Translate / Tradutor

quinta-feira, 11 de março de 2010

Paulo Henrique Amorim: "Os jornais brasileiros são um lixo"


Sua trajetória profissional daria um livro. Ele acompanhou a movimentação do subcomandante Marcos nas selvas mexicanas, reportou a violenta guerra civil em Ruanda, assinou matérias sobre o terrível vírus Ebola e cobriu o assassinato do megatraficante colombiano Pablo Escobar.

Por Edgar Olimpio de Souza, na revista Stravaganza
Ex-correspondente no exterior e com passagem pelos principais veículos de comunicação brasileiros, o jornalista Paulo Henrique Amorim, 68 anos, pilota o Domingo Espetacular, a revista eletrônica da Record que concorre contra o Fantástico, da Globo, e mantém o acessadíssimo site Conversa Afiada, referência de jornalismo independente. “Se eu não chutasse o balde agora, eu acabaria não chutando nunca mais”.

Nesta entrevista, acionando sua habitual irreverência e língua ferina, PHA atira para todos os lados. Desanca a mídia que chama de golpista, detona a nova geração de jornalistas, aposta que o personagem do Vesgo, do Pânico, tem mais chances que o Serra na corrida presidencial e ironiza os 15 anos do governo tucano em São Paulo. “A única obra que eles têm para mostrar é o rouboanel, cuja peculiaridade é cair”. Não bastasse, ainda desmonta o mito Paulo Francis, que ganhou recente documentário no cinema. “Era um péssimo colega, ocioso, que tinha horror de ser brasileiro.”

O jornalismo perdeu relevância?
Jamais perderá porque é um instrumento pelo qual as pessoas se informam. Tem função essencial numa democracia. Thomas Jefferson dizia que não poderia haver uma democracia sem imprensa. O que está acontecendo é uma acelerada decadência, sobretudo no Brasil, da imprensa escrita, que foi durante muito tempo o padrão e o referencial do jornalismo.

A informação chega até nós ou temos de aprender a procurá-la?
Funciona como num supermercado, que oferece um milhão de opções. Aí você escolhe o produto por preço, qualidade, experiência. Se você visitar o site Conversa Afiada, que eu tenho a honra de dirigir há quatro anos, você sabe o que esperar dele. Diz coisas muito parecidas, com coerência indiscutível. Então, se você vai comprar aquela marca de biscoito é porque você conhece o fabricante, gosta do preço, da embalagem, do sabor. Você não fica nervoso ou preocupado porque existem outras cem marcas de biscoitos na gôndola.

Mas a informação que chega é de qualidade?
No Brasil é de baixíssima qualidade, parcial, deturpada e insuficiente. Os jornais impressos ainda determinam boa parte da agenda das outras mídias e da agenda política do país. O professor Wanderley Guilherme dos Santos, notável professor de Ciência Política do Rio de Janeiro, disse que o poder da mídia impressa é o poder de gerar crises. Para mim ela é golpista, desde que conseguiu matar Getúlio Vargas ou contribuiu para ele se matar em 1954. Ela até deu um golpe em 1964, quando entrou no Palácio do Planalto com as botas dos militares na deposição do presidente João Goulart. Se você pegar a imprensa argentina, tão conservadora quanto a brasileira, notará a diferença. O Clarín, o La Nacion, o Página 13 são publicações bem melhores. Os jornais brasileiros são um lixo.

Os jornalistas de hoje são mais preparados?
Claro que não. Eles dizem aquilo que os patrões queriam que eles dissessem e eles dão a entender que dizem aquilo como se fossem as suas próprias idéias. As redações de jornal são hoje ocupadas por mauricinhos, meninos de classe média, filhinhos de pai rico, tudo branco, cheirosinhos, que nunca viram pobre na vida e não têm nenhum compromisso com a sociedade brasileira.

Como você vê o futuro do jornalismo?
Brilhante, porque será independente da imprensa escrita. A sociedade está se educando, entrou para o ProUni, tem acesso à banda larga, lê mais livros. Tudo isso demanda mais informação, que pode vir pela tevê, rádio, revista, celular, internet, redes sociais, até de carrinho de mão. Não estaremos mais à mercê das famílias Marinho, Frias, Civita e o que sobrou dos Mesquitas, que condicionavam e condicionaram durante muito tempo a opinião pública brasileira. Eles são uma praga, um rotavírus.

Acha que a mídia impressa brasileira age como um partido político de oposição?
Desde 2002 o objetivo da imprensa brasileira tem sido o de derrubar o presidente Lula. E não conseguiram porque o Lula é melhor que todos eles. O presidente pega O Globo, a Veja, a Folha e o Estadão, mistura tudo, põe no liquidificador e toma com suco de laranja.

Na sua opinião, por que a grande mídia teria implicância com o governo Lula?
É uma oposição histórica entre a imprensa escrita brasileira e o trabalhismo. Começou com Getúlio Vargas, depois Jango, Brizola e agora Lula. A diferença é que nesse intervalo de tempo houve uma concentração geral de mídia. Por isso criei a expressão PIG - Partido da Imprensa Golpista. A imprensa no Brasil é uma ameaça à sobrevivência das instituições democráticas, à democracia brasileira. Antes eu chamava a Folha, o Estadão, o Globo, a Veja e a Rede Globo de Televisão de mídia conservadora e golpista. Mas era uma expressão rebuscada. PIG é melhor.

A grande mídia estaria definhando...
De forma melancólica. A Veja, a última flor do fáscio, foi entregue a salteadores. Na Globo, o diretor de jornalismo Ali Kamel comporta-se como o inquisidor-geral Torquemada. Já a Folha é dirigida por um direitista enrustido que não tem a hombridade política de assumir suas posições políticas, que escreve de maneira inacessível e muita chata sobre assuntos irrelevantes e de forma irrelevante, que pensa ser um grande intelectual.

Ele faz parte desse conjunto que eu denomino de deidades provinciais. Um dos bustos da província de São Paulo é o do Otavinho. Tem também o do Daniel Piza, que enforcou Jesus Cristo. Tem ainda o busto do publicitário Luiz Gonzáles, que faz a campanha do Serra e é um gênio. Ele fez a campanha do Alckmin em 2006, que entrou para a história da política universal porque no segundo turno o Alckmin conseguiu menos votos que no primeiro.

Faltou falar do Estadão...
Ao menos tem mais coerência e é tão moderno quanto os donos do café do século 19. Se você gosta de acompanhar o pensamento escravocrata daquela época basta ler o Estadão. É um jornal que está preocupado com a tomada do palácio de inverno de São Petersburgo no século 19 e com as ocupações do MST.

Você que trabalhou na Globo não estaria cuspindo no prato que comeu?
Na evolução da humanidade mudamos do regime da escravidão para o regime capitalista. No primeiro, o trabalhador era escravo do dono. No segundo, passou a ser assim: o dono me paga para eu trabalhar para ele, em troca de remuneração. Quando eu não quero mais trabalhar para ele, vou embora trabalhar para outro. E se ele não me quer mais, me manda embora e contrata outro. Por que tinha de trabalhar lá a vida inteira? Quem disse que a Globo é um bom emprego? É uma prisão de segurança máxima. Ou você diz aquilo que o patrão quer ou é fuzilado.

Por que o Lula não enfrenta o PIG?
Ele não peitou a grande mídia, cometeu um erro estratégico, considerou que poderia dar um nó no PIG, embora tenha até conseguido porque o PIG está desencontrado, vive de fabricar uma crise falsa por dia. Ele deveria ter criado mecanismos institucionais para oferecer alternativas ao PIG, que não é a TV Brasil.

Não importa que Lula levasse pau, qual o problema? O Brizola era tratado pela Rede Globo como se fosse um cão sarnento e ganhou duas eleições para governador do Rio de Janeiro. O Kirchner foi eleito na Argentina alvejado pela mídia local e a mulher dele depois se elegeu sem dar uma única entrevista. Lula perdeu a chance de criar mecanismos para que a sociedade brasileira tenha informação de forma democrática, plural e isenta.

Ele teria se curvado ao poder da Rede Globo...
Quando trabalhei na Rede Globo, era proibido ter o som de Lula, ouvir a sua voz. Se ele falasse javanês ou sânscrito, a sociedade brasileira não saberia, só se mostrava a sua imagem. Aí teve o famoso debate Lula x Collor, em 1989, quando a Globo entrou para a antologia da manipulação política através da televisão. Então ele se elege em 2002, num domingo, e dá entrevista exclusiva para o Pedro Bial. No dia seguinte, ancora o Jornal Nacional ao lado da Fátima Bernardes e do William Bonner.

O PIG é tucano?
É porta-voz dos interesses da elite brasileira. Uma parte da sociedade brasileira tem dificuldades em admitir que exista uma alternativa política que não seja a que sempre nos governou. O símbolo dessa elite preconceituosa é o governador paulista José Serra. Ele é candidato à Presidência da República, ex-ministro da Saúde, ex-ministro do Planejamento, ex-secretário do Planejamento, ex-deputado federal, ex-senador da República. Dê uma ideia gerada por ele. O que o Serra pensa? É um conjunto em branco, uma nulidade. Aliás, é inacreditável que os tucanos de São Paulo se elejam aqui. O PIG paulista vende ao Brasil a idéia de que São Paulo é a Chuiça brasileira: tem o dinamismo econômico da China e o IDH da Suíça.

O paulista é enganado?
E não percebe. Os tucanos governam o estado há 15 anos e a única obra que construíram foi o rodoanel, mais conhecido como rouboanel, que tem como peculiaridade cair. O Alckmin, quando governador, represou o rio Tietê e disse que nunca mais haveria enchentes em São Paulo. No dia em que o PCC governou a cidade de São Paulo por dois dias, ele disse que o governador era o Cláudio Lembo. São Paulo abriga mais pobres que o Rio de Janeiro e os tucanos passaram 15 anos fingindo que não os viam. Aí, quando desabaram as chuvas, a pobreza se afogou e eles se deram conta de que eles existem.

Mas a pobreza não é igual em todos os lugares?
A pobreza em São Paulo está confinada em Sowetos. Você é capaz de morar no Morumbi, trabalhar na Rua Augusta e nunca ver um pobre. No Rio de Janeiro a pobreza invade a sua janela. Os tucanos acham que o pobre de São Paulo tem a mania de morar em barranco, em áreas de risco, quando podiam viver no Morumbi, nos Jardins e na Vila Nova Conceição.

FHC deixou alguma herança positiva?
Os oito anos de reinado de FHC compuseram a ditadura do pensamento único. Como se sabe, ele era portador do conhecimento universal, foi ele quem descobriu a Lei da Gravidade. Um dia ele estava sentado em Higienópolis, debaixo de uma macieira, e aí caiu uma maçã na cabeça dele. Pronto, ele inventou a Lei da Gravidade. Ele é o Farol de Alexandria. O FHC fez tudo o que queria. O resultado foi um período governamental de trevas, que associou a mediocridade à inação.

Quem vai ganhar as eleições presidenciais?
Não sei. Se o Serra se candidatar, o Vesgo, do Pânico, tem mais chances. Mas duvido que ele saia candidato. O Serra não irá correr o risco de ceder o governo paulista ao vice Alberto Goldman e deixar que seja eleito em São Paulo um candidato de oposição, como é provável que aconteça. Ou entregar ao Geraldo Alckmin, que quer ver o diabo na frente, mas não quer ver o Serra. Se o Alckmin ganha o Palácio dos Bandeirantes, não vai nem servir café para ele.

Também acho que será uma campanha entre Lula e FHC. A oposição está querendo sepultar o FHC, enfiá-lo naqueles esgotos que têm no Jardim Romano. Se pudesse, o PSDB o sequestrava e o mandava para o Haiti. O Lula vai pendurar o FHC no candidato da oposição, quem quer que seja o adversário da Dilma.

A Marina Silva pode ser uma terceira via?
Quem? Qual? Ela é uma traíra, foi ministra do Lula durante sete anos, saiu e agora fica criticando o governo. Faz parte do mesmo grupo de traidores a que pertence o senador Cristóvão Buarque. A Marina engrossou a comunidade de traíras.

No site Conversa Afiada você fala tudo o que pensa?
Cada vírgula minha tem uma mira, nada ali é gratuito, digo o que estou com vontade de dizer. Acho que consegui, debaixo de muita porrada, preservar esse espaço. Conhece a história do Rubem Braga? Era colunista da revista Manchete. Um dia ele foi pedir aumento ao Adolfo Bloch, que respondeu: "Você escreve isso aí em meia-hora". Aí o Rubem rebateu: "Eu escrevo isso aí em 40 anos e meia hora".

Eu tenho essa liberdade porque estou na estrada há cinco décadas. Entrei numa redação de jornal aos 17 anos, estudante de colégio, para ser foca na renúncia do Jânio Quadros. Estou lutando para ter minha independência desde 1961. Se eu não chutasse o balde agora, não chutaria nunca mais.

Viu o documentário sobre Paulo Francis?
Não vi e não gostei. Eu o lia na época em que ele era trotskista, apoiava o Jango e chamava o Carlos Lacerda de matador de mendigos. Depois, ele caiu no colo da direita e morreu abraçado no regaço do fascismo. Convivi com ele no escritório da Globo em Nova York. Era uma convivência deplorável, um péssimo colega, ocioso, tinha horror do Brasil, vergonha de ser brasileiro, queria ser americano embora falasse inglês como um escolar da Nigéria.

Estou achando interessante. Recuperaram o Wilson Simonal e o Paulo Francis, a próxima obra do documentarismo brasileiro será resgatar o coronel Ulstra, que será transformado no novo Duque de Caxias.

Qual foi o seu maior furo de reportagem?
Fiz um Globo Repórter inteiro sobre os ursos polares da ilha de Kodiac, no sul do Alasca, ameaçados de extinção. Eu estava acompanhado de um guarda florestal e cheguei a poucos metros de distância deles. Há dois anos cobri para o Domingo Espetacular um tiroteio na favela da Mangueira. Era sobre o desmonte de um muro que os traficantes haviam construído no alto do morro, com aberturas estratégicas para disparar contra a polícia. Só subi porque tinha a garantia da polícia que estava tudo sobre controle. Mas qando cheguei lá, choveram tiros.

E a maior lambança?
Quando eu era correspondente da Veja em Nova York, em 1968, fui cobrir a campanha a prefeito do escritor Norman Mailer. Eu estava acompanhado do escritor Fernando Sabino, que ia escrever crônicas para o Jornal do Brasil. Fomos ao escritório do candidato e sua assessoria sugeriu que acompanhássemos uma carreata que sairia na manhã seguinte, que disponibilizariam vaga para nós num dos carros.

Às 6 da madrugada estávamos a postos em frente à casa de Mailer, no Brooklyn, em pleno inverno nova-iorquino. De repente começou a sair gente da residência dele e logo lotaram os automóveis. Vimos que não tinha sobrado lugar para nós. Aí passou aquele camarada da assessoria de imprensa gritando: "Sigam a gente". Ficamos ali, feito dois imbecis. Fomos a uma cafeteria. Ao menos o papo com Sabino foi muito agradável.

De onde vem o humor e a língua solta?
Sou carioca.

Nenhum comentário: