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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Homenagem ao mestre Paulo ?Freire

Paulo Freire trouxe uma nova forma de ver a educação, ao criticar o que chamava de educação bancária, na qual um professor autoritário deposita o conhecimento no aluno"



No aniversário de 90 anos de Paulo Freire, nossa homenagem ao mestre

Releia duas matérias publicadas pela Fórum sobre um dos maiores pensadores do século XX.


Por Redação 

A lógica do encantamento (edição 11, julho de 2003)

Seis anos após sua morte, os ensinamentos de Paulo Freire, de que a educação é instrumento de conscientização e libertação, continuam influenciando pessoas em todo o mundo

Por Glauco Faria e Nicolau Soares

Marcos Pereira Santos tem 20 anos e é um dos quatro educadores que participam do Centro de Educação e Organização Popular (Ceop) localizado na favela do Jardim São Remo, Zona Oeste de São Paulo. Em parceria com o Mova, programa de alfabetização de jovens e adultos da prefeitura de São Paulo, o projeto atende a oitenta pessoas da comunidade, que aprendem não só a juntar e rejuntar as letras do alfabeto, mas também, a partir daí, a interpretar e refletir sobre a realidade em que vivem.


O jovem Marcos ganha ajuda de custo de 400 reais para dar aulas de segunda a quinta-feira, tendo as sextas reservadas para o curso de formação pedagógica. Recrutado entre os moradores da favela, estranhou de início dar aulas para pessoas mais velhas,com as quais convivia tão de perto. "No começo, eles se perguntavam ‘o que esse moleque que vejo todo dia na rua pode me ensinar?‘ ". Mas a desconfiança inicial não o intimidou.

Ele já tinha superado um obstáculo mais difícil: alfabetizar os próprios pais. "Foi difícil no começo, ficava intimidado com eles. Depois que deu certo, ganhei muito mais segurança", conta o professor. No decorrer do curso, os educandos foram adquirindo confiança em Marcos, que em nenhum momento adotou postura professoral, esteriotipada. "As pessoas têm uma visão do professor como orador, que fala o tempo todo, mas a gente busca dialogar com os alunos. Não são só eles que aprendem, quem dá aula aprende muita coisa também", conta.

Assim como Marcos, muitos educadores no Brasil trazem no seu modo de agir mais que a simples transmissão de conhecimentos. Muitas vezes sem saber, trazem a marca de um dos maiores pensadores do Brasil, que analisou e difundiu a educação como instrumento de conscientização e libertação. No último 2 de maio, foram completados seis anos da morte de Paulo Freire, que deixa um legado permanente para todos aqueles que se preocupam em ensinar e aprender.

Não se trata de nenhum exagero. Em sua morte, mais de 600 mensagens de condolências foram enviadas à família e ao instituto que leva seu nome, parte vinda de professores de aproximadamente 150 universidades de todo o mundo. Seu nome serve para batizar institutos de educação nos EUA, Canadá, Dinamarca, Suíça, e em inúmeros países da África. Recebeu, entre outros, os prêmios Rei Balduíno para o Desenvolvimento (Bélgica, 1980), Unesco e Educação para a Paz (1986) e Andrés Bello, da Organização dos Estados Americanos, como Educador do Continente (1992). Mas o que esse pernambucano, nascido no Recife, em 1921, construiu ao longo de seus 75 anos que pudesse provocar tanta admiração por onde quer que sua obra chegasse?

Passagem contada pelo professor da PUC-SP Mário Sérgio Cortella elucida um pouco tamanho prestígio. Lembra que, em março de 1986, numa aula inaugural da pós-graduação em Educação da PUC, resolveu provocar seu mestre. Perguntou se ele se considerava um "clássico", citando a célebre pérola de Millôr Fernandes, que diz que "clássico é um escritor que não se contentou em chatear apenas os contemporâneos". Sem titubear, Freire respondeu: "Sou um clássico, sim. Não porque subjetiva e presunçosamente deste modo me considere, mas, porque como clássico sou considerado por todas aquelas e todos aqueles que encontram em minha obra um instrumento para enfrentar um clássico problema: a existência de opressores e oprimidos. Por isso, enquanto esse problema persistir, quero continuar chateando, incomodando e fustigando os que, contemporâneos meus ou não, defendam a permanência das desigualdades".

E ele continua incomodando. "Paulo Freire trouxe uma nova forma de ver a educação, ao criticar o que chamava de educação bancária, na qual um professor autoritário deposita o conhecimento no aluno", explica Ceres Torres, primeira vice-presidente da secretaria regional do Rio Grande do Sul da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes). "Ele traz a possibilidade de que todos possam aprender, construindo juntos o conhecimento. Democratiza as relações entre professor e aluno e coloca o pólo do processo educativo na troca, no processo dialógico, como chama, e não no professor autoritário de antes."

O professor da Faculdade de Educação da USP Moacir Gadotti, companheiro de Freire e um dos fundadores do instituto que leva seu nome, dá outra dimensão à importância do mestre. "Paulo Freire marcou por sua vida. Não apenas pela grandeza de sua obra, mas principalmente por sua causa, que é a causa do oprimido. Ele a levantou e tornou-se um símbolo da luta do oprimido", esclarece. "A opressão em sua obra vai além daquela caracterizada e estudada por Marx no conceito de luta de classes. Pode ocorrer também em situações que vão além das condições materiais, tanto que os oprimidos também podem ser opressores em determinadas situações. Existe opressão entre gêneros e raças", sustenta. Segundo Gadotti, até a violência na escola pode ser entendida como uma reação a essa opressão. O jovem agride porque antes é vítima, quando não é atendido em um posto de saúde ou não acha na escola um ambiente acolhedor. "Por fim, acha visibilidade ao usar uma arma", acredita.

Paulo Freire dedicou toda a sua vida à educação. Deixou um legado de idéias, filosofias e inspiração que está entre os mais reconhecidos do mundo. Um dos seus filhos mais nobres, o Mova, que surgiu durante o período como secretário de Educação do município de São Paulo, de 1989 a 1991, espalhou-se por todo o país. O projeto, em certa medida, é semelhante à experiência pioneira de Freire em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963, onde 330 trabalhadores rurais foram alfabetizados partindo da própria realidade em que viviam. Começava a se desenvolver aí um método baseado no diálogo como recurso principal não apenas para alfabetizar, mas para despertar na pessoa a chamada consciência crítica.

Claro que os militares que tomaram o poder em 1964 não viam com nenhuma simpatia o método, tomado como subversivo. Após ser preso, Freire foi exilado no Chile, onde desenvolveu programas de educação de adultos no Instituto Chileno de Reforma Agrária, escrevendo no país aquele que viria a ser seu principal livro, Pedagogia do Oprimido, norte de toda a obra posterior. Lecionou na Universidade de Harvard, Estados Unidos, no ano de 1969, e em seguida passou a trabalhar co- mo consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial das Igrejas, em Genebra, Suíça. Ficou lá por dez anos, durantes os quais deu consultoria educacional a vários governos do Terceiro Mundo, principalmente da África.

Filho caçula do educador, Lutgardes Costa Freire passou todos os anos do exílio ao lado do pai. Cientista social, hoje é um dos coordenadores do Instituto Paulo Freire. Ele se lembra do período no Chile, durante o qual foi escrito Pedagogia do Oprimido. "Meu pai conviveu muito com camponeses e operários antes de escrever o livro, conhecia bem a realidade de que estava falando", sustenta. "Sempre foi uma pessoa muito acessível, não tinha problemas em arranjar tempo para atender um estudante, por exemplo", completa.
Retornou ao Brasil em 1980 para, em suas palavras, "reaprender" o seu país. Lecionou na Universidade de Campinas (Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1989, assumiu o cargo de secretário de Educação durante a gestão de Luíza Erundina, do PT, partido do qual foi membro fundador.

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