Para muitos analistas de plantão o mundo está de cabeça para baixo com manifestações de maior ou menor envergadura em vários quadrantes do planeta. Mas todos de um modo geral têm uma causa, embora o que acontece neste ou naquele canto pode ter graus diversos. No Chile, por exemplo, os jovens estão dando o ar de sua graça nas ruas de Santiago.
Quem conhece o Chile, não chega a se surpreender com o que está acontecendo. Os jovens, a maior parte absolutamente sem perspectivas, não suportam mais o padrão neoliberal que na área da educação aparece com os shoppings centers da cultura, as universidades pagas. Tem até rua em Santiago, que por ironia chama-se Revolución, onde também se localiza o Museu Salvador Allende. Nesta rua podem ser vistas bancas das universidades para quem quiser se matricular. Está tudo lá nestes locais, desde a tabela de preços até os folders explicativos sobre o shopping center da cultura. Tem mais: na hora de fazer a matrícula você pode tentar barganhar um abatimento, mesmo conseguindo, o preço segue exorbitante. E o que é ainda pior, mesmo pagando fortunas para estudar, a maioria não consegue se inserir no mercado de trabalho. Eles pedem empréstimos para pagar os estudos e depois ficam em apuros para pagar a dívida.
Sebastián Piñera, o atual Presidente, eleito por acaso, em função do grande desgaste da Concertación (união de socialistas, democratas cristãos e radicais) depois de 20 anos de governo, em pouco tempo de gestão aprofundou o modelo. O povo entendeu o recado dos jovens, tanto assim que amplos setores estão dando apoio aos movimentos de protesto.
O milionário Piñera procurou de todas as formas contemplar os ricos fortalecendo uma política econômica cruel que tem deixado parte ponderável dos chilenos em situação de miséria e pobreza.
E deu no que deu. A maioria absoluta não quer mais Piñera no La Moneda (sede do governo), mas como ele foi eleito e no Chile não há nenhuma legislação que contemple a possibilidade de mandar para a rua o presidente eleito, o milionário vai continuar tentando de todas as formas aprofundar o modelo neoliberal de Estado mínimo. Mas. para frear ou pelo menos minorar o esquema econômico, a única receita é colocar o povo na rua, para deixar temerosos os governantes e obrigá-los então até a rever questões já consideradas imutáveis.
A crise econômica que se faz sentir em todas as partes do mundo está sendo enfrentada da forma pior possível. Ou seja, os governos estão obrigando o povo a pagar a fatura dos gastos sem lastros feitos pelo capital financeiro. E tudo é feito para reduzir as perdas dos bancos. Dentro das possibilidades, o povo reage nas ruas enfrentando a violência policial.
Em Londres, setores que não tem absolutamente nada a perder, porque o sistema os marginaliza, responderam à violência policial responsável pela morte de um cidadão pobre, o mesmo tipo de crime que aconteceu com o brasileiro Jean Charles no metrô de Londres. Só que agora o povo reagiu.
Analistas da mídia de mercado não poupam o que consideram “vândalos”, mas em vez de irem às causas, a violência da polícia e o modelo econômico neoliberal que está sendo aprofundado pelo conservador David Cameron, preferem criticar os manifestantes com adjetivos. E onde está a tal polícia inglesa exemplo para o mundo, na opinião dos colonizados eurocentristas? E Cameron, que quer censurar as redes sociais para coibir as manifestações? E ainda se diz democrata.
Na verdade, o exemplo de violência policial inglesa não fica nada a dever o que tem acontecido aqui no Brasil, sobretudo no Estado do Rio de Janeiro, onde a política do governador Sérgio Cabral volta e meia age de forma arbitrária, nos tais autos de resistência, em áreas pobres do Rio de Janeiro e tudo fica por isso mesmo. E qualquer tipo de protesto e oposição, o mesmo governo taxa os manifestantes de vinculados ao narcotráfico.
Em matéria de violência no mundo, vale o registro do protesto da Federação Internacional de Periodistas (FIP) contra o bombardeio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na sede da TV líbia, em Trípoli, que provocou, segundo informes, a morte de três jornalistas e ferimentos em outros 15. Para a FIP, a ação, além de ser uma violência para sufocar os meios de comunicação representa uma catástrofe para a liberdade de imprensa.
E o que torna o fato ainda mais grave é que foi uma repetição do acontecido em Belgrado, em 1999, quando a mesma OTAN bombardeou as instalações da TV sérvia provocando mortes. E tem mais uma agravante: tais fatos são praticamente ignorados pela mídia de mercado, que na prática considera as ações da OTAN contra a Líbia ou qualquer outro país absolutamente normais. Para dourar a pílula, surgem lépidos e faceiros figuras como Hillary Clinton, David Cameron, Nicolas Sarkozy, Barack Obama etc querendo justificar a violência dos bombardeios que estão sendo cometidos impunemente contra o povo líbio.
Em tempo: o Senador Aloisio Nunes Ferreira, o Mateus da época da ALN (Aliança Libertadora Nacional), que chegou a ser motorista de Carlos Marighela, fez questão de verbalizar sua oposição ao projeto aprovado concedendo anistia aos bombeiros e policiais do Rio de Janeiro que se mobilizaram para defender seus direitos. Foi o único a votar contra.
Nunes Ferreira é o exemplo típico de que não existe nada pior na política do que um ex.
Em tempo: o autor desta coluna está indo neste domingo para a Líbia, integrando uma delegação brasileira que vai observar in loco os acontecimentos no país do Norte da África, que sofre diariamente as consequências de um intenso bombardeio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Ou seja, uma missão jornalística sem a interferência da mídia de mercado.
Mário Augusto JakobskindÉ correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE Direto da Redação.
Extraído do blog Terror do Nordeste
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