interiorização da experiência sócio-cultural dos adultos e do meio que cerca a criança, sendo a cooperação e o papel do outro importantes na aquisição do conhecimento.
Vygotsky, em sua visão sócio-interacionista, propõe a necessidade da mediação, a experiência coletiva, para que possa existir experiência individual. Nesse contexto, o processo de aprendizagem é algo altamente dinâmico e sem papéis preestabelecidos. Nesse sentido, Oliveira escreve:
...Deixada sozinha com a língua escrita, a criança não tem material suficiente para construir um concepção que dê conta de toda a estruturação do sistema. A mediação de outros indivíduos é essencial para provocar avanços no domínio desse sistema culturalmente desenvolvido e compartilhado (OLIVEIRA, 1997, p. 65).
Fazendo um breve resumo entre autores já citados, observamos que: em Montessori, o individualismo é levado a extremos; em Célestin Freinet, temos a integração trabalho e educação; Piaget , o professor formula altos desafios para a construção do conhecimento; com Vygotsky , o professor passa a ser o mediador.
Nessa nova visão interacionista, não existem carteiras individuais, mas mesas de estudos de crianças de 4 a 5 anos, onde elas trocam idéias, mesmo fazendo trabalhos individuais e onde ocorre a interação do professor-mediador com seus alunos e de alunos-alunos.
Numa turma de alfabetização, por exemplo, na faixa dos 5 ou 6 anos, um grupo de alunos pode reunir crianças com capacidade de leitura diferenciadas, umas na fase silábica, outras na alfabética. Como cada criança escreve de um jeito, o grupo todo se desestabiliza e se coloca em xeque, de tal modo que a partir dessa troca, constrói seu conhecimento (GELUDA, apud LAGÔA,1994,nº81).
Nesta visão sócio-interacionista, a intervenção do professor mediador consiste em detectar se a criança está fazendo o que sabe, o que pode, se está aquém de seu potencial e o quanto poderia avançar. Nessa perspectiva vygotskiana, acreditamos que a criança tem a capacidade de ir além das estruturas e do nível de desenvolvimento estabelecidos por Piaget, se o professor interferir, ajudar, em vez de deixá-la trabalhar sozinha e só ficar acompanhando o que ela sabe.
Vygotsky dedicou muitos anos de sua vida ao estudo das relações entre pensamento e linguagem. Para o autor, a conquista da linguagem representa um marco no desenvolvimento do homem. Com base nesses estudos, propõe que além do processo da aquisição da linguagem falada, a aquisição da linguagem escrita representa um nova e considerável salto no desenvolvimento das crianças. Assim, a aquisição da escrita promove mudanças significativas na criança, posto que o domínio do código lingüístico, (sistema de signos) envolve novo instrumento de pensamento na medida em que aumenta a capacidade da criança de armazenar novas informações e diferentes formas de interagir com o conhecimento.
Partindo dessa visão, o pensador bielo-russo faz severas críticas à pedagogia tradicional que considera a aquisição da escrita apenas como habilidade motora:
Ensina-se as crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Ensina-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal (VYGOTSKY, apud REGO, 1994, p. 68- 69).
A complexidade desse processo está associada ao fato de a escrita ser um sistema de representação da realidade extremamente sofisticado, que se constitui num conjunto de “símbolos de segunda ordem em que os símbolos escritos funcionam como designações dos símbolos verbais.
A compreensão da linguagem escrita é efetuada primeiramente através da linguagem falada no entanto gradualmente essa via é reduzida, abreviada, e a linguagem falada desaparece como elo intermediário (VYGOTSKY, apud REGO, 1994, p. 69).
A aquisição da escrita, segundo o psicólogo, perpassa todo um envolvimento e elaboração de um sistema de apresentação simbólico da realidade, sendo uma espécie de continuidade entre as diversas atividades simbólicas. Nesse sentido, entendemos que, quando as crianças manipulam objetos, desenvolvem atividades que certamente contribuirão para a representação simbólica, onde signos representam significados e obviamente ajudarão no processo da aquisição da escrita. Nesse sentido Oliveira analisando as idéias de Vygotsky escreve:
...a escrita não é um código de transcrição da língua oral, mas um sistema de representação da realidade e de que o processo de alfabetização é o domínio progressivo desse sistema, que começa muito antes de a criança se escolarizar. Por ser membro de uma sociedade letrada, a criança adquire noções sobre a língua escrita antes de ingressar na escola; essas noções depois são sistematizadas nas situações mais formais de aprendizagem (OLIVEIRA, 1997, p. 64).
Segundo OLIVEIRA (1997, p. 64-65), “do mesmo modo que Ferreiro, Vygotsky postula, assim, que a criança imersa na sociedade letrada está exposta às características, funções e modalidades de utilização da língua escrita, que vão lhe permitir desenvolver concepções sobre este objeto cultural”.
Vygotsky atribui uma grande importância ao domínio da linguagem escrita para a criança, enfatizando a necessidade de pesquisas no sentido de conhecer o processo da escrita, ou seja, o caminho que a criança percorre para aprender a ler e escrever, antes que ela entre na escola. Esses conhecimentos podem contribuir muito para os alfabetizadores no sentido de compreender o porquê de algumas crianças adquirirem o processo da leitura e escrita muito antes das outras, fazendo necessário uma pesquisa científica.
A primeira tarefa de investigação científica é revelar essa pré-história da linguagem escrita; mostrar o que leva as crianças escreverem; mostrar os pontos importantes pelos quais passa esse desenvolvimento pré-histórico e qual a sua relação com o aprendizado escolar (VIGOTSKY, apud REGO, 1994, p.70).
Ele salienta, em suas pesquisas, as características intrinsecamente humanas que resultam da interação dialética do homem e o meio sócio-cultural, ou seja, não estão presentes no homem, não são inatas e nem são meros resultados das pressões do meio externo. Nesse sentido, o autor escreveu que o homem ao mesmo tempo que transforma o seu meio para atender seus anseios e carências, transforma a si mesmo. Exemplificando, o homem modifica o ambiente em que vive através do seu comportamento – essa mesma modificação influenciará seu comportamento futuro. Isso se traduz nas palavras de LEONTIEV, apud REGO (1994, p.49).
Cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana (LEONTIEV, apud REGO, 1994, p. 49).
Vygotsky sofreu uma influência muito forte do materialismo histórico-dialético proposto por Marx e Engels, chegando a concluir, à luz da teoria desses dois teóricos clássicos, que as origens das atividades psicológicas mais sofisticadas devem ser procuradas nas relações sociais do indivíduo com o meio externo. Entende que o homem não só é o produto de seu contexto social, mas também um agente ativo na criação deste contexto. Partindo desse pressuposto, a escola pública, ao receber crianças vindas de comunidades diferentes, de famílias de culturas diferentes, ao elaborar seu projeto pedagógico, ao fazer seu planejamento, não leva em conta o contexto social-histórico das suas crianças: algumas já tiveram contato com vários instrumentos de diversas naturezas como o computador, vídeo game e com o objeto deste estudo que é a escrita. Isso é relevante em seus estudos quando ele procura analisar a função mediadora presente nesses instrumentos elaborados para a concretude da atividade humana. Nesse sentido, concordamos com o autor, quando afirma que o instrumento é provocador de mudanças externas, pois amplia a possibilidade de interação ao meio. Vejamos a era da informática, a relação criança e computador, como se explica todo esse fascínio que este instrumento exerce sobre esses seres em desenvolvimento que transforma e é transformado, que ensina e é ensinado. É por isso que ele chama atenção para a ação recíproca existente entre o organismo e o meio, e atribui especial atenção ao fator humano presente no ambiente. Mas o psicólogo bielo-russo ressalta que os fatores biológicos têm grande importância sobre os sociais, somente ao início de vida da criança. Aos poucos ao interagir com seu grupo social, as pessoas de sua comunidade, com outras crianças mais experiente e com objetos de seu contexto histórico pessoal há mudanças de comportamento e por conseguinte provoca o desenvolvimento de seu pensamento. Nós constatamos isso no dia-a-dia, quando observamos as conquistas individuais da criança, resultados de um processo compartilhado (adulto-criança, criança-criança e criança-objeto). Isso é analisado por Vygotsky, quando fala que o desenvolvimento do sujeito humano se dá a partir de constantes interações com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas emergem da vida social e destaca a relevante dimensão social que fornece instrumentos e símbolos para a aprendizagem da criança (ver o processo da leitura e escrita). E completa que o indivíduo criado num ambiente que desconhece a escrita, de pessoas não letradas, não se alfabetizará, da mesma forma que acontece com a aquisição da fala – a criança só aprenderá a falar se viver em uma comunidade de falantes.
...Mesmo possuindo todo o aparato físico da espécie que possibilita a seus membros o aprendizado da leitura e da escrita, esse indivíduo nunca aprenderá a ler e a escrever se não participar de situações e práticas sociais que propiciem esse aprendizado. Esse é um exemplo claro de um processo de desenvolvimento que não ocorre se não houver situações de aprendizado que o provoquem (OLIVEIRA, 1997,p. 61).
“O aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam” (VYGOTSKY, l994, p.115).
Vygotsky salienta que o aprendizado da criança se inicia antes mesmo dela freqüentar a escola, embora o aprendizado escolar introduza novos elementos no seu desenvolvimento. Para isso, traça uma distinção entre aprendizado espontâneo e aprendizado científico. Para o autor, o ser humano não se encontra limitado à sua própria experiência pessoal, ou às suas próprias reflexões, mas expande-se e aprofunda-se, em especial, graças à apropriação da experiência social que é veiculada pela linguagem. A criança amadurece sob orientação de adultos ou crianças mais experientes, apropriando-se da cultura elaborada pela humanidade. Partindo desse pressuposto, Freinet segundo Elias também afirma que as crianças resolvem os problemas integrados nos processos de vida pelos seus próprios meios ou com a ajuda de companheiros e adultos.
Partindo da constatação de que as possibilidades do ensino não deveriam ser definidas a partir das condições de aprendizagem apresentadas pelas crianças, ou seja, do nível de desenvolvimento maturacional já alcançado pelas mesmas e determinado com base naquilo que são capazes de realizar sozinhas, estipula a necessidade de se considerar um outro nível de desenvolvimento: aquele que se refere ao que pode ser realizado com a ajuda de adultos ou companheiros mais experientes. Este último nível, a qual Vygotsky dá o nome de desenvolvimento potencial, pode ser identificado quando, ao receber pistas, informações e orientações, a criança acaba por solucionar, na cooperação conjunta, uma dada tarefa que, de outro modo, não resolveria.
Em síntese, identifica dois níveis de desenvolvimento: um se refere às conquistas já efetivas, que ele chama de nível de desenvolvimento real ou afetivo, e outro, o nível de desenvolvimento potencial, que se relaciona às capacidades em vias de serem construídas.
O nível de desenvolvimento real de uma criança define funções que já amadureceram, ou seja, os produtos finais do desenvolvimento. Se uma criança pode fazer tal e tal coisa, independentemente, isso significa que as funções para tal e tal coisa já amadureceram. (...) A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento. (...) Assim a zona de desenvolvimento proximal permite-nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido através do desenvolvimento, como também aquilo que está em processo de maturação (VYGOTSKY, 1994, p. 113).
Em síntese, o nível de desenvolvimento real é o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabelecem como resultado de certos estágios de desenvolvimento já concluídos. Determinam funções que já amadureceram, produtos finais de desenvolvimento. Já a Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por intermédio da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por meio da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Determina funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário.
Para VYGOTSKY (1994, p. 113), “o estado de desenvolvimento mental de uma criança só pode ser determinado se forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento proximal”.
Nesse aspecto, concluímos que aquilo que é a zona de desenvolvimento proximal hoje, será o nível de desenvolvimento real amanhã, ou seja, aquilo que uma criança pode executar com ajuda hoje, amanhã ela será capaz de executar sozinha. Portanto, o aprendizado ascende vários processos internos do desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage com outras pessoas mais experientes. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento da criança. Nesse sentido, é importante que o professor crie ZDP, considerando a afirmação de Vygotsky, de que aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha amanhã, faz hoje com cooperação.
Vygotsky ressalta que se a criança não for capaz de resolver o problema sozinha, a solução não é vista como um indicativo de seu desenvolvimento mental.
Para VYGOTSKY (l994, p. 111), “nunca consideraram a noção de que aquilo que a criança consegue fazer com ajuda dos outros poderia ser, de alguma maneira, muito mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que consegue fazer sozinha”.
Nesse caso, segundo o autor, a zona de desenvolvimento proximal pode ser considerada muito importante nas pesquisas de desenvolvimento e nos problemas educacionais (dificuldades de aprender ler e escrever por exemplo), sendo eficientes e úteis como métodos diagnósticos, haja visto que os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizagem.
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