O esquema que saiu dos trilhos
Um propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas de fachada
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas
PROTEÇÃO GARANTIDA
Os governos tucanos de Mario Covas (abaixo), Geraldo Alckmin
e José Serra (acima) nada fizeram para conter o esquema de corrupção
Os governos tucanos de Mario Covas (abaixo), Geraldo Alckmin
e José Serra (acima) nada fizeram para conter o esquema de corrupção
SUSPEITOS
Segundo o ex-funcionário da Siemens, Ronaldo Moriyama (foto menor),
diretor da MGE, e Décio Tambelli, ex-diretor do Metrô, integravam o esquema
As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são
contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no
Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha.
ISTOÉ teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário,
que prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como
funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece
os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia.
Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma
licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços
e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu
em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa
alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série
3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À
época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma
planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã
pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$
2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE
para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a
denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do
caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não
era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando
políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.Segundo o ex-funcionário da Siemens, Ronaldo Moriyama (foto menor),
diretor da MGE, e Décio Tambelli, ex-diretor do Metrô, integravam o esquema
A MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina. Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o depoimento, estariam envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente de manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como os lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.
Além de subcontratar empresas que serviram de ponte para o desvio
de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais
Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o
caso iniciadas há cinco anos no Exterior. Em 2008, promotores da
Alemanha, França e Suíça, após prender e bloquear contas de executivos
do grupo Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção,
descobriram que as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a
servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil. Um dos
nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos promotores
foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
(TCE) nomeado pelo então governador tucano Mário Covas. No período em
que as propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava diretamente
com Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca na região de Paraty, no
Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José dos Campos, ocupou a
coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e foi chefe da Casa
Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997. Numa colaboração
entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles identificaram uma conta
bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa
Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão depositado. Marinho é até
hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele não respondeu ao contato de
ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo, ele, que era conhecido como
“o homem da cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem negado a
sua participação em negociatas que beneficiaram a Alstom.
de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação superfaturada
Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e
condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação
também superfaturada. Outra estratégia comum era o compromisso de que
aquela que ganhasse o certame previamente acertado subcontratasse outra
derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os acordos por
diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das empresas
e referendados por correspondência eletrônica. No início do mês, a
Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das
companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal
executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília.
Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas
coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de
leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção
caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e
criminal integral é assegurada quando um participante do esquema
denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações. Em
caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a até
20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem sendo
negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a
multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de
preços em licitações.
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação superfaturada
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