Não foi fácil. Levou quase dois meses para que as denúncias feitas pelo deputado estadual Roque Barbiere (PTB) sobre o escândalo das propinas pagas por emendas parlamentares na Assembleia Legislativa rompesse o silêncio e ganhasse as manchetes dos jornalões paulistas.
A anatomia deste descaso jornalístico foi apresentada na terça-feira pelo colega Luciano Martins Costa em sua coluna no "Observatório da Imprensa", sob o título "Um escândalo entediante".
A história começa no dia 10 de agosto, quando a "Folha da Região", de Araçatuba, no interior paulista, publica uma entrevista com Barbiere na qual ele afirma que pelo menos 30% dos integrantes da Assembleia Legislativa recebem propina para aprovar emendas ao orçamento que interessam aos prefeitos.
Cada deputado tem direito a uma bolada de R$ 2 milhões por ano concedida pelo governo paulista para que ele aplique onde e como quiser.
É uma verbinha respeitável, de fazer inveja a qualquer "mensalão". Por mais de vinte anos, os governos estaduais tucanos mantém desta forma uma maioria confortável na Assembleia, sem qualquer perigo de instauração de CPIs.
Só no dia 24 de setembro, ou seja, seis semanas depois da "Folha da Região", a "Folha de S. Paulo" rompeu o silêncio para registrar a denúncia de Roque Barbiere, o Roquinho, muito ligado ao ex-governador Orestes Quércia, já falecido.
Registrou e tirou o time, para abrir espaço ao seu concorrente "Estadão", que foi atrás da história e deu entrevista de Barbiere, com direito a manchete, em sua edição da última segunda-feira.
"Mas, em nenhuma hipótese, os dois diários manifestaram um interesse sequer aproximado do que sempre demonstraram por outros escândalos (...). O enredo começa a revelar aspectos intrigantes, capazes de estimular a curiosidade do mais distraído dos repórteres. Mas os grandes jornais ainda não manifestaram interesse em procurar gravações, depoimentos, sinais exteriores de riqueza", estranhou o colunista do "OI".
Em sua edição desta quarta-feira, finalmente a "Folha" abre sua manchete principal para o caso _ "Para deputado, cada colega de SP tem um preço" _ como se tratasse de uma grande novidade.
Tirado do anonimato em que vivia, Roquinho deu na véspera uma entrevista coletiva para explicar o modus-operandi dos colegas, comparou a Assembleia a um camelódromo em que "cada um vende de um jeito", mas se recusou a dar nomes aos bois. "Não vou entregar nenhum nome, nem com o revólver na cabeça".
Pois é exatamente isto que o governador Geraldo Alckmin espera para dar início às rigorosas investigações, como informou na véspera e reiterou em nota oficial distribuída ontem: "O deputado tem o dever de apontar casos concretos que sustentem suas graves denúncias. Até agora não o fez".
E, pelo jeito, não fará. Diante do impasse, a "Folha" resolveu fazer suas próprias investigações e constatou que pelo menos seis deputados indicaram parte da verba de R$ 2 milhões para cidades onde não tiveram um único voto, o que reforça a denúncia de Barbiere sobre a "venda" de emendas a prefeitos.
Da lista não consta o nome do deputado Bruno Covas, licenciado para assumir a Secretaria de Meio Ambiente do Estado e um dos candidatos do PSDB à Prefeitura paulistana.
No dia do lançamento da sua pré-candidatura pelo governador Geraldo Alckmin, Bruno deu uma desastrosa entrevista ao "Estadão" em que levantou a lebre de Barbiere, ao afirmar que um prefeito lhe perguntou a quem deveria entregar a propina de 10% sobre os R$ 50 mil de uma emenda do deputado.
Bruno conta que mandou o prefeito entregar a "comissão" à Santa Casa local, mas também não revelou o nome do prefeito. Depois tentou desmentir suas declarações, que foram gravadas pelo jornal, alegando que houve um "mal-entendido".
Convocado para prestar depoimento na Assembléia Legislativa, Bruno foi "desconvocado" ontem pela Comissão de Meio Ambiente.
Agora que o assunto dos "emendões" paulistas se tornou público, o próximo passo deverá ser um depooimento por escrito que Barbiere prometeu apresentar na quinta-feira ao Conselho de Ética (e não é que existe?) da Assembleia Legislativa.
"Alguns escândalos são feitos para mobilizar, outros são administrados para fazer o leitor cochilar", conclui Luciano Martins Costa, que não parece muito otimista sobre os efeitos práticos da denúncia.
Extraído do blog do Miro
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