Translate / Tradutor

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

VEJA: o indispensável partido neoliberal

Repasso e-mail recebido do professor Remo e cada leitor aqui tire as suas conclusões. O artigo é longo e demanda tempo para leitura, mas este blog entende da necessidade de divulgá-lo para todo brasileiro ler. Entendo não só a Veja como partido político neoliberal, mas a Rede Globo, Folha de São Paulo, Estadão, Band, aqui no Ceará o Jornal O Povo.

Eles se consitituíram no PIG - Partido da Imprensa Golpista que tem uma linha neoliberal aliado incondicional dos EUA.

Vejam a linha editorial que estes instrumentos do golpismo no país adotaram. São contra tudo o que o governo Lula faz, diz ou deixa de fazer. E este PIG ainda tem uma linha defensiva no STF e em outros poderes do país.

Portanto, só um povo com muita consciência crítica poderá perceber a atuação do Partido da Imprensa Golpista no Brasil.

Procurem ler o texto - é muito esclarecedor das estratégias do PIG. E se criou um jogo de manipulação neste país que é o seguinte: A Veja lança a matéria (a maioria das vezes não é verdade ou tem meia verdade) - o jornal nacional replica e a perfiferia do PIG reproduz. No mesmo jornal nacional entrevista alguns senadores da oposição - Artur Virgílio, Álvaro Dias e alguns "especialistas" para tornar as coisas verdades.

A tática é nazista porque uma mentira replicada mil vez por diversos instrumentos do PIG se transforma em verdade neste país, infelizmente.

No entanto, vejo que as coisas têm mudado neste país e o povo começa a perceber que a verdade não está no PIG.

Vamos ao texto abaixo que começa com uma pequena apresentação de Paua.

=================================================

Paula,

A VERDADE SOBRE A VEJA

Pessoalmente, nao defendo político nenhum, mas sugiro que voce desconfie de emissoras de TV, jornais e revistas que "analisam a notícia" por você. Na verdade, eles receiam que você tome esta iniciativa, e descubra uma realidade que mostre o quanto eles lhe enganam.

Já li muito sobre a lavagem cerebral que a "grande imprensa", em conluio com os grandes grupos empresariais, perpetam à nossa debil sociedade. Mas nada me impressionou mais do que este artigo que ora lhe repasso. Ele foi extraído de uma Tese de Doutorado em História: "VEJA: o indispensável partido neoliberal", defendida em 2005 na Universidade Federal Fluminense, por Carla Sousa. A pesquisa analisou 715 exemplares da revista relativos ao período de janeiro de 1989 a outubro de 2002.

Ela faz uma análise bastante elucidativa do papel dessa revista como agente ideológico mantenedor de uma situação de resignação das classe mais desfavorecidas de nossa sociedade, desnudando as pouco percebidas ligações corporativas entre a revista e as grandes transnacionais que tentam moldar o ser humano à sua ânsia de lucro e poder.

Infelizmente, a maioria de nossa população não tem acesso a artigos, reportagens ou qualquer tipo de conteudo editorial que questione os próprios valores que o sistema impõe.

Todo cidadão minimamente educado, e que não aceita ser enganado, deve ter acesso a esta análise.

OBS.: O artigo é um pouco grande; 12 paginas, recomendo imprimir e ler confortavelmente deitado ou sentado.

=========================================== o indispensável partido neoliberal


A revista Veja como instrumento de dominação tem tido uma ação muito mais eficiente do que os demais partidos políticos formais. Do ponto de vista político, ela tem influenciado a história brasileira de muitas formas: impondo a aprovação de reformas na Constituição, exigindo privatizações, desestabilizando governos, mantendo ou excluindo ministros. Sempre quer aparecer como neutra, um vigilante do poder, o"quarto poder". Ao mesmo tempo, ela tem buscado formular políticas, programas e projetos para o Brasil. O neoliberalismo, especialmente,teve na revista um precursor, ela agiu como seu ativo intelectual durante toda a década de 1990.

As revistas e jornais educam, ensinam a se comportar, desinformam sobre a realidade política, colocando no seu lugar aquilo que convém aos órgãos de imprensa. A dominação, no entanto, não estaria completa se não atingisse os aspectos mais fundamentais da vida humana: o cotidiano, a família, a saúde,os desejos humanos. Sobre essas questões pouco nos questionamos, elas aparecem muitas vezes como neutras, ou puramente pessoais.Tentaremos argumentar que essas questões estão diretamente vinculadas ao projeto político e econômico em vigor. É necessário que o neoliberalismo faça sentido para cada um, que necessite comprar, consumir, admirar, desejar as marcas e as estrelas produzidas nesse mundo de aparente riqueza que é o mundo da mídia. O que ele esconde, a todo custo, é que essa riqueza não existe sem o trabalho dos trabalhadores que explora. O mundo do espetáculo é uma das formas de ocultar a complexidade da realidade, e faz parte indissociada da definição dos padrões de gerenciamento do capital. Os gerentes do neoliberalismo precisam aprender que para se manterem na corda bamba em que estão colocadas suas ocupações, precisam também moldar seus estilos de vida. Os padrões de consumo e de abundância a serem almejados por cada um desses gerentes, e a introjeção da competição, são criados neste mundo. Ou seja, além de aprenderem a "fazer o que tem que ser feito" (demitir, exercer autoridade a partir de parâmetros externos), têm que também internalizar a face cultural do neoliberalismo(consumo exacerbado, novas tecnologias, padronização do corpo e da saúde, etc) como sendo sua forma de vida. O neoliberalismo não poderia existir sem essas formas de coerção e convencimento.


A revista empenha-se em forjar uma visão de mundo, através de uma contra reforma moral e intelectual, o que ocorre no momento em que nem o Estado nem a Igreja, nem a escola conseguem ser "centro ativo e permanentemente ativo de uma cultura própria".


E para isso, a ação de Veja foi clara no sentido da formação de uma contra-reforma moral e intelectual e da criação de um novo estilo de vida. Nessa construção, é o mundo que define o homem, e não o contrário.Ou seja, ao invés de propor que o homem poderá transformar o mundo, diz que o mundo está mudado (segundo Veja, por forças "naturais"), portanto, caberia ao homem apenasse adaptar a ele.


A novidade estaria por conta dos padrões de comportamento social diante das mudanças queo neoliberalismo trazia às diferentes classes sociais. Novos produtos foram criados, ganhando novos significados, o que só foi possível com as novas relações sociais estabelecidas. Para o pleno estabelecimento do novo estilo de vida marcado, era preciso um regime político e econômico adequado,"liberalizado", "desregulamentado", admitindo a criação, em zonas periféricas do mundo de "zonas de exportação" que permitissem que se pague o mínimo possível pela produção da "coisa" que vai ser vendida, atendendo a uma reestruturação produtiva ampla. As marcas são infladas por milhões de dólares de investimento, sendo vendidas no mundo "admirável"por preços exorbitantes, consumidas pelos leitores que aprendem,também nos editoriais, entrevistas e matérias, a precisar disso para que se considerem socialmente reconhecidos. As matérias, em conjunto com a publicidade contribuem para a formação desse "estilo de vida", ajudando a criar consumidores de marca. Importa não apenas o consumo em si: mas do próprio mundo "globalizado", que demanda a desregulamentação das relações de trabalho, a denúncia das conquistas sociais e sua redução no âmbito do Estado, o discurso do fim das "ideologias", um "novo homem". É um sistema que se retro-alimenta, que em Veja tem uma possibilidade ampla de ser percebido, porque nela todos os aspectos da vida estão em questão: político, econômico, cultural. Esse mundo "admirável" é criado para as "castas superiores",capazes de consumir essas marcas, legitimando plenamente idéias como o "darwinismo social",naturalizando a desigualdade. Trata-se da criação de necessidade e do consumidor e a redução de todos os aspectos vida ao status de mercadoria.Também os gerentes necessitam modificar seus estilos vidas, a partir desses novos padrões para alcançarem o "sucesso profissional": precisam ler os livros "corretos", moldar o corpo de forma "correta", usar as drogas indicadas, portar os celulares "noticiados", etc. Além disso, será necessário ter ambição cada vez maior, e se comportar de forma competitiva sempre.


O alvo são os consumidores de toda "cultura da mídia": cinema, televisão, moda, e com muita ênfase a indústria farmacêutica, diretamente ligada à "indústria da vaidade". Consome-se o produto e o estilo de vida que sua publicidade propõe. Veja contribui para a criação desse "mundo admirável" e dele depende. Esse mundo não pode existir para todos, a não ser como um sonho, um desejo inalcançável para a maioria. É o mundo da elite, dos "melhores"; aqueles que não alcançam o "sucesso" são considerados incapazes, destreinados, incompetentes. Com isso se oculta que esse sistema é por natureza excludente e desigual, posto que se sustenta na exploração da maior parcela da humanidade.



A realidade que Veja quer fazer ver está nitidamente inserida no mundo espetacular, o da televisão, do cinema, dos mega-shows, da publicidade, ou seja, daqueles elementos cujo objetivo é exaltar a mercadoria no dia-a-dia, afirmá-la como necessária ao nosso "modo de vida". O "mundo do espetáculo" encerra o obscurecimento das relações sociais - o que é fruto também da separação entre os produtores e o resultado do seu trabalho - agindo no sentido de promover sempre novas configurações de valor, e estimulando a perda do valor de uso. Esse é o papel do que poderíamos definir também como "cultura da mídia": Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de 'nós' e 'eles'. Ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos: define o que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral. As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje,


As inovações tecnológicas formariam, segundo Veja, um "mundo admirável", numa clara alusão à obra de Aldous Huxley. O fato deste mundo ser descrito pelo autor de forma crítica e angustiada é revertido pela revista em algo simplesmente positivo, sem contudo remeter diretamente à obra. A revista se nutre apenas do senso comum e lida com o desconhecimento ou esquecimento sobre o efetivo sentido da obra do grande escritor. Huxley narra o mundo no futuro, onde os homens seriam produzidos em laboratório, de onde já sairiam (apenas) com os gens necessários para o trabalho que iriam desenvolver, constituindo-se verdadeiras castas. Esse processo de criar homens previamente manipulados em laboratório seria "um dos principais instrumentos da estabilidade social".


Veja apresenta um mundo que se transforma sozinho, ela apenas escolheria o que narrar sobre ele, supondo um leitor atordoado e apassivado, ao qual apenas sobraria a tarefa de observar e ser"informado". A caracterização é ao mesmo tempo exagerada e otimista: "admirável", onde a própria inteligência humana seria transformada,como indicam capas que exaltam o "poder da mente" e da "inteligência emocional". Eles fazem parte do "reino do indivíduo" que a revista está ajudando a criar.


Para a manutenção dos padrões de comportamento, pensamento e consumo, um elemento fundamental é a padronização e homogeneização. Por isso Veja divulga a idéiada existência de "grupos": o das mulheres, o dos homens, o dos homossexuais, dos adolescentes. Há uma segmentação das pessoas como no mercado: fatias de consumidores. Não se trata de respeitar as especificidades de grupos,movimentos ou lutas sociais. E sim de fragmentar a realidade, impedindo que os sujeitos sociais se percebam como tal.


Disso, conclui a revista: Jovens são todos iguais, seja no Japão, na Rússia, na França ou no Brasil. A idéia que se reforça é a da homogeneização, mas que não pode aparecer como pura questão de consumo: "o interesse da pesquisa, no entanto, ultrapassa as fronteiras da padronização do consumo. Os jovens de classe média alta demonstram uma impressionante unanimidade de aspirações. Não estão interessados em expressar rebeldia nem em deflagrar movimentos de contestação". Como parte disso, Veja quer exorcizar 1968;exorcizar a participação jovem – inclusive dos filhos da elite – em políticas contestadoras. Os jovens devem sonhar apenas com um mundo melhor, desde que em suas roupas de marca, nos shopping e ligados nos seus celulares. O que importa é formação da "geração shoppingcenter", necessitando se manter ligada ao "nome da marca": McDonald's, Coca-Cola, Nike, e algumas outras, constituindo o verdadeiro Mc'World.


Além de estabelecer padrões de consumo, se mantêm níveis importantes de ambição por parte daqueles que ainda não alcançaram esse poder, oque importa é a marca consumida, mais que isso, desejada, vivida. Se o consumo é efêmero,tanto melhor, pois assim há sempre um novo objetivo imediato para cada indivíduo. O ato do consumo é mostrado isoladamente, anulando a totalidade do processo de produção, de circulação, de distribuição; seu horizonte é a marca. Em conseqüência, suas implicações políticas são obscurecidas. Além disso, a revista reforça o peso que os jovens e adolescentes no âmbito familiar para a definição dos padrões de consumo. Eles seriam mais abertos para as "novidades", e é para eles que muitas famílias se estruturam visando alcançar "o melhor", sempre em termos de consumo. Até mesmo as crianças possuem um peso maior que o dos adultos na definição desses padrões.


OS "PODRES DE RICO": A EXIBIÇÃO DA ABUNDÂNCIA


Falar em milionários e em pessoas "podres de ricas" é algo a que Veja habituou seu leitor. Não é à toa que uma parte de seus anunciantes são divulgadores de produtos de luxo: joalherias e relojoarias de luxo, whiskies escoceses de várias marcas, carros importados. A publicidade e as matérias sobre eles servem para manter a ambição daqueles que não podem comprá-los. O sentido mais amplo desse tema é indicar os caminhos "ideológicos do capitalismo". A revista precisa dizer que sim, existem pessoas muito ricas e que sim, é possível a "qualquer um" chegar lá, desde que para isso cumpra alguns pré-requisitos. O argumento recorrente é que antes a riqueza dependia de herança ou de muito trabalho; agora, existiriam outras formas (legais) de alcançá-la, e a fama e sucesso poderiam ser caminhos imediatos, seja pela televisão, seja pelo futebol, seja pela música. A revista lembra que isso não se coloca para todos, mas como numa loteria, insiste em que todos deveriam tentar. O tema foi várias vezes pautado pela revista. O que está em foco é ariqueza e seus hábitos. Destacar curiosidades sobre as "celebridades" já muito conhecidas,deixa na sombra as relações de produção e de poder nas quais se inserem, e permite alimentar de forma mais constante o sonho irrealizável. A sorte figura como o fator principal. O talento, nesse sentido, é um fator freqüentemente manipulado.


Não é a ambição que a revista suscita (ou se o faz é secundário), ainda que queira mobilizar tal sentido. É a frustração acoplada à fuga da realidade – o cotidiano do gerente, medíocre, é substituído pela curiosidade mórbida, tipo papparazzi ou voyeur, sobre as casas nas quais jamais entrará, mas deverá respeitar. Veja se dá ao luxo de ironizar os novos-ricos na oscilação entre alta cultura "nobiliárquica" e despreendida, e o mundo da mercantilização quase abjeta; ironia que aparece aos dominantes– subalternos como o "mantenha-se no seu lugar", estabelecendo artificialmente "lugares sociais".


Ao mesmo tempo em que lida com algo irrealizável, fala também para um público que está se tornando rico e precisa aprender a se comportar. Para eles importa o desapego total, a introjeção da necessidade de superar quaisquer limites que se coloquem à sua frente, indicando uma nova forma de gestão do capital. A revista fala então da criação de uma "nova classe",constatando que "a riqueza brasileira muda de mãos"17: Atenção, há novidades na calçada. Uma nova elite que criou fortuna nos últimos vinte ou trinta anos está aparecendo para fazer companhia à velha. Com rostos ainda desconhecidos da maioria dos brasileiros, seus integrantes têm o talento de sempre para ganhar dinheiro, mas o exercem de forma diferente. São mais rápidos, menos sentimentais e muitas vezes implacáveis. Em vez se apegar ao velho negócio da família, vendem a empresa sem remorso se alguém oferecer o preço certo. Em lugar de esperar a fidelidade dos empregados, querem apenas sua eficiência – pagam muito pelo talento e demitem muito quando há falta dele.Não esperam proteção do governo e não passam perto de entidades patronais como a Fiesp. Portanto, é a gestão neoliberal típica dos "novos ricos" que constitui o novo modo de ser. De forma simplificadora, a riqueza derivaria de um"talento" específico: não hesitar diante de nada na competição. Para enriquecer, vale tudo: "os lerdos perdem o lugar". Vários exemplos são apresentados ao longo das vinte páginas de matéria, que pode ser sintetizada na frase em destaque: "o importante não é competir. É vencer. Esse é o lema darwiniano de muitos empresários de hoje". Portanto, que fique claro: para Veja, esse é o lema dos "vencedores".


O zelo de Veja pela abertura ao capital externo se mantém, seja na concorrência em nível de produtos, seja na possibilidade de que ele tenha participação como acionista das empresas nacionais. E o modelo está de acordo com o que Veja sempre pregou. Para reforçar a exigência de um comportamento capitalista, outro exemplo: Os empresários costumam apresentar suas realizações como resultado de trabalho duro.Isso, além de ser uma ingenuidade, ofende os trabalhadores da construção civil e os que descarregam caminhões de feijão no mercado,gente que passa o dia trabalhando sem jamais ficar rica. A questão é outra. 'Quando termino um negócio, crio motivação para ter um outro desafio logo à frente', diz Salim Mattar. Para Veja, ser elite – e milionária – não deriva do trabalho, mas de uma "alma", um "espírito", uma agilidade que só alguns detêm, para "criar" o desafio de reproduzir o capital, isto é, a exploração do sobre trabalho alheio. Veja admite inclusive que não é o trabalho que convive com a riqueza. O importante é alertar: quem quer "crescer", não pode parar nunca, deve enfrentar os desafios, e depois criar outros, e mais outros... se assim não o fizerem, serão passados adiante, o capital será personificado por outros...


Dando continuidade à exibição do mundo dos ricos, a revista publica nova capa sobre "OS RICOS".A revista se atribui o papel de historicizar a riqueza, professando uma fé,plenamente em acordo com o que norteia o "espírito do capitalismo", assumindo uma visão que remete a Weber e a Adam Smith. Na longa matéria, inicialmente se caracteriza a acumulação, que evidentemente, para Veja, é vista apenas como capacidade de acumular riqueza, ocultando o caráter intrínseco de exploração e da mais valia historicamente contida nesse processo que mostra a desigualdade, mas que seria uma questão de capacidade individual. É como se dissesse: "é um absurdo ser pobre quando se pode ser rico". Assim explica: A acumulação de riqueza é um fenômeno tão antigo quanto a própria história humana. Com exceção das experiências fracassadas dos países de economia socialista, não existe um único exemplo de civilização em que a acumulação de riqueza tenha sido feita de forma igualitária e simultânea para todas as pessoas. Sempre houve um vizinho com mais boi do que o outro,alguém com mais terra, mais trigo ou menos galinhas. Esse também sempre foi um indicador da pujança de uma economia. Quanto maior e mais veloz for a acumulação de riqueza, mais forte a economia de um país. (....) 'Nenhuma sociedade cuja maior parte de seus membros é de pobres e miseráveis pode ser próspera e feliz', ditava Adam Smith, autor do clássico A Riqueza das Nações.


A constatação da desigualdade e da exploração de uma maioria por uma minoria é definida pela revista como "a coisa mais natural do mundo", mesmo que para sustentar isso tenha que passa rpor cima de uma vasta discussão histórica e historiográfica sobre as sociedades pré-capitalistas. A conclusão de que "o Brasil tem pobres demais e ricos de menos", levou à publicação de uma matéria que se propõe a mostrar "o que eles pensam: numa pesquisa exclusiva, os ricos falam de seus símbolos, valores e da sensação de culpa por viver num país com tantos pobres". Mais uma vez, a naturalização é trazida, agora na voz das "vítimas da riqueza". O autor da reportagem explica: "num país com a superpopulação de pobres, a riqueza pode ser motivo de constrangimento para os ricos – pelo menos quando estão fora de seu ambiente". Delimitado o "território dos ricos" (aquele que volta e meia é invadido pelos bolsões de miséria), se explica o problema: Um traço previsível veio à tona quando eles trataram de dimensionar sua responsabilidade social. A maioria afirmou sentir-se desconfortável por ter dinheiro num país com tantos pobres. 'A população menos favorecida nos olha como gente que desperdiça demais, esnoba demais. A distância entre nós é muito grande', afirma um empresário de 32 anos. 'Os pobres não vêem a elite com bons olhos. Ela representa tudo de ruim para eles', acrescenta um médico de 46 anos28. A delimitação de territórios se mantém. O repórter explica: essas não são pessoas que nasceram ricas, mas "trabalharam para isso". É por isso que criticam "uma minoria de socialites que gostam de aparecer. Essa gente seria a responsável pela imagem negativa da elite." Os relatos mostram como, mesmo com esse "senso crítico", eles gostam de ostentar produtos que os demarcam, como relógios e carros de luxo. E para consolidar essa visão sobre como os pobres seriam injustos por discriminá-los, uma nova explicação: Na visão dos ricos, os pobres tendem a estar nessas condições basicamente por dois motivos. O primeiro está associado à negligência ou à indolência. Acham que os pobres poderiam estar melhor de vida se fossem mais dedicados ao trabalho, tivessem maior envolvimento com aquilo que fazem e valorizassem mais a disciplina e a determinação. 'O povo brasileiro é muito acomodado', afirma uma arquiteta de 44 anos. 'A criança morre na fila do INPS e a mãe atribui à vontade de Deus.


Esse tom revoltante não é de ironia, a publicação não realizou nenhuma contraposição, nem apresentou uma outra forma de ver, assim como não analisou o fenômeno. Esses pobres seriam naturalmente conformistas e ignorantes, por isso sofrem... A revista dá voz a um empresário que reafirma isto. Confirma-se seu pluralismo de fachada que, a rigor, limita-se a dizer o mesmo sob inúmeras roupagens. Isso demonstra a parcialidade da percepção da revista. A edição correspondeu plenamente aos seus objetivos: consolidar o mundo capitalista com uma questão de oportunidade e capacidade. Ao trabalhador resta se esforçar mais, ver o que pode fazer para produzir mais em menos tempo, enfim, deixar de ser "tão acomodado". É essa a imagem que Veja apregoa. E o "mundo dos ricos" segue sendo mostrado, em seis páginas em que se revela como funciona a butique mais cara do país, onde vestidos custam o preço de um apartamento. O "mundo dos ricos" paira no ar –sem chão social, naturalizando as relações de classe, fruto das capacidades individuais, o que o liga intrinsecamente ao mundo do espetáculo.


O MUNDO DOS ARTISTAS E DO ESPETÁCULO


Nas capas de Veja percebemos que personagens de televisão, artistas, ricos e políticos ocupam o mesmo espaço, com o mesmo status histórico.Ali são homogeneizados na "fama", seja o presidente da república, seja a apresentadora de programas infantis. E essa mistura se estende para toda a revista, sendo que muitas vezes a vida dos artistas e a realidade espetacular que os cerca é a que mais interessa. Isso é facilmente depreendido pela quantidade de capas que encontramos sobre o mundo da mídia. Trata-se de artistas de tv, esportistas, personagens de carnaval, personagens de "corte", baixa literatura, modelos fotográficas. Esse mundo mostrado ressalta ainda mais tudo aquilo que remete à homogeneização, ao sucesso fácil, ao poder do dinheiro e à transformação dos indivíduos em mercadorias, que podem ou não ser compradas, dependendo de fatores que variam a cada caso. Em conjunto, as matérias remetem a esse mundo espetacularizado, por Veja considerado admirável, o reino da diversão, onde não existem relações sociais, apenas os interesses de cada indivíduo, e em que os modelos são vistos nas telas e nas passarelas para serem imitados na vida real.

Para isso agem em conjunto as demais revistas do grupo Abril, que têm especificidades, como por exemplo: Contigo acompanha a vida dos artistas e modelos e o desenrolar das novelas; Caras apresenta o glamour, a aparência de felicidade a todos os momentos em seus castelos. Nas palavras de Veja, é como se esse mundo se auto-reproduzisse: A celebridade é um espécime típico do século XX que, nos últimos tempos, vem se reproduzindo com espantosa velocidade nos quatro cantos do planeta. O que caracteriza uma celebridade é que ela não depende de algum mérito tradicional para ter alcançado fama e fortuna. Não precisa exibir no currículo realizações extraordinárias, como o físico Albert Einstein, que criou a teoria da relatividade, ou Pelé, o maior atleta do século. Como define o historiador americano Daniel Boorstin, a celebridade é famosa por ser famosa, e ponto final. As celebridades só precisariam então "estar na mídia", o que é um evidente círculo vicioso, pois são as redes de TV e editoras que definem o que deve estar na mídia e têm o controle muito estrito, especialmente dos padrões de renovação do seu plantel de pessoas capazes de chamar atenção. Essas matérias são acompanhadas de perto pela recorrência dos atores nas páginas amarelas da revista, alimentando ainda mais o interesse midiático por essas figuras. Nesse sentido não há diferença entre os astros de TV e esportistas alçados à fama, como Ronaldinho, Romário, Gustavo Kurten, entre outros. Eles se transformam também em participantes desse mundo da mídia, especialmente das colunas sociais e ações beneméritas, que como já visto,são uma forma de se "desculparem socialmente"por terem "subido na vida", já que esse ideal não pode ser alcançado por todos. Apesar da inegável concorrência entre as diferentes empresas de comunicação e até mesmo entre a televisão e as revistas, elas convivem de forma complementar na construção desse mundo. Eventuais posturas de crítica da revista com relação a determinados programas, sempre colocam como legítimo o papel da televisão no sentido do entretenimento, especialmente as telenovelas.

Veja consolida a idéia da "fama" como algo palpável e possível de ser alcançado, embora "por poucos". Esse mundo está em tudo: na moda que se veste, no penteado que se usa, nos produtos que se compra. Se não é possível ser um astro, pode-se ao menos parecer com ele. Ao mesmo tempo reafirma seu próprio papel "educativo", e como se estivesse exercendo o "quarto poder" da imprensa e dos meios de comunicação na medida em que estaria denunciando os abusos dos outros – a televisão. Veja procura projetar sua própria imagem –arbitrária e paradoxal – como modelo para as emissoras de televisão. De fundo, a manutenção dos preconceitos e estigmas sociais, que são inseridos no mundo mais amplo do "comportamento" socialmente aceito.

Quanto à sexualidade dos adolescentes, sugere que é necessário, acima de tudo, manter as aparências. Os pais deveriam proibir que dormissem no mesmo quarto mas "ignorar o tráfego noturno no corredor". Igualmente relevante é o fundamento sobre as maneiras"consensuais"de tratamento, moldando comportamentos: As boas maneiras transitam no mundo das aparências e quem acha que, nas relações sociais, pode dispensá-las deve ter passado os últimos vinte anos no planeta Marte ou no paraíso perdido da contracultura. Existe um jeito"certo" de se relacionar em sociedade, produto do ambiente em que se transita e de um certo consenso criado em torno do bem-estar geral. Essas formas de comportamento estão politicamente delimitadas, elas não se coadunam com a "perdida contracultura". Há que se defender o comportamento estipulado e padronizado pela revista, ainda que não se diga onde e como ele foi "convencionado". Também é intrigante que entre os consultores ouvidos pela revista para elaborar seu guia está uma atriz que interpretava uma personagem na novela O dono do mundo, onde a mesma tinha o papel de consultora social. A revista informa que na novela "o autor Gilberto Braga dá seguimento à sua tradicional missão civilizatória através de aulas de comportamento em sociedade à turma dos novos ricos". Mais uma vez, Veja mistura realidade e ficção, envolvendo os leitores no mundo do espetáculo, e fica clara a afinidade entre a ação do autor de "civilizar" e da revista que publica aqui seu próprio guia.


Para o estabelecimento de novos comportamentos dessas famílias, existem também produtos especialmente sendo oferecidos ligados ao turismo, como os resorts, e as viagens "de férias", que seriam para "desestressar", mantendo claramente a divisão entre trabalho (feito durante o ano todo) e lazer(feito em um pacote de dez dias por ano). A própria revista define quais seriam os comportamentos e desejos da classe média: "até pouco tempo atrás, a prioridade era comprar a casa própria, o carro e o telefone. Agora,priorizam-se a educação, os planos de saúde e a previdência privada". Todos esses "desejos" são, na verdade, expressão da angústia e insegurança da maioria da população, gerados pela privatização, o alto custo da saúde e da educação, o fim de um horizonte universalizante. Mas em Veja, é como "desejo"que aparecem. Eles estão em consonância com as reformas neoliberais: a telefonia celular(privatizada), e a almejada privatização tanto da saúde (que já ocorre na prática), com a própria previdência, contribuindo assim para naturalizar a ineficiência do serviço público. Também com o sentido de inserção no mundo do espetáculo, a indústria e comércio da moda ganham status de uma "revolução popular", na medida em que "grandes redes põem o estilo fashion ao alcance de todas". A explicação mostra os elos que fazem na produção dessa indústria: "os modelos são escolhidos por equipe afiada, cujo critério principal é detectar o que há de mais moderno em matéria de roupas e acessórios e adaptá-los, em versões popularíssimas, às suas faixas de clientes". Assim, da mesma forma em que há um público para lojas como a Daslu – que vende produtos de grifes importadas - , há um público fiel às lojas Renner e C&A – que reproduzem a mesma moda mas com preços acessíveis às camadas médias. Sintomática de todas essas mudanças éa seção Guia, criada pela revista. Nela há análise de questões práticas como o comportamento dos filhos, taxas escolares, dicas de viagens, dicas de saúde e de ginástica, além de lições para a carreira e de economia. Os padrões são sempre taxativos, dizendo como se vestir, e como transformar sua aparência para "ter sucesso".Esse padrão é complementado com a definição de um comportamento sexual, assim como pela indústria da vaidade, outras faces do mundo "do espetáculo".


SAÚDE, QUESTÃO SEXUAL E OS NOVOS SOMAS


A mercantilização da saúde tem um peso relevante para a revista é tratada com o sentido amplo da espetacularização, das grandes descobertas científicas ou de remédios, dos avanços da genética, das dietas e gordura, das drogas. A definição dos novos padrões de comportamento se desdobra em vários outros elementos, sempre objetivando a manutenção da ordem social. O controle sexual tem sido uma peça chave no controle do trabalho no sistema do capital. O sexo e a satisfação sexual são usados pra oferecer uma gama de novos produtos, da indústria farmacêutica e da medicina de uma forma mais ampla, por isso essas notícias abrangem também doenças "modernas" como o stress, ensinando a "conviver com ele". A questão da sexualidade e algumas de suas decorrências sociais foi pautada várias vezes. Não é com uma perspectiva socialmente totalizadora que a revista aborda a questão, e sim do ponto de vista da performance e do sucesso, portanto, homogeneizada a partir desses critérios. A sexualidade jamais é percebida como algo intrínseco ao ser humano e simultaneamente, social, portanto, essencial para a sua construção enquanto sujeito histórico, mas sim algo que permite uma performance e que pode ser controlada por drogas as mais diversas. A criação do Viagra, "a pílula milagrosa" contra a impotência masculina, mereceu uma capa da revista, onde não há qualquer contra-indicaçãoou alerta sobre os seus riscos. Parece que pesam mais os interesses da indústria farmacêutica, as matérias parecem mesmo peças publicitárias. A sexualidade, sobretudo para pessoas acima de 35 anos, está condicionada a esta indústria.

O tema "prazer: a vez da mulher", esteve na matéria de oito páginas, foi cuidadosamente editorada com fotografias em preto e branco de mulheres em poses sensuais. Trata-se de uma pesquisa realizada no Hospital das Clínicas de São Paulo "e patrocinada pelo laboratório Pfizer". A idéia central para ter "muito prazer", é: "com terapias e drogas que aumentam o desejo e estimulam o orgasmo, a ciência avança no campo até recentemente inexplorado da satisfação sexual das mulheres". O exemplo que pauta a matéria é o sucesso da "pílula azul",que devolveu o "brilho nos olhos" dos homens. Mas, explica a revista, o problema da mulher é mais complexo, pois se trata de uma "orquestra hormonal muito mais intrincada e flutuante que a masculina". Mesmo assim a solução é simples, basta confiar na ciência (leia-se indústria farmacêutica). É isso que indicam os remédios apresentados no quadro "orgasmo em pílulas". Essa reportagem se assemelha a outra, também de capa, em que a "ciência da mulher" já havia sido tratada pela revista. O tom foi mostrar que mulheres acima de 35 anos podem manter "aparência, vigor e saúde da juventude", mostrando vários modelos de mulheres que fizeram verdadeiras transformações em seus corpos. Essas seriam "mulheres que se cuidam com as mais modernas técnicas da estética e recursos da medicina". Portanto, é uma questão de "opção" de cada uma, pois a medicina coloca à disposição "de todos" esses avanços, que incluem prótese de silicone, lipoaspiração, plástica, retirada de bolsas de gorduras, peeling a laser, além é claro de drogas como Xenical e Reductil. Tudo ao alcance de "qualquer uma", e pelas páginas de Veja, "sem contra-indicações". Ao apresentar os "remédios para emagrecer", a revista diz que eles causam dependência química, mas ressalta: "aumenta a sensação de saciedade, sem os riscos das anfetaminas". O tema não se restringe às mulheres, como pautado em "sexo depois dos 40". Ao final das sete páginas, iniciadas com fotografias de personagens de cinema famosos que "apesar de velhos", viveram romances, e seguidas com dicas de várias pessoas "reais", apresenta-se em um quadro o "arsenal da meia-idade: Para eles: Viagra, Uprima, Vasomax, Regitina e Herivyl combatem a disfunção erétil; Propecia e Rogaine previnem a calvície. Para elas:reposição de estrógeno, Eros, Ácido hialurônico.Para os dois: comprimidos de testoreterona, anti depressivos Prozac, Aropax e outras 'pílulas da felicidade'. Xenical, emagrecedor de alta eficiência. Botox, injeção que paralisa músculos e elimina rugas; vitamina C e E; creme de ácido retinóico. No quadro, para completar, há a fotografia das drogas receitadas por Veja, como se bastasse procurar a felicidade em pílulas... Tudo parece muito eficiente, sem contra-indicações e garantido, como atestam os exemplos de "pessoas felizes" ilustradas na revista. Esse tema é inseparável da questão da aparência e da vaidade que traz a possibilidade de "transformação" através de cirurgias. Fica consolidado o peso dos "somas" diários, que, como o homem do"admirável mundo novo", deve usar, agora não apenas para não ter preocupações, mas também para tornar o seu corpo um permanente laboratório da indústria química.

 MUNDO É DOS MUITO MAGROS E CAPAZES DE "SE TRANSFORMAR EM OUTRAS PESSOAS"


A "indústria da vaidade" em Veja está em complementação com o "mundo do espetáculo" e com a (falta de) "satisfação sexual". A aparência passa a ser o bem mais precioso pelo qual os indivíduos devem lutar. Qualquer coisa que seja feita para melhorá-la, é válida. O sentido disso, não é muito difícil de ser apreendido: consome tempo, dedicação, interesses, de uma quantidade enorme de pessoas que, enquanto se preocupam e dedicam, passam a filtrar sua visão de mundo a partir desses padrões. Em última análise, estão prontas para serem os novos homens e mulheres que a nova organização do trabalho (especialmente o seu lado gerenciador do capital) necessita. Um "corpo perfeito" deixa de ser aquele que tem o pleno funcionamento de seus órgãos e passa a ser um padrão estético. Não se trata, nessas matérias, de um bem estar coletivo, ou de uma compreensão ampla da saúde. O que está em questão é a imposição de um padrão de aparência que traduz uma inserção social. O fracasso é sintetizado nos "gordos" e sua vergonha da balança, o que é também um fator gerador de medo (de engordar, de envelhecer, deter celulite...). Qualquer forma de intervenção é vista como sempre positiva, somente se deve cuidar os "exageros", mas a plástica é sempre bem vinda, pois permite a "transformação", como na matéria de capa: "O MILAGRE DATRANSFORMAÇÃO. Plásticas em grande escala realizam o sonho de virar 'outra pessoa'.". Veja. Capa. 14/7/2004. O culto ao corpo recebe um tratamento semelhante a qualquer outro produto do mercado, uma mulher que "não se cuida" estaria "fora do mercado", na expressão da própria revista. O "não há alternativas" da vida social, como o feitiço, vira-se contra o feiticeiro – é preciso transformar, a qualquer custo, o corpo. As razões sociais – da obesidade e da anorexia, por exemplo, - do enrijecimento dos corpos, não interessa à Veja. Em contrapartida, estimula a culpa singular pelas distâncias entre os corpos reais e os dos manequins produzidos pelas câmaras para pôr à venda uma tecnologia da adaptação do corpo a um novo molde.


Os remédios, são divulgados pela revista em matérias que mais parecem material de propaganda dos laboratórios que fabricam essas drogas. O Redux foi divulgado quando do seu lançamento, com matéria capa: "Gordura tem remédio: depois da era das bruxarias, um medicamento assume o posto de maior aliado do gordo na hora da dieta". A matéria traz os indefectíveis exemplos de pessoas que o usaram e "mudaram de vida". Um infográfico "explica" em números: "O risco das drogas: o risco de alguém morrer vitimado por hipertensão pulmonar, uma reação adversa associada à droga ativa do Redux e de outros inibidores do apetite é de 18 chances por milhão. Compare as chances de: uma pessoa qualquer morrer de PPH mesmo sem estar tomando drogas para emagrecer: 2 por milhão. De morrer atingido por um raio: 1 em milhão.De acertar na Sena: 1 em 16 milhões". Então,parece ser um "negócio seguro", pois os riscos se equivalem às chances de ganhar na loteria... O lançamento da droga Xenical também ganhou a capa da revista, que usou fotos de celebridades com dificuldade para se manter magras como modelo. O principal foi ressaltar a "pílula que faz a dieta". São insignificantes ou mesmo inexistentes as reportagens sobre problemas como bulimia, anorexia, cirurgias plásticas que não deram certo, o que só é feito quando envolve alguma pessoa famosa. O caso da lipoaspiração de Claudia Liz que levou a modelo ao coma cerebral é o mais conhecido. Esse é um exemplo de como a cobertura no campo da medicina é irresponsável. Veja atribuiu à clínica que fez a cirurgia falta de cuidado, culpando-a pelo ocorrido. Segundo investigou Nassif, nada disso se confirmou, e serviu apenas para promover a figura de um determinado médico.


Além disso, esse tema se estende a outras atividades para "manter a forma", como mostra a trajetória da matéria de capa que dá "a ciência da boa forma": Se você está sozinho no quarto, fique à vontade e vá para a frente do espelho. Esta é a hora da verdade. Muito provavelmente você não está contente com o que vê. Os pneuzinhos nos flancos, o abdome flácido, os braços finos, as pernas rechonchudas – nada disso combina com a imagem que gostaria de ter e desfilar na praia ou na piscina. Mas não desanime. Dá para melhorar bastante seu corpo se você se dispuser a malhar imediatamente. Há uma interpelação direta do indivíduo que lê a revista, que deve agir imediatamente. Primeiro, se observando e percebendo que "não está contente com o que vê", essa é "a verdade". É, portanto, um problema de imagem. A descrição é desanimadora, e "não combina com a imagem" que se quer. Não se trata de uma questão simples, pois é a imagem que vai"desfilar". Assim como modelos fotográficas, o leitor deve querer se expor, estar na passarela,pois esse é um mundo em que o mais importante é "ser visto". Mas, enfim, não deve desanimar,desde que esteja disposto a seguir a "receita"que a revista desenvolve nas páginas seguintes. Ao encerrar, diante dos riscos de desânimo com tantas dificuldades, exercícios, academia,esteira, restrição alimentar, Veja dá uma dica certeira: "se você competir consigo mesmo na ginástica, tudo fica mais fácil. Crie objetivos a ser superados. E não fique com vergonha de avaliar os resultados ao espelho. É o tipo de narcisismo estimulante". Assim, basta trazer os ensinamentos do mundo empresarial, e ter aqui também objetivos a serem superados. A competição é introjetada como necessária para a "vitória". O emprego da metáfora do espelho ("Veja!"), que permite "ver o espetáculo", avaliar os resultados, isola o indivíduo diante de si próprio, narcísico e impotente. Define-o como um ser competitivo, que depende como a propaganda de uma imagem a exibir e, com isso substitui a "liberdade" de ser pela escravidão do "parecer".


A revista "empurra" esses temas para o leitor, procura obrigá-lo a fazer algo. Afinal "você não está contente com o que vê". Além disso, a transformação do corpo em si é uma espécie de mercadoria, na medida em que ele pode ou não possibilitar a ascensão a lugares sociais. Ao lado estão os inúmeros exemplos de modelos e artistas magérrimas que fazem o maior "sucesso", ou de artistas "gordinhas" que fizeram uma dieta qualquer e agora "estão muito mais felizes". Um exemplo disso é a exposição de Rafaela Fischer, que após usar medicamentos e uma dieta rigorosa perdeu 18 quilos, o que nas palavras de Veja "foi a glória", mas, coitada, foi vítima do "efeito ioiô"e logo ganhou de novo o peso, subentendendo-se que por isso teria perdido qualquer possibilidade de felicidade.


A seção Gente da revista é riquíssima nesse sentido. São duas páginas de fofocas e de divulgação de atos das "celebridades". Da mesma forma, a seção Veja essa, publica "frases da semana" e vem sendo acompanhada sempre em cada uma de suas páginas com uma frase de alguma mulher / célebre, com poucas roupas, de biquíni ou mesmo semi-nuas e sempre com "corpos perfeitos". Também são exemplos, o tempo todo, aqueles que são os verdadeiros modelos. Um exemplo está na matéria da "receita para entrar em forma", precedida de das duas paginas da seção Gente. Nela há uma fotografia de Gisele Bundchen nua sob lençóis brancos. E ao lado,uma fotografia foca de baixo para cima Luana Piovani dançando de saia curta, e ainda Ivete Sangalo e Vera Fischer de vestidos justos e curtos. Ou seja, as modelos "reais" são reafirmadas para inferiorizar o leitor. Há uma imposição de uma determinada estética, tida como indispensável para que se alcance o sucesso: seja profissional (como se vestir para uma entrevista), seja amoroso, seja de aceitação social, ao que se submetem todos os níveis de aparência da moda, mesmo que seja da cor do cabelo, como na matéria: "O padrão nórdico: no país que já pertenceu às morenas, a loirice virou um estilo, um jeito de vencer na vida". Nas duas páginas há fotografias de nove mulheres que "venceram na vida" e são loiras("oxigenadas"): Adriane Galisteu, Carla Perez,Eliana, Jackeline, Angélica, Ana Maria Braga,Hebe Camargo, Xuxa e Cléo. Também se mercantiliza a questão racial, o preconceito é reduzido a uma questão de "sucesso" e consumo, como indicam as capas:"DO PRECONCEITO AO SUCESSO: quem venceu e chegou lá". Ou seja, o objetivo dessas pessoas seria o sucesso, definidor de identidade e essa a forma de afirmação social. O tema é também abordado de forma mais diretamente econômica, ou seja, do potencial consumidor dessas pessoas: "CLASSE MÉDIA NEGRA: advogados, professores, médicos, vendedores, empresários. Já são 8 milhões e movimentam 50 bilhões de reais por ano". Tudo está em perfeita consonância com os "novos padrões" de organização social: famílias menores, divórcios popularizados, pessoas que "se informam" com as novas tecnologias, trabalhadores que precisam se adaptar à nova realidade, que Veja está ajudando a criar. O aspecto de "enformar-se /amoldar-se" está plenamente caracterizado na proposta da revista com relação a este tema.


ALGUMAS CONCLUSÕES


O estudo da revista remete ao papel que a editora Abril tem desempenhado na história recente nacional. O mundo "do espetáculo", a "cultura da mídia",são as formas contemporâneas de forjamento da contra-reforma intelectual e moral necessária às transformações do sistema de reprodução do sistema do capital. Essas matérias são desenvolvidas com maior sistematicidade nas demais revistas da Abril, que buscam consolidar essa fragmentação da realidade: as revistas femininas: Claudia, Nova, Capricho, Elle, cada uma atende a um padrão de comportamento e de consumo; as masculinas: Playboy, Quatro Rodas, Placar, e assim por diante. Trata-se da própria ação enquanto sujeito histórico e político. Não é uma ação isolada, e sim, em consonância com um sistema que envolve a imprensa, a indústria cultural, a publicidade e as grandes corporações de forma indissolúvel. Nos anos 1990 as revistas se adequaram às novas realidades das mega-empresas. Atuaram na construção das marcas e de novos padrões de consumo, trazendo consigo sempre uma visão de mundo política, moral e intelectual. Mas essa ação, embora tenha elementos que lembrem uma prática totalitária, não se reduz a isso. Ela sempre encontra resistências. A resistência maior é a própria realidade, que diferentemente do que Veja quer mostrar, não é harmônica e não traz condições para todos, nem mesmo para os "mais capazes". Por mais que o discurso dessa "imprensa" busque ser arrasador e incontestável, ele tem em si as contradições do capital. Faz parte das funções de Veja da luta de classes mostrar a realidade dessa forma "cor de rosa". Não se trata de uma relação maniqueísta em que a revista manipularia seus leitores. Pelo contrário, trata-se de fazer com que isso faça sentido para cada um e seja introjetado como modelo de comportamento cotidiano, a ideologia precisa fazer sentido para cada indivíduo. São lições pedagógicas que visam amarrar aqueles que estão no topo do processo produtivo: os gerentes, os proprietários, os que organizam e dão as ordens. Eles precisam aprender que esse mundo admirável criado por Veja é indispensável para o bom andamento de seus negócios e de seus lucros.


Indispensável, de fato, aos educadores, é entender esses mecanismos para podermos nos contrapor a eles. Isso vale não apenas para a nossa própria compreensão da realidade, mas também porque é com essa realidade, essa visão de mundo que no deparamos no ensino. Enquanto educadores, "competimos" com esses bombardeios feitos pela mídia. Veja reproduz uma lógica parecida com a dos grandes jornais e da televisão quando o assunto é "comportamento

Um comentário:

Cristian Korny disse...

li e vou le de novo, muito bom!